Desde março de 2019 o Espaço Socialista e o Movimento de Organização Socialista se fundiram em uma só organização, a Emancipação Socialista. Não deixe de ler o nosso Manifesto!

Jornal 43: Maio/Junho de 2011


1 de agosto de 2011
Jornal_ES_43
Baixar em PDF

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leia as matérias online:

 

 

 

Crescem a economia e os lucros da burguesia. E os trabalhadores?

 O governo Dilma, a burguesia e os meios de comunicação nos mostram um país em crescimento econômico com megaeventos marcados para o próximo período e oportunidades de altos lucros para o empresariado, que segundo a ideologia burguesa já estariam se refletindo em melhores empregos, salários cada vez maiores, enfim, ganhos para todos…

Como parte dessa melhoria geral, teríamos uma classe média emergente e a elevação do poder de compra da classe trabalhadora, com acesso a moradias populares, automóveis, formação universitária e técnica, o que faria com que estivéssemos indo em direção ao primeiro mundo ou pelo menos à diminuição das contradições sociais. O assistencialismo do governo junto aos setores mais pauperizados também tem cumprido um papel importante nessa grande operação ideológica.

No entanto, se olharmos com mais atenção para a realidade e tentarmos entendê-la como um todo, vamos notar que há uma situação muito mais complexa e contraditória no país, pois se é verdade que há alguns nichos econômicos em que setores da classe trabalhadora vem obtendo reajustes acima da inflação e PLR’s superiores ao do ano passado, também é verdade que há vários outros setores como o funcionalismo público – principalmente dos estados e municípios – amargando condições extremamente precárias, tanto de trabalho como de salários.

O velado e desumano aumento da exploração dos trabalhadores

Além disso, mesmo nos setores da classe trabalhadora que obtiveram algum nível de recuperação em seus salários, vive-se um brutal aumento da carga de trabalho, pois as empresas reestruturaram a produção com novas máquinas e processos produtivos. Outro fator a ser visto é que a patronal, com apoio ou omissão das direções sindicais pelegas, se recusa a incorporar aos salários os ganhos imediatos, fazendo de tudo para que fiquem restritos às PLR’s, como forma de atacarem a isonomia salarial e ao mesmo tempo se livrarem de qualquer compromisso com os trabalhadores, preparando-se para uma situação futura de menor produção em que rebaixem esses valores. Outro fator é que muita dessa euforia está determinada pelas obras dos grandes eventos (Copa, Olimpíadas). Mas e depois?

O aumento dos ritmos de produção ( as novas máquinas, hora-extra, banco de hora, etc) e as novas tarefas que cada trabalhador tem que cumprir tornam-se cada vez mais insuportáveis, pois em muitos casos um trabalhador realiza tarefa de antes eram feitas por 2 ou 3 trabalhadores. Essa parte da realidade não aprece nas estatísticas, oficiais, mas fica escondida dentro das fábricas.

A inflação, por sua vez, vem num movimento crescente, atingindo diversos itens de primeira necessidade do trabalhador, como alimentos, remédios, combustíveis, passagens, água, luz e telefone. Para se ter idéia no ano passado os alimentos aumentaram em 10,23%. Esse aumento dos preços é a forma que a patronal utiliza para retomar aquilo que, por força das lutas dos trabalhadores, tinha sido obrigada a conceder. No caso dos alimentos, o aumento dos preços também tem a ver com prioridade que é dada à produção de monocultura e para a exportação, em detrimento da produção de alimentos.

Além disso, principalmente no setor de serviços, mas também na produção, permanecem e até se aprofundam regimes de trabalho absolutamente desumanos, com contratos terceirizados ou temporários, com salários baixíssimos e com a total conivência dos governos, como é caso, por exemplo, dos ramos de telemarketing, limpeza, alimentação.

O melhor exemplo de que esse crescimento é baseado em uma super-exploração dos trabalhadores são as obras do PAC e o agronegócio, vitrines da propaganda governista, que se apóiam em uma mão de obra extremamente precarizada, conforme ficou exposto nas greves e rebeliões como a de Jirau e Suapes. Riqueza para poucos e pobreza para a maioria.

A exploração do Pré-Sal, que já está em andamento, não tem se revertido em melhorias para os trabalhadores em geral, pois 70% da exploração dessas reservas estão sob controle das grandes transnacionais do ramo, após a aprovação do Marco Regulatório do Pré-Sal pelo governo do PT e o Congresso Nacional, ou seja, é mais dinheiro destinado aos grandes grupos econômicos do capital mundial.

Inclusive os direitos sociais, como democracia, educação, saúde, são sacrificados diante dos interesses do mercado e do capital, que mede as melhorias da sociedade somente considerando quantos eletrodomésticos e carros as pessoas podem agora adquirir – mesmo com dívidas enforcantes – enquanto a saúde, a educação e as condições de trabalho estão totalmente sucateadas.

Mesmo no plano jurídico o governo tem criado condições para o capital se reproduzir com mais “tranqüilidade”, uma vez que foram modificadas várias leis que só prejudicam os trabalhadores, como a lei do inquilinato, flexibilizações nos contratos trabalhistas, entre outros.

Assim, se é verdade que tem havido crescimento econômico e dos lucros dos patrões, a batalha diária pela sobrevivência, continua muito difícil para os trabalhadores e suas famílias. Comparado com os ganhos da patronal, para nós ficam apenas as migalhas.

As bases do crescimento econômico e sua evolução

Um dos fundamentos sobre os quais se apóia o modelo de acumulação capitalista brasileiro tem sido o aumento da dependência das vendas de matérias-primas no mercado internacional, devido à grande demanda da China e de outras economias em crescimento. Isso se deve ao deslocamento por que passa grande parte dos investimentos, indo em grande medida dos países centrais para os periféricos mais próximos, como os chamados BRIC’s (Brasil, Rússia, Índia e China). Esse processo tem direcionado cerca de US$ 1 trilhão aos chamados “países emergentes”.

O Brasil também está nessa rota de investidores e especuladores que fogem da recessão ou lenta recuperação das economias dos países centrais, indo em busca de maior lucratividade e segurança.

No entanto, conforme todos sabem, a entrada de uma enxurrada de dólares no Brasil também traz desequilíbrios. A valorização do real frente ao dólar tem fortes consequências sobre a indústria que opera no Brasil, pois faz com que os produtos brasileiros se tornem mais caros no mercado internacional. Esta situação tem levado a burguesia, em conjunto com o governo, a adotarem medidas no sentido de compensar essas perdas, através de isenções de impostos, barreiras de importação, mas principalmente a reestruturação permanente no interior das empresas, no sentido de torná-las mais competitivas (leia-se retirada de direitos)– aproveitando o fato de que, pela própria desvalorização do dólar, novas máquinas estão mais baratas.

Como parte desse objetivo sagrado de garantir a lucratividade das empresas, vemos os esforços do governo Dilma no sentido de aprofundar medidas essenciais para o grande capital. Segundo o líder do governo na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza, as prioridades do governo para o próximo período são o início da Reforma Tributária, a construção de obras de infra-estrutura (usinas, rodovias, portos e aeroportos), o combate à inflação e a aprovação do novo Código Florestal. O novo Código Florestal pretende liberar áreas próximas às margens dos rios e encostas para as monoculturas de cana, soja e milho e para a criação de rebanhos, com prejuízos para os ecossistemas das regiões, já bastante debilitados.

Segundo Vaccarezza, o governo pretende fazer “uma reforma tributária profunda para desonerar a indústria, o comércio e a folha de pagamento.” A desoneração da folha de pagamento está diretamente ligada à reforma trabalhista, na medida em que implica o ataque aos direitos do trabalhador como férias, FGTS, 13º salário, etc. Em um movimento combinado, ressurge a proposta de flexibilização dos direitos trabalhistas, por iniciativa do sindicato.

