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Resoluções sobre os Governos Chaves, Evo Morales e Rafael Corrêa da Conferência de 2008


1 de fevereiro de 2013

1) Nos últimos anos, fruto do aumento da resistência à dominação imperialista e como expressão deformada da luta de classes, surgiu na América Latina regimes e governos que ganharam a confiança dos trabalhadores, como se estes governos fossem portadores de alguma transformação radical da sociedade. Se apóiam nessas ilusões, mas a direção desse processo e cúpula dirigente ou são burgueses ou a pequena burguesia, representada  pelos setores de uma classe média empobrecida, camponeses, setores médios do exército, burocracia do Estado, e setores menores da burguesia nativa. Disso decorre a caracterização de que esses governos não são socialistas e muito menos adotam qualquer medida que conteste a propriedade privada e o capital nesses países.

Em relação ao governo estadunidense, Chávez tem, por um lado denunciado a política do governo Bush, mas por outro mantém relações comerciais robustas com a burguesia imperialista.  Esses governos, embora tenham apresentado contradições e enfrentamentos com o imperialismo, não se propõem a avançar para a ruptura com o imperialismo;

2) O aumento dos preços desses recursos naturais tem dado a base econômica capaz de permitir a realização de algumas reformas sem romper de fato com o imperialismo e muito menos com o capitalismo. Os preços no mercado mundial das fontes de energia batem recorde atrás de recorde e a própria dependência que vários países têm desse recurso dá uma certa estabilidade econômica e política para esses países.  Assim, todos os três países, com Chaves à frente seguem pagando os juros de suas dívidas públicas, exportando petróleo e gás para os EUA e pactuando com suas burguesias internas, sem enfrentá-las para as derrotar pois temem na outra ponta a ação dos trabalhadores que pode questionar os limites da estabilidade necessária ao capital.  Ao mesmo tempo modificaram as Constituições, retomaram o controle sobre os recursos naturais estratégicos, impulsionaram reformas agrárias, embora limitadas, aplicaram mais verbas em serviços sociais como educação e saúde.

3) A teoria marxista de Estado define que a sua natureza é definida pelos interesses sociais que defendem aqueles que tem o seu controle, ou seja, a partir de quem exerce o poder político no Estado. Começamos pela exclusão: não há nesses Estados nenhum vestígio de que a classe trabalhadora exerça qualquer poder, assim de imediato descartamos que sejam socialistas ou proletários. Em um Estado socialista não teríamos a propriedade privada, o controle das instituições estaria nas mãos dos trabalhadores, o que e como produzir seria decidido pelos organismos de poder dos trabalhadores. Morales, Chaves e Correa são dirigentes de Estados que não tem nenhum desses elementos. Mais uma demonstração de que não são Estados socialistas. Mesmo de baixo de tanto falatório o Estado nesses países não sofreu qualquer alteração, as forças armadas, as instituições, o reconhecimento da propriedade privada pela constituição, o controle das riquezas ou pela burocracia estatal ou por setores burgueses só podem aponta para uma caracterização de que esses Estados são burgueses;

4) Entendemos por socialismo o controle social dos meios de produção pelos trabalhadores. Não há mediação possível com a propriedade privada que enquanto existir vai alimentar todas as desigualdades na sociedade. O dito socialismo do século XXI nada mais é do que uma enganação aos trabalhadores, com medidas assistencialistas e que não atacam o problema os problemas estruturais da pobreza e da miséria. Seguimos reivindicando o socialismo revolucionário que luta para expropriar a burguesia, defende o poder político exercido diretamente pelos trabalhadores. Assim, seu projeto erroneamente chamado por Chavez de SOCIALISMO DO SÉCULO XXI, nada mais é do que a reedição em outro contexto das correntes nacionalistas e reformistas do passado, tentando conduzir a luta e a resistência dos trabalhadores dentro dos marcos da institucionalidade criada pela  burguesia e do respeito à propriedade privada que inúmeras tragédias físicas e políticas trouxe ao movimento proletário internacional. Não faz parte do programa do “socialismo do século XXI” a expropriação da burguesia, condição primeira de uma transformação socialista;

