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Jornal 90: Michel Temer, um governo parido em meio à divisão interburguesa


22 de junho de 2016

Michel Temer, um governo parido em meio à divisão interburguesa

Temer assumiu o lugar de Dilma em 12 de maio, resultado da pressão de manifestações multitudinárias – desde março de 2015 – pelo afastamento da petista e de uma crise política profunda. As manifestações pela permanência de Dilma, apesar de significativas, não conseguiram impedir sua queda.

No entanto, esse arranjo burguês, de fato, contou com o apoio majoritário de setores da classe dominante, como a grande indústria (FIESP, por exemplo), os banqueiros, o agronegócio e os setores chamados da “lumpem burguesia” (mercado da fé, mercado da bala). Também juntou as representações parlamentares correlatas (PSDB, PMDB, DEM, PSB).

Porém, mesmo com esse amplo apoio, Temer não conseguiu a mesma unidade burguesa de 1992/94, como foi com Itamar e que levou ao Plano Real, adequando o Brasil à economia mundializada e suas demandas privatistas e de ataques à força de trabalho.

Tampouco, Temer, conseguiu a unanimidade de apoio por parte dos governos da burguesia internacional. Muito pelo contrário: países como Uruguai, Rússia, China, Venezuela, El Salvador, Cuba, entre outros não reconheceram o novo governo brasileiro.

O petismo conseguiu, no exterior, relativo sucesso na divulgação da ideia de que se tratava de um Golpe de Estado, semelhante ao que ocorreu no Brasil em 1964. E resgatou para essa propaganda a lembrança dos afastamentos recentes de Zelaya em Honduras (2009) e Fernando Lugo (2002) no Paraguai.

É um processo ainda em aberto que a depender de vários fatores, principalmente como a classe trabalhadora vai reagir, Temer pode se fortalecer ou até mesmo não resistir por muito tempo.

O projeto particular petista de governo burguês

O modelo de gerenciamento do Estado brasileiro, construído no lulopetismo, procurou se manter obediente aos contratos com a banca internacional (cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e aprovação da Reforma da Previdência de 2003), à busca pela construção do chamado superávit primário e, também, à uma política econômica que garantisse a lucratividade dos demais setores do capital.

Para isso Lula buscou a ampliação do crédito e do incentivo à exportação de commodities, tomou como parceiro principal a China. Medidas que foram financiadas pelo constante endividamento, através da venda de título da dívida pública. Foi através desses marcos capitalistas, aos quais se adequou e em parceria com esse setor, que o governo petista desenvolveu um projeto particular de poder.

Esse projeto foi construído em base às minúsculas concessões aos projetos sociais e sem esboçar nenhuma política de reformas que pudesse se expressar de fato em conquistas sociais como a Reforma Agrária ou a soberania do Estado nacional.

Registre-se que as relações do PT com o setor de empreiteiras foram sendo construídas bem antes da chegada de Lula ao poder em 2002: foi assim nos sindicatos cutistas, via câmaras tripartites (governo, empresários e sindicatos) e consequentes parceiras; foi assim também em prefeituras e governos estaduais, administrados por petistas que, com o fomento de obras, estreitou relações com esse segmento.

Ademais, o petismo, também por dentro do movimento sindical, já tinha se incorporado aos fundos de pensão e, por consequência, ao setor financeiro. Como o próprio Lula cansava de se gabar “em nenhum governo da história do Brasil, os banqueiros lucraram tanto, como no meu governo”.

O projeto arquitetado por José Dirceu e Lula, através de recursos do Estado (principalmente do BNDES e das obras da Petrobrás) fomentou o setor de construção civil que, em contrapartida, “financiava” a maioria parlamentar do bloco governista, sedimentando as alianças mais espúrias e fisiológicas com partidos como o PMDB, o PP ou com figuras de triste passado na história brasileira como Maluf, Sarney, entre outros. Nada diferente de governos burgueses anteriores que sempre governaram esse país.

Assim, se garantiu a gestão petista: um projeto de governo de longo prazo, em que se mantinham intactas as bases do Estado burguês brasileiro, com busca de controle, através de pequenas concessões, das amplas massas beneficiadas pelos programas sociais.