Outro importante pilar desse crescimento econômico é o aumento do crédito – leia-se aqui endividamento massivo. O saldo das operações de crédito no país atingiu R$1,752 trilhão em março, o que corresponde a um aumento de 20,7% na comparação com o mesmo período do ano passado. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), as operações de crédito atingiram (46,4% do PIB), ante 44,1% em março de 2010: embora ainda esteja em nível bem menor que o endividamento dos países centrais, é fato que caminhamos rapidamente na mesma direção. O crédito (endividamento) habitacional teve um aumento de 49,6% em doze meses.

Como parte desse enorme endividamento do país, que vem ajudando a propiciar o crescimento da economia capitalista, a dívida federal da união, que inclui as dívidas interna e externa, atingiu novo valor recorde de R$ 1,69 trilhão. Para o ano de 2011, a previsão da própria Secretaria do Tesouro Nacional é de um crescimento de até R$ 236 bilhões na dívida pública, passando a R$ 1,93 trilhão. (http://www.oestadoce.com.br). Para pagar os juros desse endividamento crescente, o governo corta justamente das áreas sociais, e isso em grande medida explica o endurecimento dos governos tanto federal quanto estaduais para com os funcionários públicos desses setores.

 Impulsionar, unificar as lutas e realizar uma ampla campanha com um programa socialista!

Diante de um quadro econômico e político contraditório, a situação das lutas dos trabalhadores expressa também essa contradição. Temos uma situação de mais greves e lutas em geral e que tendem a crescer no próximo período, pois muitos trabalhadores sentem a sobrecarga de trabalho e sentem a necessidade de ir à luta por melhores condições.

Nesse contexto se enquadram as rebeliões e greves das obras ligadas ao PAC e à construção civil em geral, greve de professores em vários estados e municípios, greves em várias empresas por PLR’s maiores, etc. Porém essas lutas têm a característica de serem isoladas umas das outras, sem algo que possa uni-las e dar um sentido maior. E ainda tem o fato de que são lutas de categorias com pouco peso político no país o que dificulta que elas possam servir de atração para outros setores lutarem.

As centrais governistas e pró-empresariais não estão interessadas que essas lutas se desenvolvam e muito menos tomem uma dimensão política contra os patrões e o governo Dilma. Por isso, é um erro insistir em espaços de unidade superestruturais (como o “ato” conjunto no Senado em fevereiro) e a formação de chapas em conjunto com setores da CUT, centrais governistas que não têm tido qualquer política no sentido de impulsionar as lutas. Na conjuntura atual, a unidade superestrutural com esses setores governistas serve apenas para fortalecer essas direções burocráticas e não desgastá-las como dizem as direções tanto do PSTU quanto do PSOL. Esse erro se torna ainda mais grave quando se priorizam esses fóruns, ao invés de realizar uma ampla campanha de agitação e propaganda junto à base das categorias, construída a partir das forças e organizações da esquerda, de luta e socialistas.

Outro problema ligado ao anterior é que essas correntes permanecem presas a uma atuação sindical quase sempre limitada às questões imediatas e econômicas, que são apenas a aparência dos problemas, quando a estratégia socialista coerente deveria ser que os sindicatos avançassem nas reivindicações imediatas em direção a um programa de ruptura com a lógica capitalista e a construção do socialismo.

É preciso impulsionar já uma ampla campanha política, ideológica e programática ligada às lutas concretas dos trabalhadores, mas também nas escolas, ruas, fábricas e universidades. Uma referência unitária da esquerda e pela base, que possa apontar aos trabalhadores um calendário unitário de ações e um programa mínimo, que aponte aos movimentos uma alternativa socialista dos trabalhadores. É preciso construir um Movimento Político dos Trabalhadores.

 Propostas de programa

  •      Reposição das perdas e aumento real dos salários! Incorporação das PLR’s ao salário! Salário mínimo do DIEESE como piso para todas as categorias! Carteira assinada e direitos trabalhistas para todos! Fim da terceirização, da informalidade e da precarização do trabalho! Redução da jornada de trabalho sem redução dos salários!
  •      Redução e controle dos ritmos de trabalho. Enfrentar juntos a pressão no trabalho e os casos de assédio moral!
  •      Cotas proporcionais para negros e negras em todos os empregos gerados e em todos os setores da sociedade!
  •      Não pagamento das dívidas públicas, interna e externa, e investimento desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob controle dos trabalhadores, para gerar empregos e melhorar as condições imediatas de saúde, educação, moradia, transporte, cultura e lazer!
  •      Reestatização da Vale, Embraer e demais empresas privatizadas, sem indenização e sob controle dos trabalhadores! Que a exploração do pré-sal seja feita por uma Petrobrás 100% estatal e sob controle dos trabalhadores! Estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores! Fim da remessa de lucros para o exterior!
  •      Reforma agrária sob controle dos trabalhadores! Expropriação do latifúndio e do agronegócio sob controle dos trabalhadores! Rumo ao fim da propriedade privada! Por uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica, voltada para as necessidades da classe trabalhadora!
  •      Expropriar os imóveis usados para lucro da burguesia e colocá-los à disposição dos trabalhadores! Por um grande plano de moradias populares! Fim do financiamento público para condomínios de luxo e utilização dessa verba em moradias populares! Investimento em transporte público de qualidade que priorize o modelo de transporte coletivo!
  •      A classe trabalhadora precisa criar/fortalecer seus próprios organismos de luta. Esses organismos devem ter como princípios a independência frente aos patrões e aos governos, a democracia e a participação da base, a luta contra a burocratização e a disputa ideológica.
  •      A estratégia deve ser a ruptura com a sociedade capitalista e a construção de um governo socialista dos trabalhadores apoiado em suas organizações de luta e que avance em direção ao socialismo!

▲ voltar ao índice

 

 

 

O “Cibertariado”, novas formas de degradação do trabalho

Thais Menezes

Teorias a serviço do capital sobre as novas formas de trabalho

Com o desenvolvimento das tecnologias e a continuidade do sistema capitalista acabam por surgir setores criando teorias acerca das novas categorias de trabalho que apareceram neste contexto.  Há por exemplo setores que apregoam mesmo sem a superação da lógica do lucro o fim  da degradação do trabalho por meio deste avanço tecnocientífico e com isso um suposto processo de difusão de empregos qualificados e com forte autonomia no trabalho (Castells). Esta visão, em suma, proclama a superação do trabalho degradado típico da fábrica taylorista e fordista por supostas “criatividade” e “autonomia” inerentes às atividades de serviços associadas às tarefas de concepção e planejamento de processos e produtos.

Estas concepções carregam a ilusão de que mesmo sob o capitalismo o desenvolvimento da tecnologia é capaz de livrar o homem dos trabalhos mais sofridos e desumanos.  Carregam também a ideia de que esta nova configuração do trabalho vai gerar tempo livre para que o trabalhador se dedique a outras atividades intelectuais, ao lazer, à cultura, apregoa a falácia de que a humanidade caminha para um rumo progressista em que no futuro estes postos de trabalho, supostamente cada vez melhores, serão acessíveis a todos os trabalhadores, como se as massas fossem passar das tarefas de execução para as de planejamento e nelas serem plenamente acolhidas.

A questão é que à classe trabalhadora esta visão não interessa, visto que este tipo de posto de trabalho considerado como menos precarizado, além de todos os problemas que sabemos que carrega,  não rompe com a alienação do trabalho, posto que não rompe com a lógica do lucro, que o torna alienado, que torna também o produto deste alienado, estranho ao trabalhador, e que configura o ato de trabalhar como pura alienação.