5) São governos que cedem e muitas vezes se colocam ao lado da burguesia de seus países. A  recente nacionalização da siderúrgica SIDOR e um exemplo do papel que o governo Chávez cumpre. Os trabalhadores em luta contra a brutal exploração de que eram vítimas (a maioria dos trabalhadores não tinham direitos trabalhistas) o governo, através do ministro do trabalho, primeiro tentou empurrar aos trabalhadores um acordo que favorecia só a patronal e depois a repressão promovida pela guarda nacional contra os trabalhadores com vários feridos e presos. Processo de luta que obrigou o governo Chávez nacionalizou a SIDOR que permanecia irredutível contra os trabalhadores, ou seja, a atitude de Chávez só ocorreu depois de muita luta e pressão por parte dos trabalhadores. O decisivo foi a luta dos trabalhadores organizados, pois Chávez até o último momento manteve uma posição de neutralidade frente ao conflito. Morales é outro governo que também se submete à pressão que a burguesia de Santa Cruz de la Sierra. No momento em que é preciso organizar os trabalhadores em comitês de auto defesa para luta contra a separação, Morales segue buscando uma saída negociada e mantendo os trabalhadores à distancia.

6) Mesmo com essa caracterização não podemos cair no erro de igualar Chavez, Morales e Correa à Lula e outros governos subservientes da América Latina. Primeiro porque realmente adotam medidas -que inclusive se chocam com os interesses imediatos da burguesia e do imperialismo- que os diferenciam desses governos, ainda que muitas vezes obrigados pela mobilização popular, segundo porque são governos que surgiram como resposta ao processo de mobilização e serviram como diques de contensão à radicalização. Podemos citar como exemplo a nacionalização das empresas de cimento na Venezuela, o endurecimento do governo do Equador sobre o controle de lucros das empresas que exploram petróleo na região de Oruco e a proposta de reforma agrária de Morales. São medidas de enfrentamento, mas no marco de que são essenciais para garantir –política ou economicamente- os seus projetos e que não atinge a propriedade (apenas o seu conceito).

7) Não somos contra qualquer medida reformista, por mínima que seja, que ajude a combater a miséria e melhore as condições de vida do povo e dos trabalhadores. Assim como Lênin, não somos contra, mas também não nos contentamos com tais medidas reformistas. Por isso, ao mesmo tempo em que esses governos apresentam tais medidas fazemos exigências para que as aprofunde. Por exemplo: diante da nacionalização da SIDOR defendemos que não haja nenhuma indenização e que são os trabalhadores que devem gerir, ou seja, sob controle dos trabalhadores; diante da ameaça de golpe ou separação da burguesia defendemos a prisão e julgamento de todos golpistas;

8) São governos e regimes que podem ser explicados a partir de vários elementos, mas no entanto os principais são a resistência das massas que foi capaz de promover rebeliões sociais que derrubaram  governos diretamente comprometidos com os planos neoliberais, e de outro a ausência da classe trabalhadora com seus métodos de luta, um programa e uma direção socialistas que tivessem condição de colocar no poder governos comprometidos com a ruptura com o capitalismo e a construção do socialismo. A enorme crise de alternativas socialistas (que inclui a crise de direção, mas soma a essa a enorme crise ideológica dos trabalhadores) fez com que não conseguissem assumir o poder ficando este nas mãos dos setores reformistas da sociedade e do estado.

9) São governos que se apóiam sobre setores da classe média (desde setores médios do exército, do demais órgãos de estado , pequenos camponeses, pequenos comerciantes) até setores burgueses menores e voltados para o mercado interno. Boa parte das medidas visam essencialmente fortalecer economicamente esses setores internos da economia, sob os quais se apóiam politicamente. Mesmo considerando-os como um “bloco político” no continente, Chávez é, pelo peso do Estado venezuelano, a direção política desse processo. A convocatória feita por um setor do Chavismo para a constituição da Assembléia patriótica revolucionária define bem a base social e política sob a qual se ampara Chavez: “ “espacio o Plataforma para la articulación, la reflexión y la construcción de una gran alianza patriótica nacional con los diferentes sectores sociales del país; comunales, campesinos estudiantes intelectuales, artesanos, obreros, sectores patrióticos de la Fuerza Armada Nacional y muy especialmente con sectores productivos nacionalistas identificados con el proceso de liberación nacional y la unidad entorno al presidente Chávez y al proyecto Nacional Simón Bolívar,”- grifamos (www.aporrea.org)

