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Jornal 79: As greves dos professores, seus desafios e limites a serem superados


16 de junho de 2015

Manifestação dos professores em Curitiba contra o  pacotaço de cortes do governador Beto Richa à Educação (6)

O país vive inúmeras greves e mobilizações de professores de Educação Básica que afetam os estados e municípios e apresentam diversos aspectos comuns, sobretudo, no que se refere às consequências das medidas de ajuste fiscal adotadas pelos governos municipais, estaduais e federal. Na edição 77 de nosso jornal, discutimos como “Os professores do ensino público enfrentam a austeridade dos governos”.
Nesses últimos meses ocorrem ou ocorreram greves nos estados de São Paulo, Pará, Paraná, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e nos municípios de Maceió, João Pessoa, Macapá (PSOL), São Bernardo do Campo, Juiz de Fora, Santarém, entre outros. Além de outras mobilizações que podem desencadear em greves. Destacamos o estado do Paraná que no início desse ano fez uma greve de mais de 30 dias em função de atrasos dos salários, corte de verbas e as alterações na legislação previdenciária que prejudicarão o Plano de Carreira da categoria, tendo retomado novamente a greve em 27/abril. Além disso, atualmente, os docentes, nos vários locais, sofrem uma das piores repressões governamentais que busca silenciar o movimento, inclusive o corte de ponto, além do bloqueio da grande mídia.
Como característica comum, as greves são duradouras e enfrentam vários desafios: cortes de verbas para a Educação pública, perdas salariais, piora das condições de trabalho, retirada de direitos conquistados historicamente e ataques à aposentadoria.
Os ataques citados se aprofundaram a partir dos anos 1990, com as medidas neoliberais do Banco Mundial e FMI, no bojo da “reforma do Estado brasileiro” (termo muito utilizado nesta década). A partir desse contexto, passamos a conviver com a reversão e restrição de inúmeras conquistas políticas e sociais resultantes das lutas empreendidas pelos trabalhadores, sobretudo, nos anos 1980.
A partir da perspectiva do Estado burguês a reforma trouxe consigo:
“(…) a difusão das ideologias correlatas: formação com base em competência; as noções de empregabilidade, de meritocracia, enxugamento de conteúdos e de ênfase na aprendizagem; enfim, de propostas pedagógicas que visam fazer da educação um campo também organizado de acordo com a ‘flexibilidade’ do mundo produtivo e do padrão de acumulação de capital no contexto da mundialização.” (Minto 2014, p. 283)
O aprofundamento da reforma nos anos 1990 se concretiza recentemente no Projeto de Lei no 4330/2004 – o PL da terceirização – e nas Medidas Provisórias no 664 e 665 que limitarão o acesso ao seguro desemprego, ao abono salarial, ao auxílio doença e às pensões por morte.
Nesse momento importa-nos discutir as dificuldades enfrentadas pelas greves dos professores da Educação pública e os possíveis enfrentamentos ao projeto educacional do capital. Nota-se nas últimas décadas que a Educação tornou-se centro da pauta empresarial – como os movimentos “Todos pela educação” e “Parceiros da educação” – e ganhou visibilidade na mídia em virtude de sua ligação com os interesses da ordem burguesa. O acirramento de interesses fica cada vez mais claro: de um lado o sucateamento de serviços e do outro a reivindicação e luta por melhores condições.