Não se trata aqui de negar a importância do desenvolvimento de uma rede global que abre aos explorados uma gama de possibilidades de organização para a atuação pela superação deste sistema que nos oprime, mas é preciso ver que  a despeito desta ferramenta na estrutura a coisa não muda, este processo nada mais é que parte do movimento de reestruturação capitalista. A promessa da emancipação pela técnica que traria esta nova configuração do trabalho pautada no desenvolvimento tecnocientífico nada mais é que uma mentira,  expressa esta pela continuidade da existência do mal e velho trabalho típico da sociedade capitalista, pois apesar de contar com ferramentas facilitadoras, nesta nova configuração o trabalho não sofre qualquer alteração na sua essência, não emancipa da exploração, não deixa de ser um fardo, não deixa de ser complulsório e sofrido. Esta concepção somente falseia a realidade, pois o máximo que faz é incorporar um setor do proletariado em fileiras aparentemente menos proletarizadas da classe.

De volta à realidade o que se vê é a precarização

Com os pés de volta ao chão, o que se vê com o desenvolvimento da tecnologia e as mudanças nas formas de trabalho, ao contrário do que dizem os teóricos a serviço da burguesia, é a concentração de capital nas mãos de grandes empresas que empregam um número gigantesco de trabalhadores vivendo sobintensa exploração. O que ilustra esta situação são inúmeros fatores como:  a alta rotatividade nestes postos de trabalho, com o trabalhador permanecendo meses ou poucos anos no emprego, a tendência à remuneração variável (por produção ou comissão), o desrespeito sistemático aos direitos trabalhistas como a duração de jornada, licenças médicas, a epidemia de doenças funcionais(ou adoecimento em massa de trabalhadores por stress e LER-DORT), o estímulo ao individualismo e à competitividade, o controle rigoroso do tempo, dos horários de chegada e saída, intervalos de almoço, pausa para banheiro, etc, o assédio moral como instrumento de gestão, o monitoramento permanente e “on-line” dos trabalhadores por parte dos supervisores, que acompanham o tempo de atendimento, o “script” do diálogo com os clientes, a produtividade e as vendas, etc, formas precárias de contratação, como terceirização, trabalho temporário, estágio, menores aprendizes, etc.

Podemos enquadrar neste modelo de exploração repleto dos fatores citados acima o trabalhador bancário, o teleoperador, o trabalhador de redes de fast-foods e outros trabalhadores de empresas de serviços adaptadas com tecnologias informacionais.

Mesmo com a exigência do emprego de um setor especializado da classe trabalhadora para dar conta da manutenção desta nova configuração pautada no desenvolvimento tecnológico, massivamente o que se vê é a tendência à degradação do trabalho, o declínio das qualificações, e o emprego em larga escala de trabaalhadores sem qualificação. Este fato tem sua expressão clara no aumento acelerado de postos de trabalho precarizados como os citados e na notável mudança nas políticas educacionais, expressas pelas novas diretrizes curriculares nacionais das escolas públicas, baseadas no rebaixamento dos conteúdos e na priorização de um ensino raso, baseado no desenvolvimento de competências básicas aliadas a noções básicas de informática, que permitam à massa trabalhar nestes postos.

O Cibertariado na sua mais pura forma

Este trabalhador em questão, fruto da revolução informacional, o chamado cibertariado, deu um salto em seu crescimento numérico no Brasil desde o início do ciclo de privatizações ocorrido no setor de telecomunicações na segunda metade da década de 90, fruto da política neoliberal adotada pelo Governo FHC. O aprofundamento do processo de tercerização do mercado de trabalho, somado à mundialização do capital e sua financeirização têm obtido como resultado no Brasil o fortalecimento, do que podemos chamar, de fábricas de explorados, como por exemplo, as empresas que empregam os teleoperadores – Centrais de Teleatividades – CTAs.

Temos como exemplo de empresa no setor a famosa multinacional espanhola Atento, que hoje se destaca por acompanhar o crescimento do ramo, agigantando-se num curto período de tempo, pelo oferecimento de serviço barato a outras empresas e especialmente por empregar trabalhadores excluídos por outros setores, uma grande quantidade de jovens sem experiência, mulheres, brancas e negras e trabalhadores homossexuais. Porém, o potencial destes trabalhadores fica sufocado pelo trabalho altamente precarizado. No posto os trabalhadores se deparam com uma realidade árdua, seguidos de trabalho supervisionados a todo instante, grandes riscos de lesões por esforços repetitivos, calo na voz, problemas de audição e distúrbios psicológicos devido à grande pressão por metas, vendas e maior volume de atendimentos/ligações, forte esquema de supervisão (um supervisor para cada 15 ou 20 teleoperadores), o assédio moral como forma de gestão. O salário do teloperador beira o salário mínimo e os benefícios são motivo de piada. A outra face da involução informacional é assim, está expressa no trabalho do teleoperador. Sob o disfarce de um trabalho mais digno, leve, “de escritório”, o que se vê são milhares de trabalhadores sob intensa exploração.

Um recorte do processo maior de reestruturação capitalista, que inclui a desestruturação da classe trabalhadora organizada, com sua fragmentaço, é nas CTAs a grande dificuldade de identificação entre os trabalhadores como pertencentes a uma classe única que sofre dos mesmos males: “nada favorece a emergência de formas de solidariedade sindical ou política, pois quase tudo é organizado de maneira que se impeça que os teleoperadores se encontrem uns com os outros: as pausas, por exemplo, são curtíssimas e os horários de trabalho bastante variáveis.” (Ruy Braga). Somada a esta dificuldade, a quantidade alta de cargos de supervisão com salário superior, porém ainda baixo e com possibilidade de acesso, em curto prazo, pelo teleoperador, também favorece as tentativas de saídas individuais dificultando o processo de organização da categoria.

Para além da CLT, outra forma de precarização: o contrato PJ

Outra parte do setor de trabalhadores também relacionada à tecnologia, como os programadores, técnicos em informática e sistemas, está sujeito ainda a outras formas de precarização escamoteadas e ainda mais perigosas, que são criadas a todo tempo, um exemplo disso é o absurdo que cada dia mais tem se legitimado nas empresas de TI chamado contratação PJ. Nessa forma de precarização o trabalhador é obrigado a abrir uma empresa para possuir um CNPJ, arcar com os custos para que sua empresa seja contratada e livre o patrão das obrigatoriedades da CLT, legalizando a relação empregatícia, e deixando então o trabalhador sem direitos e coberto de obrigações. Este exemplo representa um retrocesso sem tamanho na questão dos direitos trabalhistas para a classe trabalhadora, além de contribuir para nossa fragmentação e prestar um deserviço gigantesco para o tão necessário trabalho em desenvolver a consciência de classe.

Nenhuma ilusão nas saídas individuais para os problemas coletivos, superar a fragmentação dos trabalhadores!

Como herança desse processo de reestruturação capitalista temos colhido a fragilização dos sindicatos e das organizações de base dos trabalhadores no geral e sua apropriação por setores da classe que acabam se ligando à patronal e atuando a serviço dela. A ausência da organização dos trabalhadores em seus locais de trabalho e a consequente falta de resposta da classe aos ataques da patronal têm deixado espaço para que a burguesia puxe a corda um pouco mais para o seu lado, o que se reflete inclusive nas recentes tentativas de flexibilização das leis trabalhistas, como tem acontecido em algumas categorias, o que nada mais é que a retirada de direitos conquistados historicamente pela classe trabalhadora e à custa de muita luta.

Não alimentemos ilusões de que o capitalismo e o desenvolvimento da tecnologia impulsionada por ele vão melhorar consideravelmente e por si só as condições de nossa classe, na contramão disto, as novas ferramentas têm servido para intensificar a exploração dos trabalhadores e ainda aumentar os lucros da burguesia. Só o rompimento com o que é central nesta sociedade pode nos livrar da exploração, só o rompimento com a lógica do lucro que rege esta sociedade pode oferecer uma mudança significativa para nossa classe. Chamamos todos os trabalhadores dos setores de serviços a retomarem a organização nos locais de trabalho, a reconstruir os sindicatos como instrumento de luta e de defesa incondicional dos trabalhadores, a tomá-los da burocracia que está aliada aos patrões. Devemos eleger companheiros de luta para as CIPAS e para as diretorias dos sindicatos. Chamamos todos a lutar por condições melhores de trabalho e pelo fim das classes sociais. Só uma sociedade sem burguesia pode acabar com o massacre à classe trabalhadora e assim superar o capitalismo. Pela emancipação da humanidade, por uma sociedade socialista!