10) O peso ideológico que esses governos tem conseguido junto à vanguarda e setores de massas de esquerda na América Latina se deve muito mais à ausência de direções e alternativas realmente conseqüentes do que à profundidade das medidas adotadas por eles.  Isso porque todos as demais referências tidas como de esquerda desde Lula, até Daniel Ortega passaram de abraços abertos para a aplicação, de forma totalmente subserviente, das políticas imperialistas.  Soma-se a isso a existência de uma burguesia fraca e a crise de alternativas socialistas da classe trabalhadora e uma base econômica assentada quase que totalmente nos recursos naturais (petróleo, gás e outros minérios).

11) Assim, todos esses governos fazem de tudo para não permitir que os trabalhadores desenvolvam suas formas próprias de organização e com isto preserve a estrutura hierárquico-burocrática do estado. A criação do PSUV por Chavez, assim como sua tentativa de perpetuar-se no poder tem o objetivo ao colocar-se por cima da sociedade como o “caudilho” que busca se dirigir diretamente às massas mais empobrecidas com políticas assistenciais ao mesmo tempo que não hesita em reprimir manifestações de trabalhadores que dificultem a manutenção da ordem. O Projeto de Chaves, Evo e Correa é de subordinar de forma direta o movimento dos trabalhadores à estrutura do estado. Os setores que resistem são perseguidos ou demitidos como no caso de Orlando Chirino, histórico militante demitido da PDVSA recentemente. Também a política de cooptação e incorporação do movimento sindical ao parelho de Estado é o outro lado dessa mesma moeda.

12) As mudanças nas constituições, normalmente precedidas por um plebiscito, expressam o caminho  escolhido por esses governos que introduzem modificações “que nada mudam”, visando construir mecanismos de contenção do movimento de massas e iludindo os trabalhadores de que basta mudar as leis para que o socialismo triunfe. Nesse momento reafirmamos a ação direta dos trabalhadores e explorados como método privilegiado para as transformações rumo ao socialismo. As vias pacíficas todas elas sucumbiram e levaram com elas a esperança de milhares de lutadores pelo mundo afora. O caminho do socialismo e das transformações só pode ocorrer pela mobilização da classe trabalhadora

13) O armamento da milícias por Chavez se dá sob seu controle e não a partir de uma democratização operária e camponesa do treinamento e uso das armas. Isso expõe o objetivo de ter uma Fora Armada fiel ao governo e que pode ser usada inclusive contra manifestações golpistas da burguesia mas também contra os trabalhadores.

14) Por todos esses elementos encaramos esses governos como um projeto burguês pelos seus objetivos mais gerais, embora possua elementos de contradição com o imperialismo. Isso significa que no caso de mobilizações de massas que se coloquem efetivamente contra a ordem burguesa encontrarão esses governos como seu inimigo e disposto a conter, desviar e caso não consiga, reprimir duramente esses movimentos. Porem, não descartamos, que no limite e pressionados pela mobilização, adotem medidas de enfrentamento com o imperialismo e com setores das burguesias nacionais com maior ligação com o imperialismo;

15) No entanto vemos o surgimento de pólos de desconfiança e de oposição pela esquerda a esses governos que se expressaram recentemente no alto índice de abstenção no Referendo na Venezuela, na rebelião Bolívia que destituiu o governo provincial e instalou no seu lugar um governo baseado nas organizações de base do movimento, embora não tenha tido duração e nos movimentos pela COB no sentido de impulsionar a luta pela estatização do gás sob controle dos trabalhadores, com a ocupação de refinarias, as recentes greves de trabalhadores venezuelanos e que conquistou a nacionalização da SIDOR, a conquista na constituinte equatoriana de inocentar ativistas e militantes perseguidos, podem ser demonstrações de um processo mais amplo de mobilização e guinada à esquerda de um setor do movimento operário-popular.