Uma pedra no caminho petista: a crise econômica de 2008

A crise aberta em 2008 nos EUA, a crise “das hipotecas”, chegou à economia que mais crescia no mundo: a chinesa, chefiada pelo Partido “Comunista” e diretamente atrelado à economia imperialista estadunidense. A China teve crescimento reduzido de 12% ao ano para patamares inferiores a 7% anualmente. Também substituiu as exportações pela expansão do seu mercado interno.

Em consequência dessa mudança nos rumos da economia chinesa as commodities brasileiras foram afetadas. A isso soma-se a forte queda registrada nos preços internacionais (soja, petróleo, minério de ferro e outros produtos do agronegócio).

Esse modelo de gerenciamento do capitalismo brasileiro, sob o lulopetismo, apresentou sinais claros de esgotamento (baixos índices de crescimento do PIB, queda na produção, etc.) e mostrou que a crise capitalista não era uma “marolinha” como afirmou Lula. Era uma crise profunda, na qual o modelo econômico petista ruiu e com ele a base de sustentação para o PT governar.

Com o aprofundamento da crise e o aumento das dificuldades de o capital realizar suas taxas de lucro, as frações burguesas procuraram construir uma saída legal para superar o lulopetismo. O apoio a Aécio na eleição de 2014 (que perdeu a eleição por uma diferença 1,5% dos votos) foi o primeiro movimento de um setor da burguesia brasileira mais vinculado aos imperialismos ianque e europeu de chegar ao poder central.

O segundo governo Dilma: mais à direita e mais crise

Dilma, no segundo mandato, foi logo atendendo a banca internacional com a nomeação de um nome do mercado financeiro (Joaquim Levy do Bradesco) para o Ministério da Fazenda e de outro do agronegócio que foi Katia Abreu para o Ministério da Agricultura. Assim, se aproximou ainda mais da direita e dos setores mais conservadores da sociedade brasileira.

Para responder à crise econômica que se aprofundava optou por medidas cada vez mais duras contra os trabalhadores. Editou medidas provisórias de ataque aos direitos dos trabalhadores, como a 664 (retirada de direitos previdenciários) e 665 (restrição para concessão de seguro desemprego), no que se convencionou chamar de Ajuste Fiscal. Para piorar o que já era ruim, apoiou a aprovação do projeto do tucano Serra que retirou da Petrobrás o direito de participação mínima de 30% na exploração dos campos de petróleo.

Os cortes no orçamento da saúde, Educação e outros serviços públicos (para pagar a dívida aos agiotas) também foram outra constante desse governo.

Também foi neste segundo mandato que intensificou a criminalização dos protestos e dos movimentos sociais, com a aprovação da “Lei Antiterrorismo”, buscando se mostrar confiável no sentido de garantir a segurança dos contratos internacionais e dos grandes negócios como as Olimpíadas de 2016. Enfim, a lista de ataques aos nossos direitos é grande… Tudo para mostrar ao “deus mercado” como o seu governo é de servidão.

Entretanto, essas medidas foram consideradas insuficientes pelo mercado (que é controlado pelos banqueiros agiotas, comerciantes, industriais, etc.) que, como sempre, quer mais e exige mais ajustes, mais ataques aos direitos dos trabalhadores e aos parcos programas sociais e com maior rapidez.

A saída de Levy do Ministério da Fazenda foi a senha para os parlamentares (na condição de representantes das diversas frações do capital) passarem a utilizar o argumento de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (as chamadas pedaladas fiscais), imputando crime de responsabilidade à Dilma, abrindo-se assim o processo de impeachment, em março desse ano.

A conspiração das frações burguesas chancelada pela mídia e pelo Judiciário

Com praticamente todo o Congresso questionado pelas denúncias de corrupção e um executivo sem poder de articulação, entra em cena outro pilar do regime: o Judiciário. Representante que é dos interesses burgueses passou a coordenar, do ponto de vista legal, os passos do impeachment.

Várias das medidas (diga-se de passagem, bem seletivas) de Moro na “Operação Lava Jato” eram adotadas bem de acordo com o momento político, contribuindo assim para construir uma histeria coletiva. A condução coercitiva de Lula e a divulgação (ilegal) das escutas de suas conversas isolaram ainda mais o PT, o que levou à debandada de vários partidos da base parlamentar.