▲ voltar ao índice

BANCÁRIOS: A CAMPANHA SALARIAL JÁ COMEÇOU

A campanha salarial de 2011 começou quando a de 2010 acabou. Temos que pensar como conquistarmos isonomia de direitos entre bancários novos e antigos, reposição das perdas salariais, estabilidade de emprego, fim das metas, respeito à jornada de 6 horas, instituição dos delegados sindicais para os bancos privados, etc.

No entanto, não é suficiente elencar uma pauta de reivindicações. Por mais combativa que seja, é necessário traçar uma tática também combativa, à altura dos desafios apresentados para nós. E decididamente as nossas campanhas salariais desde 2005 são as mesmas: começam após a data-base (31 de agosto), arrasta-se por setembro, e terminamos a campanha em outubro, com assembleias separadas (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e bancos privados) e lotadas de fura-greves e gerentes coagidos para votar na proposta rebaixada defendida pelos patrões e pela cúpula das direções vinculadas politicamente à CUT e ao governo federal.

Está mais do que na hora de mudar este “script” e o primeiro passo é ANTECIPAR A CAMPANHA. O que significa mobilizar os bancários desde já em assembleias, plenárias e congressos. E ainda assim não é suficiente. Além de ter uma pauta de reivindicações e uma tática combativa é necessário que a campanha seja conduzida com independência em relação ao governo e aos banqueiros para evitarmos que interesses estranhos se sobreponham aos nossos.

Comecemos pela tática. Há anos os sindicalistas vinculados politicamente ao PT e a CUT impõem à categoria uma negociação em mesa unificada. Isso se mostrou um erro nos últimos 7 anos de campanha em que os bancários do setor público fazem, de fato, acontecer as mobilizações. Podemos identificar melhor isso nas grandes capitais como Rio e São Paulo, em que os bancários do setor público são minoria, mas estão melhor organizados e com maior participação nas assembleias em todas as campanhas. O que isso quer dizer? Que devamos dividir a categoria? Evidentemente que não.

Entendemos que as campanhas salariais devem continuar unificadas, mas precisamos observar as disparidades na mobilização entre os bancários do setor público e privado. Durante toda a década de 2000 a direção governista deu um tratamento convenientemente igual entre desiguais. Ao invés de lutar por delegados sindicais e pela estabilidade de emprego nos bancos privados, os dirigentes cutistas e seus aliados preferem colocar uma camisa de força no movimento por meio da tática de mesa única.

Na prática, estes mesmos dirigentes jogam sobre o ombro dos bancários do setor público o ônus da falta de trabalho político que os sindicatos deveriam fazer nas agências, além da evitar o desgaste do governo em se comprometer a atender as reivindicações específicas como a reposição das perdas salariais ocorridas nos 10 anos de congelamento salarial da era PSDB.

Em outras palavras, a CUT e seus aliados fazem da mesa única uma forma de não se desgastarem com os bancários privados (base eleitoral nas grandes cidades), que, impedidos de lutar pela absoluta falta de trabalho de organização das ditas “entidades representativas”, são levados a ter que aprovar uma pauta rebaixada numa assembleia em separado do restante da categoria.

É a partir daí que se começa o desmonte das greves. Os bancários do setor privado aprovam um acordo do tamanho do trabalho de organização dos sindicatos cutistas, e os bancários do setor público voltam frustrados, pois poderiam continuar para conquistar mais dos patrões e do governo.

Mas tudo pode ser mudado. Nos dias 2 e 3 de abril houve o Encontro Nacional das Oposições na cidade de Nata-RN, em que os bancários combativos e os sindicatos independentes dos patrões e governos discutiram a campanha salarial 2011 balizando-se nos interesses da categoria e não de qualquer grupo político. Assim, neste Encontro surgiu a Frente Nacional de Oposição como forma de aglutinar as várias forças de Oposição que agiam de forma descoordenada nacionalmente. Venha fazer parte da Frente!

▲ voltar ao índice

ESCOLA PÚBLICA: A VIOLÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE DESTRUIÇÃO DAS POTENCIALIDADES HUMANAS

                                                                                                                                      Iraci Lacerda e Cláudio Santana

 

[…] Enfim, agonia de múltiplas faces.

Mas com uma raiz única
feita de várias partes e entraves…
de vários entraves e diversas partes.
Entraves da acumulação,
da distribuição, da divisão
e apropriação privada da vida

mutável do ser social. […]

                                         Tico Pádua


Abordar a questão da violência no cotidiano das escolas é maçante, sobretudo, para quem lida e sofre diretamente com o problema. Mas, o fato ocorrido em Realengo, amplamente explorado e difundido pela mídia, desnuda parte do sistema educacional brasileiro e necessita de uma reflexão que extrapole o corporativismo.

Ressaltar que a violência é inerente ao sistema de exploração parece redundância, no entanto, precisamos reafirmar que enquanto uma pequena parcela da humanidade, a burguesia, usufruir das benesses do capitalismo em troca da vida de trabalhadores teremos, sistematicamente, massacres ou chacinas.

“Nunca se produziu tanta comida e ao mesmo tempo nunca tantos seres humanos passaram fome como agora; temos as mais altas tecnologias no campo da saúde, por exemplo, enquanto muitas pessoas continuam morrendo de doenças comuns que já deveriam ser erradicadas; fala-se tanto em ecologia, proteção ao meio ambiente, porém os mesmos grupos que propagam tais teorias são os que mais destroem o planeta com suas indústrias poluentes, agrotóxicos, armas nucleares, automóveis, entre outros.” (Freitas, Luiz Carlos de. In: Reflexões sobre a luta de classes no interior da escola pública, p. 100)

Essa divisão social, obviamente, também se expressa nas políticas educacionais. A escola é tão bem enquadrada nessa lógica que se torna cada vez mais visível a divisão entre as que “podem mais”, “as que podem menos” e “as que nada podem”. E as escolas públicas já divididas entre as centrais e as periféricas concorrem diretamente com as particulares na qualidade do ensino e na formação humana.

Tem sido comum situações de violência nesses vários espaços escolares e a Justiça também responde de acordo com a divisão social: Para uns a impunidade é parte do processo educativo recebido ao matarem moradores de rua, assassinarem camponeses, discriminarem negros ou homossexuais, etc. Para outros o processo pedagógico somente é pensado a partir da repressão direta e contenção diária através de monitoramento por câmeras, policiais militares, atuação constante do Conselho Tutelar e etc. com a finalidade de transformar as escolas periféricas em semifebéns.

Diante dessa divisão capitalista da sociedade precisamos romper – professores, estudantes e trabalhadores – com a lógica do isolamento por categorias profissionais e estabelecermos uma unidade de fato, se quisermos reverter a situação.

A moral como instrumento da violência

Segundo Lefebvre (In: Marxismo, p. 53) a moral é enganosa, pois codifica e legaliza no indivíduo – sob forma de consciência moral, e, no exterior, sob a forma de punição e de prédica – a prática social mediana em um dado momento.

Dessa forma, a sociedade capitalista, que é de consumo, estabelece padrões de beleza e “bem-estar” como ideais, transformados em mercadorias, que devem ser alcançados.

Junto com isso os costumes e valores para favorecerem cada vez mais essa classe dominante e que são expressos a todo tempo pelos meios midiáticos estão em contradição com a própria situação das escolas públicas e de suas comunidades.

