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Cem dias da gestão Obama: a lógica segue a mesma


13 de maio de 2010

O governo Obama, contrariando as expectativas daqueles que embarcaram na atmosfera de mudança de sua campanha eleitoral, já completou mais de cem dias à frente do maior império da história humana, demonstrando claramente o que pretende continuar fazendo no comando da Casa Branca.

Não podemos observar seus primeiros três meses de governo sem lembrar que o sistema eleitoral que lhe deu legitimidade para governar é ainda um dos menos democráticos que existem na Terra, pois um colégio eleitoral em que apenas 538 membros escolhem, em nome de mais de 300 milhões de pessoas, o presidente do país mais rico e perigoso do planeta revela a incoerência entre o ideal de democracia exercido pelo povo estadunidense e aquele utilizado pelas forças armadas para invadir o Afeganistão e o Iraque e chantagear a Coréia do Norte.

Não podemos esquecer que os EUA são governados por uma elite política que se viu alçada a dirigente de metade do mundo desde o fim da 2° Guerra Mundial e pretensamente do mundo inteiro após a queda da União Soviética. A escolha por essa elite de um homem negro e não descendente direto da oligarquia é significativa como indicação de até onde ela pode ir para garantir a aplicação de seu projeto de Estado. Mas não podemos nos enganar, esse projeto visa garantir os interesses de uma elite que, por ironia ou não, é formada por brancos.

Travestir a realidade de ilusões sempre foi necessário para qualquer elite em qualquer parte do mundo para seguir dominando. O discurso de mudança sem dizer para onde também já foi utilizado muitas vezes antes. A novidade no caso da eleição de Barack Obama era ele próprio. Após dois mandatos de George Bush (filho) e de se esgotar uma política escancaradamente imperialista, fez-se necessário para a elite estadunidense reciclar suas formas de dominação. Para tanto, não foi preciso fazer nenhuma concessão política ou econômica aos trabalhadores ou às minorias oprimidas, bastou escolher um candidato que tivesse a constituição física de alguém que foi historicamente oprimido, caso dos negros e mulçumanos em um país de maioria branca e protestante, para com isso representar a mudança. Os acordos e alianças com as organizações populares, compromissos programáticos e demais propostas políticas e econômicas para embasar uma proposta realmente progressista foram substituídos por uma calorosa recepção da mídia e pelo apoio das celebridades do cinema.

Na verdade, quem venceu a disputa eleitoral que levou Obama a Casa Branca foi a mesma elite vinculada ao petróleo, às indústrias militares e aos grandes financistas que vêm ditando os rumos estratégicos dos EUA, ora com o Partido Republicano, ora com o Partido Democrata. O controlado processo eleitoral estadunidense serviu para que essa elite, que está no epicentro da maior crise econômica do pós-guerra e que sofre questionamentos políticos pelo mundo inteiro, conseguisse em plena crise reunir em torno de si as melhores condições de seguir aplicando seu projeto baseado em três pilares básicos: o controle das fontes de energia, a utilização e expansão do complexo industrial militar e o controle econômico mundial através do sistema financeiro baseado no padrão dólar.

É visando aplicar esse projeto de Estado que a burguesia daquele país se debruça periodicamente sobre as eleições para reciclar sua dominação e extrair dentre os possíveis candidatos o melhor representante de seus interesses. Da mesma forma que a burguesia brasileira escolheu uma figura identificada com os trabalhadores para melhor aplicar uma política contra os trabalhadores, a burguesia dos EUA escolheu uma figura identificada com tudo o que poderia evocar mudança para garantir que nada de substancial fosse mudado.

Nos mais de cem dias de Obama ficou evidente que o critério de escolher "os melhores e mais brilhantes" utilizado em seu discurso para justificar a formação de um governo composto por ultraconservadores como Paul Volker, James Jones e Robert Gates serviu apenas para continuar iludindo aqueles que acreditam que existe neutralidade quando falamos em política.

Paul Volker é um veterano em salvar sua elite de crises: em 1971 ele foi um dos artífices da manobra do Presidente Nixon que acabou com o lastro em ouro do dólar, e dessa forma permitiu ao tesouro estadunidense emitir o dinheiro necessário para que os EUA pagassem as dívidas contraídas durante a guerra do Vietnã; em 1979, para salvar a burguesia de uma perigosa combinação de inflação alta com baixo crescimento econômico, ele reajustou as taxas de juros dos Estados Unidos, o que por tabela mais que dobrou as dívidas dos países latino-americanos, uma vez que os contratos dos empréstimos eram atrelados a cláusulas de juros flutuantes.

