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Jornal 91: França: os dias e as noites como resistência e luta contra as Reformas do governo e dos empresários


7 de julho de 2016

No último dia 23 de junho, trabalhadores franceses haviam marcado uma grande manifestação contra as reformas trabalhistas propostas pelo governo do Partido Socialista de François Hollande. Exatamente no momento em que ocorre a Eurocopa e Paris ainda vive sob Estado de Emergência desde o atentado de novembro do ano passado.5

O governo proibiu a manifestação a não ser que fosse estática, ficasse parada. Como a proposta foi recusada pelos manifestantes, o governo voltou atrás e liberou, mas determinou que houvesse distância de um dos epicentros de manifestações, que é a Praça da Bastilha ou Praça da Revolução. Ainda assim a repressão foi muito intensa com pelo menos cem prisões.

Essa manifestação foi a mais recente de dezenas que já ocorreram desde o dia 9 março, quando mais de 500 mil pessoas saíram às ruas, primeiro protagonizadas pelos estudantes e depois por setores importantes do proletariado industrial francês que se incorporaram com greves, barricadas nas ruas, enfrentamento com a polícia e até algumas ocupações.

Os ataques já vêm de antes

Embora haja uma grande variedade de leis específicas para muitas categorias de trabalhadores, em geral os contratos de trabalho se dividem entre os contratos por tempo indeterminado e os contratos por tempo determinado.

No primeiro, o trabalhador só pode ser dispensado se a empresa justificar que mediante uma situação financeira muito adversa precisaria demitir, o que garante uma significativa estabilidade para o trabalhador. E a indenização prevista inibe as empresas de realizarem demissões.

Já o contrato por tempo determinado, em tese, poderia ser utilizado em casos como de gravidez, doenças e em situações específicas nas quais haja uma demanda extraordinária como na época de natal ou serviços de obras.

Entretanto, os empresários não respeitam a lei e muitos trabalhadores passaram a ter contratos por tempo determinado, ou seja, renovam constantemente contratos para evitar a estabilidade para o trabalhador/a.

Entre 1985 e 2010, os contratos por tempo determinado aumentaram 400%. Segundo o site “operamundi”, 87% dos novos contratos são por tempo determinado, ou seja, precarizados. As reformas que Hollande tenta impor certamente intensificariam a precarização já existente.

Em 1995, já havia tido a tentativa de Reforma da Previdência. Em 2006, o primeiro-ministro do OS, Villepin, propôs a criação do contrato do primeiro emprego para jovens de até 26 anos com o qual durante dois anos de experiência os jovens poderiam ser demitidos sem justa causa. Em 2010, Sarkozy conseguiu alterar de 60 anos para 62 anos a idade mínima para aposentadoria.

As medidas de Hollande

No dia 10 de maio, o presidente François Hollande assinou o decreto que permite mudanças de leis trabalhistas na França.

A intenção de mudar a lei tinha sido anunciada em novembro de 2015, pelo ministério do trabalho. Inicialmente como um projeto de lei (Lei Khomri, ministra do trabalho), que deveria ser votado pelo parlamento, mas a partir das massivas mobilizações e temendo que o parlamento recuasse pela pressão das ruas, Hollande resolveu editar o decreto.

As medidas são um profundo ataque contra a classe trabalhadora na França, pois flexibilizam a jornada de trabalho diária (podendo ir para até 12 horas) e consequentemente aumentam a jornada semanal para até 60 horas. Além disso, diminuem as indenizações nos casos de demissão “por questões econômicas”, limitando as tabelas e o valor pago aos trabalhadores quando da interrupção do contrato de trabalho. Também permite reduzir o percentual pago nas horas extras, passando de 50 % para 10% do que é pago na jornada regular.

Ainda possibilita a flexibilização para a contratação de força de trabalho juvenil.

O governo alega que essa medida não alteram os direitos trabalhistas em âmbito nacional. De fato, o decreto em si não altera diretamente, mas mexe em uma cláusula que unifica os direitos trabalhistas em nível nacional. A partir da edição do decreto, os acordos realizados entre a empresa e os sindicatos têm prevalência sobre os Acordos Coletivos e sobre as leis trabalhistas.

As mentiras de Hollande

O argumento para a mudança é uma tal rigidez que os contratos de trabalho imporiam aos empresários, culpando os direitos dos trabalhadores pela crise. Essas reformas, sob a justificativa de promover a competitividade da economia é uma das exigências da União Europeia, que já foram realizadas em outros países como Itália, Espanha e Inglaterra.

Por trás dessas medidas está o objetivo de estabelecer um mesmo padrão – para menos – de direitos em todos os países da União Europeia, aumentando a competitividade dos países que compõem o bloco europeu no mercado mundial.

No caso da França deve-se agregar que o país se encontra em situação delicada, com crescimento econômico insignificante e desemprego de 10%, que atinge principalmente 24% da juventude.

Então, não há nenhuma preocupação de Hollande com o povo e com os trabalhadores, pois essa medida na verdade vai facilitar as demissões e quando houver contratação vai ser em piores condições.