Quem não consegue seguir esses padrões são isolados e inferiorizados. Isso faz com que muitos vivam constantemente as dificuldades do ter ou ser, que tem como mal do século a depressão. Outros buscam saídas como o suicídio, as brigas diárias para descarregar ou carregar as raivas, o homicídio banal, roubos e tudo mais que faz parte do cotidiano dos alunos nas escolas estaduais, certamente como tentativa de se enquadrar nos valores capitalistas.

 A competitividade e o individualismo

A competitividade e o individualismo são os valores mais propagados pela ideologia burguesa:“As pessoas se voltam cada vez mais para si, para seu mundo pessoal. Perde-se, assim, o espírito de coletividade, o sentido de solidariedade, de humanidade, a noção de comunidade, de conjunto…”(Novaes & Vilmar. In: O capitalismo para principiantes, p. 193). Enquanto isso se mantém, temos como exemplo, na Proposta Pedagógica para as escolas estaduais de São Paulo a obrigatoriedade de se desenvolver uma “intervenção solidária na realidade, respeitando valores humanos.”

Dessa forma, mantém-se a contradição entre a realidade e o discurso oficial, o que torna a valorização da capacidade individual uma das mais poderosas armas do capitalismo para manter a classe trabalhadora competindo entre si e se autodestruindo.

O sistema de avaliação dos estudantes e escolas por órgãos externos, a política de bônus e de mérito no estado de São Paulo e que estão sendo encaminhadas em todo o país – como políticas educacionais pensadas e desenvolvidas pelos governos do PSDB e PT – seguem esse caminho da individualidade e da competitividade. Procura-se hierarquizar para responsabilizar cada um pela sua “incapacidade” de competir de acordo com o padrão e valores estabelecidos.

Encobre-se que o capitalismo não suporta a igualdade de oportunidades, que somente tem condição de sobrevivência com a dura competição e que é esse tipo de sociedade que gera tantos quantos realengos.

A violência na hierarquia entre as classes sociais e o papel do Estado

O Estado burguês cumpre um papel fundamental no sentido de encobrir essa violência e fingir uma harmonia social.

Ao não atender com qualidade o interesse da classe que gera a riqueza para representar os interesses de bancos, empresas, empreiteiras, etc., o Estado obriga-se a cortar gastos com serviços públicos essenciais para os trabalhadores. Somente com o governo Dilma a Educação perdeu R$ 3,1 bilhões.

Essa obrigação é tornada pública com o objetivo de buscar a compreensão e o sacrifício do trabalhador ao mesmo tempo em que reforça políticas como Bolsa-família aliada à frequência escolar e avaliação do professor. Busca-se afirmar, com todo o apoio da imprensa burguesa, que o problema é apenas da qualidade do ensino e da gestão não do sistema educacional voltado para atender um tipo de sociedade que separa as pessoas entre aqueles que precisam trabalhar para sobreviver e aqueles que exploram para se manter.

Nesse universo desnuda-se um ciclo em que o que menos se considera é a qualidade do ensino ligada às potencialidades humanas, pois o nível de qualidade a ser conquistado precisa, necessariamente, atender a essa hierarquia social.

Poucos poderão ocupar postos de destaque no mundo do trabalho. Para a maioria restará o espaço público escolar como contentor das consequências diretas deixadas pelas contradições da competitividade e individualidade. E nem que seja através da repressão policial o Estado capitalista e seus governos continuarão tentando encobrir a violência existente no sistema educacional brasileiro.

A luta por uma Educação com qualidade deve ser de toda a classe trabalhadora!

A violência expressa na Educação brasileira faz parte da realidade de crise estrutural do capital e do papel reservado à produção dos países “em desenvolvimento”. A escola precisa ensinar a dosagem certa entre competitividade e obediência, individualidade e submissão, aliadas indispensáveis no meio produtivo capitalista.

Nesse sentido, já não se pode manter lutas isoladas em escolas – a repressão sobre estudantes e professoras é cada vez maior – muito menos se pode reduzi-las à categoria de professores – já que se trata da Educação para os filhos da classe trabalhadora.

Uma pedagogia de luta contra o conformismo e que busque a formação plena do ser humano precisa voltar à cena. No entanto, esbarramos também nas direções dos movimentos sindicais e sociais atreladas diretamente ao governo petista e/ou aos antigos métodos para frearem as lutas.

Os sindicatos, centrais sindicais (Intersindical, CSP-Conlutas) e movimentos sociais de esquerda também não podem compactuar com o fato da Educação pública transformar-se em instrumento de destruição das potencialidades humanas da classe trabalhadora por omissão, negligência ou até mesmo pela repetição de métodos alheios a democracia operária.

Não se muda a realidade apenas com teoria. Mas, a luta também não pode estar desprovida da teoria marxista. É preciso uma base material para que a própria teoria se desenvolva. As lutas imediatas na Educação precisam estar vinculadas à defesa de uma realidade que garanta a apropriação do conhecimento científico em favor da classe trabalhadora e não contra.

Precisamos por fim à autodestruição da classe trabalhadora, às chacinas e massacres. Precisamos que todos os trabalhadores e trabalhadoras em empresas, comércio, hospitais, bancos, órgãos públicos, desempregados, aposentados e os estudantes estejam unidos na luta em favor de uma escola pública com qualidade de ensino e aprendizagem que favoreçam as potencialidades humanas de quem trabalha e gera a riqueza do país.

▲ voltar ao índice

O LEGADO DA DITADURA E A NOVELA “AMOR E REVOLUÇÃO”

Iraci Lacerda e Daniel Menezes

Viola Enluarada (Marcos Valle)

A mão que toca um violão se for preciso faz a guerra
Mata o mundo, fere a terra
A voz que canta uma canção se for preciso canta um hino
Louva a morte viola em noite enluarada
No sertão é como espada esperança de vingança
O mesmo pé que dança um samba se preciso vai à luta capoeira
Quem tem de noite a companheira sabe que a paz é passageira
Pra defendê-la se levanta e grita eu vou
Mão, violão, canção, espada, e viola enluarada
Pelo campo e cidade porta bandeira, capoeira

Desfilando vem cantando liberdade, liberdade.

Na segunda metade do século XX, a América do Sul foi vitimada por uma série de ditaduras militares, que foram substituídas por democracias formais nas últimas décadas. No processo de restabelecimento da democracia formal, vários países levaram os militares e agentes da repressão ao banco dos réus pelos crimes cometidos durantes a ditadura. A Argentina já condenou 486 criminosos que mataram, torturaram, prenderam, cassaram e exilaram militantes de esquerda (Folha/UOL, 27/03/2011). O Brasil é um dos poucos países em que os criminosos não foram julgados. Muitos deles, passadas mais de duas décadas do fim da ditadura, envergam os pijamas da aposentadoria com a tranquilidade da impunidade, e de vez em quando até saem das catacumbas para defender publicamente o golpe de 1964.

A transição para a democracia formal foi feita por meio de acordos de cúpula, em que um grupo político burguês substituiu outro ligado aos militares na condução do Estado, sem romper com a política burguesa em geral e em particular sem romper com o arcabouço repressivo (anistia para os crimes da repressão, manutenção da lei de segurança nacional, cultura policial repressiva, etc.). O forte processo de lutas sindicais e populares da década de 1980, com a fundação do PT e da CUT, as tentativas de greve geral, a campanha das “Diretas Já”, o ascenso dos movimentos sociais em geral, movimentos de sem terra, de moradia, de estudantes, de mulheres, negros e LGBTs, etc., tudo isso não foi suficiente para derrotar de vez a direita militar e civil.

A direção política desse processo de luta no Brasil, a Articulação (corrente dirigente do PT e da CUT), burocrática e oportunista desde o início, gradativamente fez com que o movimento abandonasse quaisquer veleidades de transição ao socialismo, mesmo reformistas, conforme o PT ia aderindo abertamente à gestão do capital. No plano interno isso se consolida com a derrota da campanha de Lula em 1989, que teve participação decisiva da Rede Globo, emissora de TV construída pela ditadura para servir como seu instrumento ideológico. No plano mundial, a queda do muro de Berlim e da URSS abriu caminho para o discurso da “derrota do socialismo” e para a ofensiva política e ideológica do neoliberalismo e da “globalização”.

