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Jornal 74: Ferguson: É uma revolta da população negra e de toda a classe trabalhadora!


27 de novembro de 2014

No dia 9 de Agosto desse ano, James Brown – jovem negro de 18 anos – caminhava com um amigo pelas ruas da cidade de Ferguson (em Missouri, Estados Unidos), quando uma viatura da polícia interrompeu o seu percurso. Mesmo estando o jovem desarmado e sem ter reagido, o policial branco Darren Wilson o confrontou e perseguiu até causar a sua morte, descarregando seis tiros. Era dia e várias pessoas testemunharam o assassinato.
O cruel evento desembocou numa série de manifestações em denúncia do ocorrido, que se estenderam pelos últimos meses. A polícia local, com o apoio da Guarda Nacional, vem reprimindo as mobilizações da população com gás lacrimogêneo, balas de borracha e prisões – qualquer semelhança com a democracia brasileira não é mera coincidência.
O homicídio desse jovem não é um episódio acidental, muito menos um caso isolado de racismo: faz parte da rotina dos Estados Unidos. Assim como acontece no Brasil, o racismo da sociedade norte-americana se expressa de várias formas. Para trazer alguns exemplos: a cidade de Ferguson tem 21 mil habitantes – a cada 3 pessoas, 2 são negras. O desemprego atinge metade da juventude negra, enquanto apenas 2 a cada 10 jovens brancos estão nessa condição. Outro dado interessante diz respeito à composição do contingente policial: em Ferguson, é formado quase na totalidade por policiais brancos. Passar por baculejos fazem parte do dia a dia da juventude negra na cidade. No ano passado, a cada 10 carros que foram parados pela abordagem policial, 9 eram dirigidos por negros.
Sabemos que é preciso ir além das aparências para entender esses fenômenos. Se nos contentarmos em enxergar a ideologia e violência racistas como meros impulsos desumanos e autoritários, sem buscar alcançar suas raízes, não saberemos como enfrentá-las, uma vez que o alvo do problema deixará de ser o que causa o racismo, para se tornar os indivíduos que sustentam e disseminam esses comportamentos atrozes.
A condição da população negra norte-americana possui elementos em comum em relação à brasileira: menor formação educacional (seja no ensino fundamental ou superior), reduzido acesso aos serviços de saúde e lazer, maiores taxas de desemprego, menores salários e assim por diante. A ideologia racista, por hábito, explica esses números através do que supõe ser a “maneira negra de se viver” – abstrai todos os determinantes sociais que rondam e torturam a população negra na atualidade.
Tal como se deu no Brasil, a população negra estadunidense foi composta por povos que foram sequestrados de suas terras natais (de 1500 ao século 18), durante o processo colonizador, para realizar trabalho forçado (fatigante, sob vigília e ameaça dos senhores de escravos) e garantir o desenvolvimento econômico das metrópoles europeias – berço da sociedade capitalista. Não há um só país deste grande continente (que engloba a América do Norte e a América Latina) que tenha se desenvolvido sem depender do trabalho escravo – seja de africanos ou indígenas: essa é a história da sociedade moderna.
Esses 11 milhões de indivíduos, arrancados da África, cumpriram papel fundamental na história de nosso continente: sob o peso das correntes, da fome, do encarceramento, da violência física e espiritual, garantiram o pleno florescer do comércio e da indústria da Europa. Com o trabalho nos latifúndios e nas minas, alimentavam o insaciável estômago do capitalismo com matérias-primas, o que se traduzia numa sempre crescente produção de mercadorias pela indústria europeia.
A população negra atravessou séculos de resistência perante os mandos e truculências exercidas pela classe branca dominante. O fim do tráfico negreiro para os Estados Unidos se deu por volta da abolição da escravatura, que aconteceu em 1863. Como no Brasil, ao mesmo tempo em que representou o imenso avanço de libertação dos trabalhadores negros das correntes dos senhores de escravos, não os livrou do domínio da lógica que mercantiliza o ser humano, nem das piores condições de vida com que podiam deparar-se naquele país, uma vez que seguiam sendo os setores que enfrentavam as situações mais precarizadas, de privação de direitos sociais e políticos fundamentais.
A sociedade norte-americana, desde então, passou por uma série de transformações. Especialmente a partir de 1950, sob as bandeiras dos movimentos feministas e antirracista, a classe trabalhadora reuniu uma série de conquistas, como a lei que proíbe a discriminação étnica, de gênero e religiosa em escolas, no trabalho e em locais públicos (antes, alguns desses eram acessíveis apenas à população branca); a aprovação da lei que garantia o direito ao voto pela população negra; e o direito ao salário igual pelas mulheres.
Todas essas vitórias devem ser atribuídas às lutas coletivas dos movimentos sociais do país – e não, como nos ensinam os livros de História, às grandes mentes pensantes, de personagens políticos que sacaram ideais humanitários da cabeça. Foram direitos conquistados a partir de necessidades cotidianas básicas dos trabalhadores, frente a uma sociedade que, além de estar dividida entre dominantes (que desfrutam da riqueza socialmente produzida) e dominados (que disputam o pão socialmente amassado), sustenta disparidades socioeconômicas entre as categorias que compõem estes.
O ideário e comportamento racistas – estejam eles alojados na polícia, no Estado, na classe trabalhadora ou reproduzidos pela própria população negra – não podem ser entendidos como uma brutalidade que as pessoas decidem, espontaneamente, perpetrar contra uma minoria. Ele é uma expressão de um processo sócio-histórico – de grupos, gêneros, raças/etnias, nacionalidades etc. que enfrentam condições desiguais na vida social.
Isso também nos serve pra entender, por exemplo, porque a polícia – apesar de ser apresentada como a “força pública responsável segurança e bem-estar da população” (coisa que vemos ser desmentida a cada dia; pois cumpre o papel direto de manutenção do modo de produção capitalista) – torna-se fonte de medo pelos setores mais desfavorecidos e marginalizados da sociedade (70% dos americanos negros sentem-se injustiçados, quando comparam o tratamento que a força policial dá aos americanos brancos; no Brasil, uma pesquisa recente revelou que 80% da população teme ser torturada, se detida pela polícia).
Os trabalhadores não devem baixar suas cabeças frente à repressão policial: quando um trabalhador negro é humilhado, torturado e assassinado, somos derrotados, pois perdemos mais um de nós. Destruir essa tirania, certamente, passa pelo germinar de uma sociedade onde o bem-estar das pessoas não mais esteja sujeito às suas características étnicas, de orientação sexual, de gênero, nem de classe; a sociedade socialista representa o projeto político que pode pôr fim a essas opressões. Hoje, no entanto, temos o imperativo de lutar contra o extermínio dos negros, LGBTs, das mulheres e de outras minorias – as bandeiras das minorias são bandeiras de toda a classe trabalhadora!fergusson 1