ALGUNS ASPECTOS DO PROJETO EDUCACIONAL DO CAPITAL PARA A EDUCAÇÃO PÚBLICA
O projeto educacional do capital para a Educação pública visa ajustar, enquadrar e efetivar na esfera pública as leis do capital como competitividade, adaptação e punição individual e até demissão dos funcionários públicos por insuficiência de desempenho. Nesse sentido, com a reestruturação produtiva e o avanço da ideologia neoliberal, adapta-se a formação intelectual dos alunos às necessidades do capitalismo.
Tais nuances do projeto educacional capitalista atingem alunos e professores, com o discurso falacioso da meritocracia. De acordo com esse ideário os alunos “mais capazes” teriam acesso a escolas de tempo integral e melhores oportunidades de aprendizado e emprego. Para os professores, a ilusão excludente das “bonificações por mérito” e a de que mesmo com o corte de verbas e o agravamento das condições de trabalho e da carreira, devemos “fazer a diferença” mesmo que confinados em salas superlotadas.
Também se deve considerar que a microeletrônica e a informática exigem dos trabalhadores mais “atributos intelectuais” e “psicossociais” do que esforços físicos. E, que “(…) o sistema produtivo necessita apenas de uma pequena parcela de trabalhadores ‘estáveis’ combinada com a grande massa de trabalhadores de tempo parcial, terceirizados, ou aqueles que, por não serem imediatamente necessários à produção, são compelidos a ser trabalhadores independentes (…)” (Frigotto 2014, p. 47 e 48).
Portanto, nessa forma de funcionamento da sociedade, não há espaço para todos no mercado de trabalho, nem para os atuais professores e nem para a imensa maioria dos alunos de escolas públicas, que estarão fadados à prática de “bicos”. O Projeto Educacional do Capital visa também preparar essa parcela majoritária da força de trabalho justamente para a superexploração e a conformação a essa situação como expressão de sua própria incapacidade individual ou como problemas de gestão que possam ser modificados apenas com o exercício do voto ou de projetos que não confrontem as relações de poder. Qualquer chamado a exercer criticamente a participação e o questionamento é duramente impedido ou reprimido.

O MÉRITO INDIVIDUAL: ELEMENTO QUE SE CONTRAPÕE ÀS LUTAS DOS PROFESSORES
O “otimismo pedagógico” baseado no “princípio dos desempenhos individuais” dominou a Educação pública, afetando a classe trabalhadora, que usufrui de tal serviço.
Nota-se o reforço do individualismo, do particularismo e da fragmentação contra os valores do bem comum, da solidariedade e dos direitos sociais respaldando principalmente um ensino sistemático e alienador apenas para que os alunos atinjam as metas das avaliações externas e do “promissor” mercado de trabalho.
Sendo assim, estamos diante de uma ofensiva cultural, ideológica e prática – que deu um salto no Brasil nos anos 1990 e que procura apagar da memória coletiva (…) “os processos de luta e as conquistas obtidas (…) que, em algumas ocasiões, chegaram a questionar o sistema de dominação política e, em outras, até o próprio ordenamento social e econômico, evidenciando suas contradições, injustiças e arbitrariedades.” (Suáres 2007, p. 256).
Por trás do mérito individual, procura-se colocar as concepções conservadoras de direita, como determinantes para obtenção de uma Educação pública de qualidade. No entanto, esconde-se o real objetivo ideológico do projeto capitalista de Educação pública que visa à exclusão e preparação de uma mão de obra “qualificada” para os subempregos contemporâneos.

O ENDIVIDAMENTO DOS PROFESSORES
Os professores de Educação Básica estão com os salários defasados em comparação com as demais categorias que possuem curso superior, tanto no funcionalismo público, como no setor privado. Isso decorre da política de arrocho salarial que nos atinge, fruto das contínuas políticas de aperto fiscal para pagar juros e amortizações de uma Dívida Pública, que dá saltos a cada ano. Em 2015, o serviço da Dívida consumirá R$ 1,35 trilhão ou 47% do Orçamento da União, estados e municípios.
Com o agravamento da crise estrutural mundial a partir de 2008, veio se somar mais um elemento a partir do modelo econômico adotado em nosso país que é superendividamento das famílias, fator que atingiu amplamente os professores. Envergonhados, assumem sua condição precária apenas nos “bastidores das escolas”, nos corredores, na sala dos professores, nas entradas e saídas de cada período.
Mas, na hora de ampliar e massificar as adesões às greves o superendividamento dos professores torna-se mais um obstáculo a ser superado.