Esses processos deixaram o movimento socialista revolucionário numa situação de isolamento e o conjunto da classe trabalhadora na defensiva, pois mesmo que os estados burocráticos do leste europeu não fossem o “modelo” de socialismo, a sua desaparição fez com que a própria idéia de uma alternativa possível ao capitalismo se tornasse ainda mais desdenhada a fim de configurar ideologicamente aquilo que denominamos como crise da alternativa socialista.As lutas da classe trabalhadora deixaram de estar armadas de uma perspectiva de superação do capitalismo, estão limitadas a questionar aspectos parciais do sistema e com isso condenadas temporariamente à impotência.

Nesse contexto de crise da alternativa socialista, o PT assumiu o governo com o ex-dirigente sindical Lula e a ex-guerrilheira Dilma, e ambos deixaram intocada a impunidade dos criminosos da ditadura, para não incomodar setores burgueses de extrema direita e comprometer a política de conciliação de classe de seus governos. Lula foi preso político por ter sido grevista e Dilma foi, além disso, torturada por ter participado da luta armada. Ambos jogaram na lata do lixo a memória daqueles que lutaram contra a ditadura ao manter inalterada a política neoliberal da burguesia. No governo da ex-guerrilheira Dilma, o militante italiano Cesare Battisti segue ilegalmente preso e ameaçado de extradição para a Itália.

Um enredo que expõe os crimes e diferencia bem as personagens

É nesse cenário que surge a novela “Amor e Revolução” no SBT, contando a história dos primeiros anos da ditadura e dos militantes que a enfrentaram. A novela tem sido tema de debate entre setores populares, pois o assunto é praticamente desconhecido das novas gerações, que ignoram a história do país, e das antigas gerações, deixadas ideologicamente órfãs pelo PT, que nunca fez uma disputa ideológica a fundo com a classe trabalhadora para combater as idéias burguesas.

A exibição da novela não significa que o SBT tenha se tornado um bastião de progressismo social. Na verdade, emissoras como SBT e Record, que têm tentado com algum sucesso desfazer o antigo monopólio da Globo, são tão reacionárias quanto a sua rival. Todas as emissoras difundem ideologias conservadoras, nas formas de fanatismo religioso, sensacionalismo, pornografia e regressão cultural.

Na disputa pela audiência, vale tudo, até mesmo resgatar um tema polêmico da história do país, a tortura contra militantes que se opuseram à ditadura. No contexto da ideologia pós-moderna, a história real tem sido só mais um drama televisivo sem conseqüências políticas e existenciais. E é possível que a dramaturgia televisiva com suas fórmulas prontas e clichês (o mito do final feliz, do amor romântico, do indivíduo como centro do mundo, etc.), tal qual criada pela Rede Globo e muitas vezes seguida fielmente pelas demais emissoras, substitua novamente fatos reais e conflitos políticos em questões resolvidas sem sequelas ou prejuízos históricos, políticos e culturas.

Evidentemente, como se trata de uma telenovela, a qualquer momento podem surgir reviravoltas na trama. Não se pode esperar que uma emissora comercial possa fazer justiça à luta dos militantes que combateram a ditadura, nem muito menos apresentar uma visão correta do projeto de sociedade que defendiam, dos prós e contras da estratégia de luta armada, etc. Podem surgir, por exemplo, tentativas de “humanizar” os agentes da repressão, na intenção de mostrar-se equidistante e imparcial, de acordo com o típico senso comum pequeno-burguês.

No entanto, a novela “Amor e Revolução” ainda merece uma atenção especial dos apreciadores do trabalho artístico ligado à história e ao engajamento político, pois destaca-se no título, no tema, na apresentação de determinados assuntos, no enredo, na trilha sonora que traduz musicalmente a época, por mostrar cenas de tortura jamais vistas e pelo autor.

Contra a mediocridade na arte! Por amor e revolução também na vida real!

Para estabelecermos uma comparação com o que existe hoje em telenovelas podemos citar “Insensato coração” e “Morde & Assopra”, títulos das novelas da Rede Globo, em que se pode observar a insistente desvalorização do trabalhador brasileiro através de personagens que não possuem vida própria, capacidade de reação ou criação e submetem-se passivamente à ordem estabelecida. Além de tentar demonstrar uma incapacidade do país na pesquisa científica, presente nesse momento na ridicularização dos estudos sobre a existência de dinossauros no território brasileiro, ignorando, por exemplo, a Bacia de Sousa (PB), que na vida real é palco de visitas e certificações internacionais.

 “Amor e Revolução” aborta assuntos como a liberação da mulher, a luta pela liberdade de expressão, a desagregação familiar, a importância da luta pela igualdade social, o sadismo dos paramilitares na tortura e assassinato de comunistas, terror psicológico, abuso sexual e o desaparecimento de presos políticos. Deverá apresentar o primeiro beijo-gay entre as personagens, retoma fatos históricos como a Guerrilha do Araguaia e relembra importantes lideres políticos, como Che Guevara e Marighela.

Mesmo com certa fragilidade estética e interpretações canhestras, a novela provocou uma forte reação da extrema direita, que pediu a censura da novela e dos depoimentos de vítimas de tortura. Mas Tiago Santiago, autor da novela, formado em Ciências Sociais e Mestre em Sociologia pela UFRJ, posicionou-se contra o abaixo-assinado em nome das Forças Armadas para o Ministério Público: “tirar a novela do ar interessa apenas aos criminosos, torturadores e assassinos, que violaram as convenções de Genebra, nos chamados anos de chumbo da ditadura militar” (Correio do Brasil, 12/04/2011)

Para o sistema capitalista a arte não pode cumprir senão, para a maioria, a função social de alienar e a despolitizar. A herança da ditadura permanece bastante viva e os criminosos daquele período permanecem impunes, a repressão aos trabalhadores que lutam permanece brutal, a política da burguesia segue sendo aplicada, a ditadura de classe permanece sendo exercida por meio dos mecanismos da democracia burguesa. Nesse momento, “Amor e Revolução” poderá seguir outro caminho e contribuir para que a luta dos revolucionários, que pôs fim a ditadura militar na América do Sul não seja despolitizada e alienante.

Mas, aconteça o que acontecer na tela, prevalece o fato de que, na vida real, a luta pelo socialismo torna-se cada dia mais necessária e possível.

▲ voltar ao índice

OBAMA X OSAMA E A POLÍTICA DO ESPETÁCULO

O governo estadunidense anunciou no início de maio a morte de Osama Bin Laden, líder da rede terrorista Al Qaeda e considerado responsável pelos atentados de 11/09/2001, entre outros ataques. A execução teria ocorrido no Paquistão, onde o saudita estava foragido, por tropas de elite estadunidenses, depois de confronto com os guarda-costas do terrorista. Não foram divulgadas imagens do cadáver de Bin Laden, sob a alegação de que isso poderia desencadear atos de vingança de terroristas contra cidadãos estadunidenses pelo mundo. Entretanto, foram divulgadas imagens do presidente estadunidense Barack Obama no comando da operação que resultou na execução do inimigo nº1 dos Estados Unidos.

A exibição da imagem de Obama como responsável direto pela execução de Osama tem um objetivo político muito preciso, que é o de elevar a popularidade do presidente estadunidense, seriamente abalada pela situação econômica e social do país. As empresas voltaram a lucrar, mas a custa de brutal aumento da exploração dos trabalhadores. Desde a crise de 2008, a classe trabalhadora estadunidense vive um violento retrocesso nas suas condições de vida, com o desemprego ainda próximo aos 10%, queda nos salários e na renda dos trabalhadores, retirada de benefícios, execução de hipotecas e despejos, sucateamento da saúde e educação públicas, empobrecimento geral, piora drástica nos indicadores sociais, etc.