16) A maioria da burguesia por seu lado tenta preparar o terreno para o seu retorno ao poder de forma direta num futuro mais ou menos próximo a partir de que se esgote o modelo nacionalista-burguês e se criem as condições favoráveis para seus movimentos golpistas. Na Bolívia é onde a burguesia tem maior raio de ação a partir de sua hegemonia sobre Santa Cruz de La Sierra e “região da lua” de onde comanda um movimento separatista que tem claro conteúdo golpista, pois pretende se apossar diretamente dos recursos naturais aí existentes.

17) Entretanto deve-se sulinhar que os meios para conter e derrotar essas iniciativas golpistas das burguesias locais encontram-se sobretudo nas mãos dos próprios governos Chavez, Morales e  Rafael Correa que no entanto recusam-se a desarmá-los e retirá-los de uma vez do poder, o que poderiam caso se appoiassem na mobilização dos trabalhadores e das massas empobrecidas. Por isso a maior responsabilidade, caso a burguesia consiga retornar ao poder de forma direta será desses próprios governos que deixaram na de mãos livres para agir.

18) Como marxistas não nos resta alternativa que não seja a crítica e independência política em relação aos governos nacionalistas burgueses quanto em relação à burguesia desses países. Uma oposição de esquerda, contra a burguesia e o imperialismo. Não classificamos esses governos e regimes como aliados dos trabalhadores e de suas lutas contra o capital.   Uma posição socialista e revolucionária deve se colocar de forma independente, crítica e alternativa aos governos nacionalistas-burgueses. Temos que partir das necessidades e tarefas gerais colocadas para esses países e para a América Latina e, a partir daí, mesmo reconhecendo medidas progressivas desses governos, nossa tarefa é sobretudo, denunciar os limites dessas medidas e demonstrar que na verdade são os limites de um projeto que não se propõe a enfrentar de forma conseqüente o imperialismo e derrotar a burguesia interna e o capitalismo, muito menos construir o socialismo.

19) Diante das  vacilações de vários setores de esquerda quanto a viabilidade e atualidade da revolução como ato de força do proletariado, levantamos em alto e bom som que não resta outra opção que não seja a tomada do poder pelo proletariado. As falsas soluções reformistas que pretendiam realizar o socialismo ou avançar por essa via através de rupturas graduais provaram sua inutilidade no momento de enfrentamento com a burguesia imperialista, produzindo experiências traumáticas como a chilena. Procurando uma –impossível- gestão “humanizadora” do capitalismo, se colocam em caminho diferente daquele que defendemos, qual seja a transformação da sociedade pela via revolucionária;

20) Os trabalhadores precisam lutar por um projeto próprio, independente, classista, socialista, baseado em organizações autônomas e combativas, que avance para medidas de ruptura da ordem capitalista e supere a miséria das massas, cujos remédios assistencialistas do nacionalismo burguês só puderam servir como paliativo momentâneo ou para maquiar. Na situação venezuelana e principalmente a boliviana é absolutamente necessário um programa radical e socialista contra a burguesia e a propriedade privada, que deve conter entre outras questões:

– Estatização, sem indenização e sob controle dos trabalhadores de todas as reservas, empresas e atividades envolvidas no processamento do petróleo, gás natural e de todos os ramos necessários ao funcionamento da sociedade, como indústrias, bancos, meios de comunicação, etc;

– Não à divisão da Bolívia orquestrada pela burguesia de Santa Cruz de La Sierra em conjunto com o imperialismo para se apossar do gás do país. Prisão e julgamento dos golpistas.

– Assembléia Constituinte livre e soberana, sem patrões nem altos funcionários, que escreva uma nova Constituição para o país e tome as medidas gerais necessárias à reorganização da sociedade em bases democráticas e socialistas

21) Para que as tarefas apontadas sejam levadas a cabo, serão necessários novos ciclos de mobilização apoiados na independência dos movimentos e organizações frente a esses governos. Por último, as críticas que fazemos às direções desse processo não nos levam a compactuar com qualquer agressão do imperialismo e diante de qualquer tentativa de intervenção imperialista nos colocamos imediatamente na defesa do povo venezuelano, boliviano ou qualquer outro.