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Jornal 96: Educação e socialismo


29 de janeiro de 2017

Rafael Rossi

Não é de hoje a notícia que a Educação formal pública passa por diversos problemas, numa crise profunda e sem precedentes. Todavia, a dificuldade, na maioria dos casos, está em relacionar a parte ao todo ao qual pertence. Apesar do sistema do capital ter mostrado, de diversas maneiras ao longo da história, a impossibilidade de lhe imputar reformas essenciais e substantivas, muitos discursos, no âmbito da reflexão educacional, ainda desejam o impossível. A defesa de uma “educação humanizadora”; “emancipadora”; “omnilateral” etc. ainda faz sucesso no debate contemporâneo.4

Nesse aspecto, entendemos que é fundamental, para a luta dos trabalhadores numa perspectiva revolucionária, a crítica séria, racional e fundamentada na história. A crítica, por assim dizer, na teoria social instaurada por Marx, não se baseia tão somente em um caráter negativo em que se rejeita ou aceita esta ou aquela ideia apenas por preferência pessoal ou gosto. Ao contrário, a crítica, na organização ideológica e prática dos trabalhadores, deve ser o confronto de uma determinada ideologia com a própria realidade objetiva em seu processo histórico.

Se assim o procedermos com relação à análise da sociedade burguesa, poderemos perceber que o capital é a potência que mais influi na direção e organização das várias dimensões que compõem a existência social (Educação, arte, filosofia, ciência, política etc.). Isto faz com que sejam os interesses da reprodução do capital o peso primordial na delimitação dos rumos da Educação, por exemplo.

O Estado, nesse sentido, enquanto “estrutura de comando político do capital” – na expressão de Mészáros – determina as formas concretas da Educação formal, mas isto, ao contrário do que muitos pensam, não significa que seja possível alterar a Educação – em seu conjunto – para que esteja de acordo com o desafio histórico dos trabalhadores na luta pelo socialismo.

De fato, seria o mesmo que querer que a chuva caia de baixo para cima tentarmos colocar a Educação em toda a sua abrangência a serviço das reais necessidades e aspirações humanas. O fato do capital enfrentar, nas últimas décadas, a sua crise estrutural – novamente de acordo com Mészáros – indica que, no caso educacional, cada vez mais irão se fazer presentes determinações diretas e/ou indiretas que façam com que a Educação formal esteja coerente com as necessidades de reprodução do sistema como um todo.

A escola pública no capitalismo é absolutamente irreformável. Não existe lousa digital, metodologia, avaliação, política pública que consiga salvá-la! Os professores são tão desvalorizados que é impossível que eles tenham uma boa formação contínua para transmitir o conteúdo das disciplinas que são encarregados. Além do mais, já sabemos que não basta transmitir os conhecimentos, mas sim, transmiti-los numa orientação profundamente revolucionária. Durante décadas tentam nos convencer que, agora sim, uma nova reforma educacional será melhor para todos. E qual o resultado? Mais exploração de todos que trabalham nas escolas, mais sucateamento tanto de seus aspectos físicos-estruturais, quanto o adoecimento mental de inúmeros docentes.

De um modo geral, a Educação, enquanto dimensão constitutiva do ser social, possui a função social de transmissão e apropriação dos conhecimentos, habilidades, valores, ideias, comportamentos etc. que atendam à reprodução de uma determinada formação social. No que tange ao modo de produção capitalista, tanto a Educação formal, quanto a Educação em seu sentido mais amplo, se encarregam de transmitir os conhecimentos, valores e habilidades, por exemplo, que estejam em coerência com a ideologia dominante, ou seja, que estejam atendendo o campo de possibilidades delimitado pela expressão ideal da manifestação real e concreta das classes dominantes.

Não estamos, contudo, desvalorizando a luta no interior da Educação. Nosso intuito é argumentar a respeito da necessidade de uma orientação revolucionária à luta educacional. Colocar o socialismo como um grande objetivo da luta em Educação significa, no mínimo, uma tarefa prática e teórica. Do ponto de vista prático há que contribuir, das diversas formas possíveis, com o movimento dos trabalhadores no sentido de perceber a determinação de classe das políticas públicas e a dependência essencial – ontológica – do Estado para com o capital, pensando em estratégias de confronto que prezem pela superação do capital e não a sua reforma. Do ponto de vista teórico, os desafios também são enormes, contribuindo junto aos trabalhadores, no entendimento crítico – no sentido já assinalado – do sistema do capital, do modo de produção capitalista, do Estado, da Educação em articulação com a totalidade social etc.

Uma Educação que, em sua totalidade, permita que os indivíduos explicitem e desenvolvam todas as suas potencialidades, possibilitando-nos a apropriação de todo patrimônio cultural, artístico, filosófico, científico etc. construído e elaborado pela humanidade, só será possível se conseguirmos superar o capital em sua totalidade, incluindo aqui o Estado, que, apesar de a cada dia mais explicitar seu fundamento mais íntimo com o capital, ainda é defendido em muitos lugares, como um espaço que deva ser “disputado” e não “superado”.

Por isso é de suma relevância entender que é impossível alterar substantivamente uma dimensão social sem alterar a totalidade à qual pertence. Os rumos mais gerais da Educação são delimitados pela totalidade consubstanciada pelo sistema do capital. Desse modo, apenas superando este sistema social, conseguiremos, de fato, obter uma “Educação emancipadora”.

No atual momento histórico, compreendemos que a margem disponível na Educação apenas coloca como possibilidade real e concreta a realização de atividades educativas que tenham por finalidade a explicitação sólida da necessidade histórica do socialismo. A este respeito, os escritos de I. Tonet, parecem apontar para aquilo que, efetivamente, é possível em ser realizado hoje.

Assumir o estudo sério, rigoroso e contínuo do marxismo e da história, tanto individual, quanto coletivamente, por exemplo, é uma atitude de grande relevância para a luta dos trabalhadores numa abordagem socialista. Sem um conhecimento, orientado de modo revolucionário, não conseguiremos compreender os limites e as possibilidades que a práxis educativa oferece aos trabalhadores. É preciso não ter ilusões com relação ao Estado e suas políticas públicas. Fazer a crítica a estes aspectos não é defender o imobilismo! Se queremos, de fato, contribuir com a luta pelo socialismo, por meio de atividades educativas, temos que repensar a irreformabilidade da escola pública e a relação do Estado para com o capital. É preciso lembrar sempre que: “abandonado o horizonte comunista, todos os gatos tornam-se pardos” (S. Lessa).

Sugestão de estudos:

De Ivo Tonet, a leitura do seu livro “Educação contra o Capital” é de absoluta importância neste debate. A tese de doutorado de Talvanes Maceno intitulada “O complexo social da Educação na Reprodução da sociedade: entre a autonomia e a dependência”, igualmente, é fundamental para a formação crítica e, ainda, o clássico “A Educação para além do Capital” de István Mészáros. Para um estudo mais profundo a respeito da relação da Educação com a reprodução social, vale a pena a leitura do capítulo “A Reprodução” da obra “Para uma Ontologia do Ser Social” do filósofo húngaro Gyorgy Lukács. Outros textos de nossa autoria estão disponíveis em: https://rafaelrossisite.wordpress.com/