A popularidade de Obama estava tão baixa que a corrida pela sucessão presidencial em 2012 já se iniciou, com o anúncio da intenção do bilionário Donald Trump de concorrer como candidato pelo Partido Republicano. Trump é dono de prédios de escritórios, hotéis e cassinos, e ficou mundialmente famoso com o programa de TV “O Aprendiz”, em que tinha como bordão a frase “você está demitido!”, o que dá uma idéia do caráter do indivíduo de que estamos falando… A entrada de tal personagem na corrida presidencial se deu com a manobra mais rasteira e sensacionalista possível, a exigência de que Obama provasse ter nascido em território estadunidense, pois do contrário não poderia ter concorrido à presidente. Obama teve que vir a público apresentar a certidão de nascimento, mas isso não parece ter sido suficiente para contentar a platéia de Trump, daí a necessidade de exibir um troféu, que seria a morte de Osama.

Fica assim evidente que não foram os trabalhadores que Obama quis agradar, e sim os setores mais reacionários da população, o eleitorado republicano, que durante 8 anos respaldou a política de “guerra ao terror” de seu antecessor George Bush, composto pela pequena-burguesia branca, protestante, conservadora e provinciana dos estados do interior. O efeito do golpe publicitário foi imediato, pois as pesquisas de opinião seguintes mostraram um aumento de 11% na aprovação de Obama, que na enquete do New York Times e CBS saltou de 46% para 57% (Reuters, 04/05/2011).

Voltando para a questão das imagens, a alegação de que teria havido tiroteio no refúgio de Osama não resiste ao exame mais superficial. As cenas que foram divulgadas do suposto esconderijo não mostraram marcas de bala nem manchas de sangue nas paredes, mas mesmo assim bastaram para enganar o público em geral, leigo em questões militares. Para quem conhece o funcionamento do imperialismo estadunidense, é bastante razoável a suposição de que o paradeiro de Osama já era conhecido há bastante tempo, os Estados Unidos já sabiam de sua localização, já o tinham capturado ou mesmo morto, e a divulgação de sua morte obedeceu a um critério de pura conveniência política.

Do ponto de vista da política interna estadunidense e das vicissitudes da popularidade de Obama, o momento escolhido para divulgar a morte do inimigo faz algum sentido, mas não no que se refere à situação política internacional. Primeiramente, o anúncio dessa façanha demonstra o mais completo desrespeito pelas regras elementares da democracia que os Estados Unidos dizem defender. O mais correto seria levar Osama a julgamento pelos seus crimes, de preferência numa corte internacional, como forma pedagógica de dissuadir possíveis simpatizantes a seguir seu exemplo.

Mas os Estados Unidos não dão a menor importância para essas formalidades, pois nem sequer reconhecem as cortes internacionais. Não o fazem, pois do contrário teriam que admitir que seus militares e agentes de inteligência sejam julgados pelos crimes que cometem diariamente, vide as revelações do Wikileaks. Os Estados Unidos nem sequer se envergonham em admitir que Osama foi morto no Paquistão, ou seja, admitem abertamente que violaram a soberania de um outro país para perseguir seus inimigos. Mais grave até do que isso, admitem que a informação sobre o paradeiro de Osama foi obtida por meio de tortura, tal como se denuncia corriqueiramente sobre o que se passa nas prisões ilegais em Guantánamo e outras localidades.

Além de confessar o mais completo desprezo pelas normas do direito, da legalidade e da democracia que os Estados Unidos cinicamente dizem defender, o anúncio da morte de Osama não tem também nenhum efeito importante no que se refere a influenciar a situação política dos países do Oriente Médio e norte da África. Isso porque a influência da Al Qaeda, do terrorismo e do fundamentalismo islâmico em geral já não é mais nem uma sombra do que foi em outros momentos.

No início de 2011, o Oriente Médio e norte da África estão sendo abalados por uma onda de revoluções democráticas, que estão sacudindo e derrubando governos subservientes aos Estados Unidos em vários países. Governantes que se mantinham no poder há décadas, graças ao terror de estado, leis de exceção, repressão e autoritarismo, que praticavam a mais aberta corrupção e saque de seus povos, estão sendo questionados e derrubados por multitudinárias manifestações. Trata-se da maior e mais radical mobilização social das últimas décadas no mundo, num processo complexo, que ainda está em aberto e se manifesta com uma série de desigualdades entre os diversos países.

Mas a questão política mais importante é que o que está por trás desse processo de mobilização não é o fundamentalismo islâmico, nem o terrorismo, nem muito menos a Al Qaeda e Bin Laden. Não foram essas forças que derrubaram Ben Ali na Tunísia nem Mubarak no Egito e que estão impulsionando as mobilizações nos demais países. A influência política dessas correntes no processo foi completamente marginal. O que determinou a queda dos odiados ditadores foi a mobilização dos trabalhadores, da juventude e da população em geral. Não foram os líderes fundamentalistas e os terroristas que levaram as massas populares às ruas.

O Oriente Médio e norte da África abrigam populações com uma imensa porcentagem de jovens abaixo dos 30 anos, que vai da metade a dois terços em vários países, com uma taxa de desemprego altíssima, especialmente nessa faixa etária, e que enfrentam uma violenta deterioração nas suas condições de vida devido à inflação, que se manifesta especialmente no aumento do preço dos alimentos. Essa mistura de populações majoritariamente jovens e sem perspectivas em países extremamente pobres, atingidos pela carestia e pela crise, governados por dirigentes corruptos e autoritários, é o que explica o processo de revolução democrática em curso. Esse processo está inclusive se espalhando para os países ainda mais pobres da África subsaariana, em vários dos quais já se vive uma situação de conflagração social quase aberta.

Trata-se, no fundo, de consequências econômicas, sociais e políticas da crise mundial iniciada em 2008. Contra essas consequências, os Estados Unidos, com seu poderio militar e midiático, ainda não têm o controle total. Ao matar Osama, os Estados Unidos chutaram um cachorro morto. Osama e o terrorismo já estavam politicamente derrotados e já haviam perdido a expressão há muito tempo. Para o azar do imperialismo e para sorte dos trabalhadores, as mobilizações prosseguem e se espalham, e não têm Bin Laden e o terrorismo como inspiração.

 O que ainda está ausente é a consciência da necessidade de lutar não apenas contra os ditadores de plantão, mas contra o sistema capitalista que eles defendem e seus amos internacionais, como os Estados Unidos. O surgimento dessa consciência e de organizações que defendam um programa socialista entre os trabalhadores é uma possibilidade que surge na própria luta, e que, caso se manifeste, não será evitada por golpes publicitários

▲ voltar ao índice

UMA NOVA SITUAÇÃO POLÍTICA MUNDIAL

Os processos de mobilização da Europa, do Norte da África e do Oriente Médio são os principais acontecimentos de um novo momento político e que podem, a depender do desenvolvimento dessas lutas, mudar a correlação de forças entre as classes sociais em nível mundial.

Há nesses processos três elementos que merecem destaque: 1) o ressurgimento de grandes mobilizações nos países centrais; 2) as reivindicações no continente africano e Oriente Médio são políticas (numa região com importante papel da religião) e 3) em alguns lugares, notadamente no Egito, o proletariado industrial se colocou em ação com reivindicações e formas embrionárias de organização independente.

Essas mobilizações são parte de um processo geral de experiências que os trabalhadores estão fazendo com o neoliberalismo e que teve o seu cume na América Latina no início dos anos 2000 desencadeando um novo ciclo de lutas que agora se expande para os países centrais da Europa e outros países periféricos como Egito, Iêmen, etc.

 A crise econômica é a base real desse processo

Para responder à crise a burguesia desencadeou uma série de ataques aos trabalhadores e a população em geral.