Em política militar, o conservadorismo não poderia ser maior sem James Jones e Robert Gates. O primeiro é um general veterano da guerra fria e ex-comandante da OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte); o segundo foi nomeado para ocupar o cargo de Secretário de Defesa ainda por George Bush em 2006, sendo mantido por Obama. Esse fato por si só já marca o tamanho da distância entre o discurso de mudança e a realidade de continuidade, já que nunca antes houve a permanência do mesmo Secretário de Defesa após uma troca de partido nas eleições presidenciais.

Não podemos esperar que um governo formado com esses tipos de representantes hesitará em elaborar medidas contra os trabalhadores para buscar saídas de uma crise econômica que pela primeira vez desde 1974/1975 reduziu o PIB em 6,1% e que já registra uma taxa de desemprego de 9,4 %.

É considerando o governo como um instrumento dos interesses da elite estadunidense que podemos entender a natureza das políticas que Obama implementa contra os trabalhadores, imigrantes e contra o próprio povo negro do qual descende diretamente. Em contra-partida à aplicação de mais de US$ 700 bilhões para socorrer bancos, nada foi feito para garantir moradia para milhões de famílias de baixa renda endividadas e que tiveram suas hipotecas executadas. Essas moradias são em sua maioria utilizadas por afro-americanos e hispano-americanos.

Na política externa, depois de emocionados discursos sobre a paz mundial, o que a gestão Obama oferece de concreto é a constante ameaça do uso da força caso "fracassem os meios diplomáticos", e por fracasso diplomático devemos entender condições não aceitas pelos países alvos. Têm sido assim com o Irã: a cada novo movimento do xadrez da política internacional, a Secretária de Estado Hillary Clinton lembra que existem tropas mobilizáveis no vizinho Iraque. Enquanto isso, no Afeganistão, houve um aumento dos efetivos militares e do uso da força de forma indiscriminada, o que resultou no genocídio de mais de 150 civis afegãos em maio.

Nem mesmo no terreno dos direitos humanos houve avanços substanciais, uma vez que as denúncias de tortura nas prisões militares não foram investigadas a fundo e somente se anunciou o fechamento da base-prisão de Guantánamo. Ainda nem se tocou na situação jurídica de seus detidos, uma vez que não foram submetidos a julgamento e mesmo que um dia o sejam é pouco provável que isso seja feito por um Tribunal Penal Internacional. Os Estados Unidos se negam a reconhecer esse Tribunal, pois se o fizerem terão que entregar seus oficiais acusados de crimes de guerra. Ou seja, a administração Obama espalha sorrisos ao mesmo tempo em que segue desrespeitando a dignidade humana. Outro exemplo desse desrespeito é que, desde sua posse, se mantém ilustres presos políticos, como os Cubanos acusados de espionagem, o militante do Partido dos Panteras Negras, Múmia Abul Jamal, além dos supostos terroristas de Guantánamo.

Dois exemplos ilustram de maneira definitiva os interesses aos quais Obama serve. Nos primeiros meses do ano explodiu o escândalos dos bônus milionários pagos aos executivos dos bancos e financeiras, os mesmos que provocaram a quase-falência do sistema financeiro e cujas empresas receberam centenas de bilhões de dólares em pacotes de salvamento do governo. Em meio à indignação geral de milhões de trabalhadores que perderam seus empregos e suas casas contra os financistas, o governo Obama não fez nada concreto para limitar o pagamento dos bônus, que em última instância representam a entrega pura e simples de dinheiro público aos barões de Wall Street.

Pouco depois, em abril, foram divulgados os memorandos internos do Departamento de Justiça do governo Bush autorizando os agentes da CIA e o do Pentágono a praticar tortura contra prisioneiros capturados na "guerra ao terror" e mantidos ilegalmente cativos. Obama não fez nada para que os responsáveis, ou seja, todo o alto escalão do governo Bush, fosse criminalmente processado de acordo com as próprias leis estadunidenses, tornando-se assim ele próprio um cúmplice de crimes de guerra, de acobertar violações aos direitos humanos e de desrespeito a todas as convenções internacionais contra a tortura e as prisões ilegais.

Devemos avaliar um governo pelas suas forças de sustentação e pelas políticas que seus atos representam. No caso da administração Obama seus aliados são os mesmos dos seus antecessores, seus atos de governo beneficiam a mesma elite do petróleo, das armas e dos bancos e seu padrão de produção e consumo seguem destruindo o planeta.

Não podemos depositar nenhuma confiança em projetos que não nascem da classe trabalhadora e de suas lutas e por isso não representam nossos interesses. Qualquer governo formado e sustentado pela burguesia somente conduzirá à guerra, à miséria e à barbárie.