A DESCONFIANÇA COM AS DIREÇÕES SINDICAIS E A DIFICULDADE NA MOBILIZAÇÃO DOS PROFESSORES
Inúmeros são os relatos de traição das direções sindicais às lutas dos professores. Por exemplo, em 2013, vimos a presidente da APEOESP – Sindicato dos Professores de Rede Oficial do Ensino Público de São Paulo – encerrar uma greve mesmo quando a maioria em assembleia votou pela continuidade. Como consequência de suas “manobras” os professores em momento de desaprovação utilizam-se do “fora Bebel” para questionar a intransigência da liderança sindical ou até mesmo como denúncia de “possíveis manobras”.
Os questionamentos não ocorrem apenas em São Paulo, mas em todo o país e com as mais diversas frentes sindicais.
Os questionamentos e desconfianças recaem também sobre as maiores correntes de Oposição, pois, em alguns casos, se demonstram atreladas, dependentes dos aparatos sindicais e dos acordos com as correntes burocráticas, até mesmo para conseguir espaços de intervenção. Além disso, estão presas às formas de lutas do passado e fecham os olhos para a nova realidade de greves e lutas dos professores o que, muitas vezes, as têm levado a ficar para trás ou literalmente contra as ações mais radicalizadas, que extrapolam os marcos do previsível ou do previamente acordado como os bloqueios de rodovias e vias de grande circulação, ocupações de espaços, etc. As maiores correntes de esquerda (PSOL e PSTU) não têm tido política para essas ações e quando essas ocorrem, geralmente, se colocam na retaguarda ou mesmo contrárias, alegando que são ações apenas de vanguarda. Com isso deixam de contribuir para que o movimento generalize essas ações e avance em sua experiência e organização. Também deixam de se apresentar como alternativa prática real perante as novas gerações de ativistas que surgem e fazem suas experiências contra as direções burocráticas e governistas da maioria dos sindicatos.
Cada vez mais é preciso uma organização da esquerda de forma consequente em correntes que tenham independência real dos aparatos, que combata e, ao mesmo tempo, se precavenha das várias formas de burocratização e do afastamento das lideranças da realidade da categoria, com total independência frente às direções sindicais burocráticas e governistas, sem acordos de conveniência e com diferenciação política no discurso, mas, também na prática.

A EDUCAÇÃO PÚBLICA É PRIORIDADE PARA OS TRABALHADORES E SEUS FILHOS
A Educação pública deve ser uma prioridade de toda a sociedade e exige esforços coletivos na luta, não apenas dos professores, mas de estudantes e pais.
A luta por melhores condições de trabalho do docente e a defesa de uma Educação de qualidade que atenda aos interesses dos trabalhadores e seus filhos, só terão êxito se os trabalhadores, os diversos movimentos e, especialmente, os diversos sindicatos e centrais sindicais antigovernistas assumirem a luta da Educação como pauta comum nas diversas categorias.
O apoio das entidades antigovernistas e anticapitalistas deve se expressar tanto de modo direto com a solidariedade real, paralisando seus trabalhos por algum tempo para ter efeito real sobre os governos e o capital como participação nos atos e manifestações.
Devemos construir a greve geral da Educação pública, como parte de uma greve geral de todas as categorias de trabalhadores. É necessário lutarmos contra o aprofundamento da “reforma do Estado brasileiro”, que só retira dos trabalhadores.
Além disso, temos que ter como estratégia que os trabalhadores e seus filhos controlem coletivamente a Educação pública, a coloque de acordo com as suas necessidades e a serviço da construção de uma sociedade que beneficie o ser humano e não a necessidade das empresas e capitalistas. Com uma pedagogia que possibilite o desenvolvimento contínuo da consciência de luta e socialista para transformar esse mundo de injustiças!

Box:
Recomendamos a leitura da Revista Primavera Vermelha, nº 3, que aprofunda as discussões acerca do Projeto educacional do capital e sua crise, a superação da Educação e a divisão social do trabalho, os sentidos da política educacional na contemporaneidade, a repressão nas escolas e universidades, entre outros temas. Além da nossa Tese para o Encontro Nacional de Educação, “Educação contra o Capital!” (www.espacosocialista.org)