Na Europa ocorreram cortes nos gastos com os serviços públicos, redução de direitos (com mudanças na forma e na idade para aposentadoria), demissões em massa, aumento da extração de mais valia relativa (novas tecnologias e formas de gerenciamento da produção) e absoluta (um exemplo: aumento do ritmo de trabalho), mudança do papel do Estado (resultando, por exemplo, na obrigatoriedade de que parte do ensino superior passe a ser pago), etc.

Com um proletariado acostumado a viver sob o “Estado do bem estar social” esse nível de perda de direitos representa uma queda brusca na qualidade de vida e é isso que o tem levado às ruas. São efeitos diretos que expõem com intensidade as contradições da economia em uma das regiões mais importantes para o capitalismo.

Nos demais países a instabilidade política também é produto da crise econômica mundial. A busca por uma solução mais duradoura para a crise tem obrigado os países centrais a disputarem a fundo o mercado mundial. Isso se materializa em medidas que pressionam os países periféricos a abrirem seus mercados como espaços para produção com menor custo (leia-se aumento da extração da mais valia) a fim de manterem a exploração internacionalizada e a disputa por uma melhor posição mundial.

Ocorre que, mesmo aliadas ao imperialismo, as economias nacionais precisam também disputar uma parte desse mercado mundial. No entanto, como a disputa é cada vez mais acirrada fazem-se necessárias medidas que garantam produtos competitivos e na economia capitalista isso é possível somente com o aumento da exploração sobre os trabalhadores.

Como resultados dessa situação temos o desemprego, piores condições de vida, menores salários, etc. E foram exatamente esses resultados que levaram os trabalhadores do Iêmen, Tunísia, Egito, Líbia, Síria, etc., às ruas contra as péssimas condições de vida e seus ditadores.

Outro elemento importante e relacionado à situação econômica é a crise de alimentos que se abateu sobre o mundo e em especial nessa região. Boa parte da plantação agrícola mundial (commodities) é voltada para a produção de energia (etanol, por exemplo) e para a ração animal. Isso faz com que, consequentemente, parte importante da população mundial passe fome. Situação particularmente grave em países como Egito, Iêmen e Líbia.

 O novo: a disposição revolucionária dos trabalhadores

Durante os anos 90 e 2000 o neoliberalismo se consolidou como modelo de dominação política e econômica do capitalismo. Milhões de trabalhadores no mundo foram convencidos de possíveis benefícios das privatizações, da necessidade de recuarem em alguns direitos, de menor presença do Estado com os gastos públicos e de que o suposto “livre mercado” é o modelo ideal de sociedade. E dessa forma, praticamente nenhum país do mundo esteve livre das medidas neoliberais.

Podemos notar o aumento da submissão política e ideológica de vários países (ou governos) aos países imperialistas. No aspecto econômico houve o aumentou da transferência de valores para os países do centro. Todas essas relações foram mantidas em situações de extrema desvantagem para os países da periferia e já demonstraram que sob o neoliberalismo o mundo ficou muito pior para o trabalhador.

Mas, mesmo com o sacrifício de milhões de trabalhadores o que temos visto é o crescimento das desigualdades sociais, da retirada de direitos e, inclusive, do aprofundamento ou da retomada de formas de recolonização de países periféricos.

Com a atual crise o frágil equilíbrio da economia capitalista escancarou diversas contradições políticas, econômicas e sociais que atingem as várias partes do planeta.  Como parte desse processo dá-se a experiência dos trabalhadores com o neoliberalismo.

Na Europa, as lutas da classe trabalhadora são para defender e manter algumas conquistas como a aposentadoria, as férias, os serviços de saúde, a educação pública, evitar cortes nos gastos públicos e outros direitos que estão sendo perseguidos pelos atuais governos, dispostos a utilizar o dinheiro público para socorrer com maior eficiência as empresas e bancos privados.

É muito importante para a classe trabalhadora quando o proletariado de um país central e com experiência de mais de um século de luta se coloca em movimento para enfrentar o projeto da burguesia, pois podem servir de motivação para os trabalhadores de outros países, além de demonstrar que a engrenagem do capital mudializado pode ser destruída caso a geração de riqueza seja interrompida.

Dizemos isso porque derrotar a política do imperialismo europeu pode levar à ruptura da “estabilidade”, já seriamente abalada, da política neoliberal e criar condições para vitórias nas próximas lutas.

No caso dos países do Norte da África e do Oriente Médio destacamos que os “elementos desse ciclo, com expressões mais ou menos avançadas de país para país, são: a queda brusca de ditaduras históricas a partir da ação direta e da organização das massas; Participação dos setores da classe trabalhadora no processo; a crise e divisão das forças armadas com a dificuldade para a repressão direta aos movimentos; a conquista de várias liberdades democráticas e de organização dos trabalhadores e das massas em geral; a transição mais ou menos rápida para regimes democrático-burgueses com a realização de eleições” (Resoluções Conferência ES 2011).

Por isso que reafirmamos que a situação política é distinta, que houve uma mudança quantitativa e qualitativa na situação da luta de classes em nível mundial. É nesse marco que deve se destacar o surgimento de um elemento ausente na situação política anterior que é a disposição dos trabalhadores em saírem às ruas, em realizar greves, em enfrentar a repressão, ou seja, se colocar no cenário como força política independente da burguesia.

Contradições e limites:

1) São lutas defensivas, ou seja, tentam resguardar os direitos que foram conquistados no passado. Um aspecto da situação política mundial nas últimas décadas é a importante ofensiva do imperialismo contra trabalhadores do mundo inteiro, inclusive dos países centrais. Nessa ofensiva, vários direitos conquistados com muita luta foram seriamente ameaçados. Agora, diante do agravamento da crise sofremos nova ofensiva. Infelizmente não são lutas para novas conquistas como a redução da jornada de trabalho ou novos direitos sociais. No entanto, a classe trabalhadora insiste em defender direitos.

2) No caso do Norte da África, a falta de uma tradição de organização de lutas da classe trabalhadora e a crise de alternativa socialista (os trabalhadores ainda não vêem a possibilidade da construção de alguma alternativa de sociedade ao capitalismo) são dois elementos que facilitaram a ação política do imperialismo – sobretudo o americano – que para não perder o controle passou a intervir politicamente e militarmente nesses conflitos, mesmo sustentando as ditaduras mais sanguinárias da região com bandeiras da democracia.  Com isso conseguiu desviar, parte do desgaste, para os governos locais e evitar, ao menos temporariamente, um desgaste explícito de sua política;

3) Considerar a importância dessas lutas para a situação política mundial é fundamental, mas é necessário destacarmos os limites, pelas razões já expostas, pois esses movimentos esbarram na ausência de um projeto socialista. A consciência crítica média acha que os problemas econômicos e políticos são por responsabilidade do governante ou que as medidas de austeridade são “injustiças”, ou seja, que são problemas de administração e não do próprio sistema de exploração.

 Novas oportunidades para a esquerda

Quando os trabalhadores fazem greves, passeatas na luta por salários ou contra a política de um governo, etc. são momentos em que as condições para que as propostas dos trabalhadores e movimentos de Esquerda sejam ouvidas e melhor compreendidas, pois fazem a experiência prática de que quando param de produzir tudo pode parar e de que é a sua força unida à de outros trabalhadores que produz toda riqueza. Trabalhadores em movimento formam um campo fértil para as idéias socialistas e é por isso que a burguesia tem tanto medo de trabalhadores mobilizados.

Entendemos que é de qualidade esse ciclo de lutas porque, pois se abre melhores condições para a propaganda socialista.

Assim, a propaganda revolucionária deve cumprir o papel fundamental de explicar a necessidade de que esse movimento, contra as ditaduras e em defesa das condições de vida, avance para reivindicações que questionem o próprio sistema capitalista que mantém essas ditaduras e essas condições de vida.

▲ voltar ao índice