Sabemos muito bem que essas medidas não criam mais emprego, apenas permitem às empresas se adequarem às crises e garantir a sua lucratividade. É a mesma lógica de sempre do capitalismo: jogar sobre as costas dos trabalhadores as consequências da crise que o próprio capitalismo criou.

Essas medidas são parte de uma tendência geral do capitalismo mundial de também retirar direitos dos trabalhadores dos países centrais.

A base passando por cima das direções

Ao depender das direções sindicais tradicionais o projeto do governo já teria sido aprovado sem problemas. Foi a partir da organização dos estudantes universitários que a resistência começou. E depois o movimento operário se incorporou.

Assembleias de base nas universidades, reunião nacional de estudantes com chamados pelas redes sociais e atividades de agitação foram dando força para o chamado do 09 de março, inclusive com sindicatos e comissões de base de várias categorias votando pela incorporação aos atos. Resultado: meio milhão de pessoas foram às ruas. Estudantes e trabalhadores.

O tamanho da mobilização obrigou as direções se moverem. Embora a central sindical CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho, com mais filiados e controlada pelo Partido Socialista) apoie as reformas, as demais tiveram que se opor e se incorporar na luta contra o decreto.

Em 31 de março, impulsionada pelas centrais sindicais CGT, FO e Solidaires ocorreu uma greve geral com grande adesão. Nesse dia, Nuit debout (noite desperta), manifestantes se mantiveram nas praças, ação que se disseminou por diversas cidades francesas, com a população se reunindo para discutir novas possibilidades de organização e luta frente às desilusões com a política institucional.

Os atos seguiram e em 14 de junho novamente ocorreu uma manifestação gigantesca, com 1 milhão de pessoas nas ruas, contra as reformas. Além da relevância do movimento estudantil, vários setores cruciais do movimento operário fizeram greves como das refinarias, energia nuclear, aeroviários e dos transportes públicos, principalmente ferroviários.

Todo apoio e solidariedade à juventude e a classe trabalhadora francesa

Numa comparação entre as lutas na França e no Brasil logo percebemos semelhanças. Primeiro, o ambiente de intensa repressão policial. Milhares de policiais mobilizados, repressão com bombas, jato d’agua, prisões, etc. Tudo isso amparado na Medida de Emergência, em vigência desde novembro do ano passado e prorrogada por três vezes por ocasião dos atentados em Paris.

Segundo, as medidas que os franceses lutam contra são as mesmas que estão na lista das medidas que Temer quer aplicar: precarização do trabalho, fim de direitos trabalhistas conquistados com muita luta e o negociado valendo mais do que o legislado. Lá e cá, é o capital nos atacando para se livrar da crise.

Por isso que dizemos que é uma tendência mundial do capitalismo. É a disposição de Hollande e Temer de servirem aos seus amos, que são os capitalistas.

Assim, a vitória dos trabalhadores franceses tanto vai nos fortalecer quanto deixar o governo Temer e a burguesia receosos, ou seja, a vitória dos franceses é a da classe trabalhadora brasileira também.

Os trabalhadores franceses mostram o caminho. A luta é a única forma de barrar o avanço dos ataques do capital. A radicalização e a persistência dos trabalhadores franceses na luta contra a reforma trabalhista devem servir de exemplo para a nossa classe em todo o mundo. Toda solidariedade à luta dos trabalhadores franceses!

Avançar em organização e luta para enfrentar os ataques da patronal e seus governos por todo o globo, sigamos o exemplo da classe trabalhadora da França!

Um partido que se diz socialista…

Quem não conhece a política francesa, logo estranha como um partido que se diz socialista adota medidas de fazer inveja aos partidos conservadores. Primeiro, o PS francês nunca foi revolucionário. Esteve, no máximo, na área de influência social-democrata.

É importante destacar que há muito não figura nem entre os que se declaram como social-democrata, entendido como um partido com um programa de reforma do capitalismo. O último programa com esse conteúdo foi de 1983, o “chamado programa comum” que serviu de base para a eleição de Mitterand.

Na ocasião defendiam a nacionalização de 30 bancos e 5 grandes grupos industriais, aumento do salário mínimo e de subsídios familiares, entre outras medidas sociais. Hoje uma candidatura com esse programa seria considerado radical.

Mas essas promessas não resistiram nem um ano. Após ganhar a eleição, Miterrand se rendeu à política de integração monetária europeia (que resultaria na Zona do Euro). Para isso deveria abrir mão de qualquer programa que representasse alguma concessão para a classe trabalhadora.

A partir daí o mergulho na política liberal e neoliberal foi sem fim e agora se caracteriza como um partido dos mais eficientes em aplicar os planos de austeridade, invadir militarmente países e apoiar invasões realizadas por países como Estados Unidos e Inglaterra. Qualquer semelhança com o PT não é mera coincidência…

Lá como aqui burocratas e políticos oportunistas se apropriam de palavras como socialista, trabalhadores e comunistas para iludir e conseguir aplicar os piores planos contra os trabalhadores. Na verdade, precisam ser desmascarados e denunciados, pois a direita tenta se aproveitar disso para relacionar essas práticas à esquerda.

Os objetivos socialistas e comunistas nada têm a ver com a prática e os objetivos desses falsários.