O STF entrou na jogada dando, a cada passo, legitimação ou mesmo corrigindo os passos do processo de impeachment. Até mesmo a última cartada de Dilma, a nomeação de Lula como Ministro da Casa Civil, foi barrada.

Paralelamente, o mesmo STF e Moro blindavam figuras como Aécio, Serra e até Temer (citados várias vezes em delações premiadas), fundamentais para a articulação do novo governo, além de pessoas chaves para a condução do processo de impeachment.

Tudo isso com o apoio dos grandes meios de comunicação (em particular, a Rede Globo).

A histeria coletiva presente nas manifestações reacionárias dos “coxinhatos” foi baseada em um fascismo societal, próprio das grandes crises capitalistas e suas grandes ondas de desemprego, como observamos nos EUA com o crescimento de Trump. Assim como na Europa, na onda xenofóbica (contra estrangeiros), contra árabes e refugiados.

Também é o mesmo que levou ao poder a extrema-direita na Áustria e na Hungria e ao crescimento eleitoral de Marine de Le Pen, na França.

No caso brasileiro, esse fascismo societal, tem como alvo os pobres, os beneficiados pelos limitados programas sociais como Bolsa-Família e as regiões do país mais abrangidas por esses programas como o Nordeste.

A aprovação do impeachment na Câmara foi seguida pelo Senado e Dilma afastada por até 180 dias para apuração e julgamento definitivo do processo. Pôs-se fim a mais de 13 anos do PT no poder, pois a possibilidade de reversão é remotíssima.

Governo Temer: continuam os ataques sobre os trabalhadores

Primeiramente é importante demarcar que o governo Temer é de continuidade de um projeto econômico que até a pouco era coordenado pelo PT. As diferenças entre Temer e Dilma não são suficientes para dizer que se trata de outro projeto.

Temer está dando um ritmo que Dilma não estava conseguindo impor. A maioria das medidas ou foram elaboradas ou cogitadas por Dilma. Como não tinha força, Temer assume a responsabilidade de aprova-las para que as diversas frações da burguesia brasileira possam retomar suas taxas de lucro.

Com um ministério composto por diversos investigados pela “Operação Lava-Jato” (quando fechávamos esse artigo, Jucá não completava doze dias como ministro), o governo Temer tem uma duríssima agenda de ataques aos trabalhadores para cumprir:

– Reforma da Previdência: Quer impor a idade mínima para celetistas e aumentar a dos funcionários públicos, igualando para mulheres e homens; Fim da aposentadoria especial de professores;

– Flexibilização das leis trabalhistas: muda as férias remuneradas e o 13º salário; o negociado se sobrepõe à lei (categorias com pouca organização e com sindicatos pelegos perdem direitos que já estão na lei);

– PLP 257: congelamento salarial por no mínimo dois anos, suspensão de concursos públicos, possibilidade de demissão com o fim da estabilidade para o funcionalismo (através de avaliação de desempenho e outros mecanismos). Esse projeto, mesmo direcionado ao funcionalismo, atinge toda a população (principalmente a mais pobre), pois os serviços públicos seriam ainda mais precarizados;

– Mais privatização: há quatro aeroportos, trechos de rodovias e terminais portuários que, se leiloados ainda no segundo semestre deste ano, como se prevê, podendo arrecadar próximo de R$ 31 bilhões. Também os Correios e outras estatais (230 empresas do setor elétrico, a maior parte pertencente à Eletrobrás), a Infraero, as companhias Docas, a Casa da Moeda, a Caixa Seguros, o IRB Brasil, União na BNDESPar (braço do BNDES), Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasaminas), Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais (Casemg), Novacap e Terracap) estão na alça de mira do “novo” governo.

Mas, também vai ter resistência

As coisas não vão ser fáceis para Temer. No primeiro embate perdeu: funcionários do Ministério da Cultura decidiram fazer o mesmo que os secundaristas e ocuparam o MINC, em vários estados, contra sua extinção. A ocupação do MINC ganhou apoio da intelectualidade e de vários artistas renomados. O governo recuou e decidiu recriar o Ministério.

A juventude, principalmente a secundarista, protagoniza a luta por Educação pública de qualidade e contra seu desmonte. A onda das ocupações de escolas, iniciadas em São Paulo em 2015, atingiu Goiás, Rio de Janeiro, Ceará e, agora, Rio Grande do Sul com mais de 150 escolas. E apesar da repressão que sofrem, seguem lutando!

A recente exoneração de Jucá, tido como “homem forte” do governo interino, do Ministério do Planejamento após vazarem gravações a respeito do “pacto nacional” para conter a Operação Lava Jato, desgasta ainda mais o governo e intensifica a crise política no país.

O momento atual exige muita unidade dos trabalhadores, pois os ataques serão imensos. Diante desse cenário, está colocada a necessidade de uma greve geral para enfrentar todos esses ataques.

Como parte da preparação dessa greve geral, ou como sua antessala, é necessária a organização de uma greve geral da Educação pública, setor que tem sido vanguarda desde 2015, com as greves dos professores do Paraná, de São Paulo e, agora, no Rio de Janeiro e com as lutas estudantis em curso. A palavra de ordem dos secundaristas paulistas, “Não Vai Ter Corte!”, pode ser o elemento unificador.

A saída é por fora da institucionalidade burguesa

Toda crise política coloca possibilidades de a classe trabalhadora se colocar em luta e com força no processo e avançar a sua consciência socialista. Mas para isso, em certa medida, depende da política das organizações socialistas. E nessa parte, as coisas não andam bem.

De um lado, “antigos/as” governistas só querem a volta de Dilma para continuar fazendo a mesma coisa. De outro, algumas organizações de esquerda mostram os seus limites, com posições que capitulam ao governismo ou carregam como saída o parlamento.

A defesa de “Fora, Todos! Eleições Gerais” joga ilusões de que o problema se resume somente às pessoas que ocupam o parlamento e não ao próprio poder do capital e da burguesia com seu tipo de democracia (ampla para os ricos e inexistente para os pobres). Ou que novas eleições resolverão os problemas do país. Até mesmo setores da burguesia trabalham com essa hipótese. É uma carta na manga da classe dominante, com a qual flertam setores patronais como a Folha de São Paulo.

Outra posição de saída institucional é a defesa de “constituinte livre e soberana”. Eleição de constituintes, nas condições atuais, é eleger Bolsonaros e Felicianos. E sabemos bem que o processo eleitoral é viciado e comandado pelo grande capital. Podemos imaginar como seria uma nova Constituição com essa composição: o pouco que nos resta de direitos e liberdades democráticas se perderiam.

O significado dessas políticas é, ainda que às vezes sob uma forma radical, a capitulação à democracia burguesa e a contenção do movimento de massas, relegando a ação direta – fonte de nosso poder – a um plano secundário.

Não defendemos a política do “Fora, Temer!” por considerarmos que neste atual momento tem um forte conteúdo de “volta, Dilma”. No entanto, se esses atos ganharem a presença da classe trabalhadora contra os cortes passarão a ter um caráter progressista. Hoje não é assim.

Com a construção e o desenvolvimento das lutas da classe trabalhadora que necessitam prosseguir e se intensificar (devido ao aumento preços, cortes de direitos e dos serviços públicos, além do aumento do desemprego) avançaremos na consciência de que os governos burgueses não nos representam e nas formas de organização e ação direta de trabalhadores/as, para construção de um poder próprio da classe trabalhadora.

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Plenárias de base: Ir construindo formas unitárias e de base

Não há saída que seja imediata e por dentro do sistema! É fundamental que os trabalhadores construam a sua alternativa política.

Vemos na construção de plenárias de base e num encontro nacional de ativistas para construir um programa capaz de apontar uma saída para a crise sob a perspectiva dos trabalhadores contra o capital formas necessárias para organizar a classe a partir da base e de seus problemas reais.

Partimos do pressuposto da necessidade de colocar na ordem do dia a ofensiva socialista, ainda mais no contexto da crise estrutural do capital, marcado por subtração de direitos, intensificação e precarização do trabalho. Faz-se urgente recolocar na ação da esquerda socialista a luta por uma sociedade socialista e pela revolução!