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Boletim 02 – Qual deve ser o caráter do Comitê Nacional de Luta Direta


3 de janeiro de 2009

QUAL DEVE SER O NOVO CARÁTER DO    COMITÊ NACIONAL DE LUTA DIRETA?

O Comitê Nacional de Luta Direta está diante de seu VI Seminário. Na pauta estão discussões fundamentais:

1) Os Problemas Colocados pela Transição a Uma Sociedade Socialista (debate teórico),

2) Análise da Situação Mundial e Nacional,

3) Caráter e Funcionamento do Comitê,

4) Tarefas.   

Este texto pretende ser uma contribuição do Espaço Socialista para a discussão do 3°ponto – Caráter e Funcionamento do Comitê, no qual estarão, de certa forma, se concretizando as discussões dos pontos anteriores, ao mesmo tempo em que estará se definindo o futuro do próprio Comitê.

 

 

Embora pareça que essa discussão diz respeito apenas aos grupos que integram o Comitê, veremos, numa   perspectiva mais ampla, que ela interessa a todos os coletivos e ativistas que se colocam no campo anticapitalista.

Nos últimos anos, surgiram dezenas de grupos diferentes que expressam a busca de uma alternativa ao capitalismo por parte de um setor dos trabalhadores e da juventude.

Muitos desses coletivos já surgiram questionando a adaptação à ordem capitalista e à democracia burguesa característica dos partidos oficiais bem como seus regimes burocráticos de funcionamento. Também se colocam  como parte das lutas mundiais contra a ALCA, contra as organizações da globalização capitalista e a Guerra.

No entanto, também é um fato que esse processo no Brasil – e na América Latina – ainda não conseguiu gerar uma forma de coordenação viva e eficaz, capaz de unificar e potencializar a atuação de todos os coletivos e se constituir numa referência de luta anticapitalista para o conjunto dos explorados, disputando a influência com as organizações reformistas.

Uma forma de coordenação é uma das maiores necessidades do movimento – senão a maior – também no sentido de se reconstruir uma vida de debates e polêmicas, enfim, de reconstruir a convivência entre os revolucionários organizados em coletivos ou não.   

Nesse sentido o que de mais avançado tinha surgido até 2002 eram coalizões como a AGP (Ação global dos Povos), que agrupa em sua maioria anarquistas e libertários, a FLP (Frente de Luta Popular), que realiza um trabalho muito interessante nas Comunidades da Periferia do Rio de Janeiro, O Comitê de Solidariedade aos Povos em Luta, que atua na informação e campanhas de solidariedade às lutas diretas, entre outras.

No entanto, essas formas de coordenação também ficavam limitadas em suas parcialidades e regiões de atuação.

Foi então que surgiu o desafio de formar uma coordenação mais ampla. Isso levou a que grupos bem diferentes quanto à sua origem e atuação estivessem se juntando para formar o que se chamou Comitê de Ação Direta surgido no final de 2001/início de 2002.

Em seu início, o Comitê de Ação Direta começava a incorporar alguns coletivos importantes e comitês, o que se materializou em ações como o Ato de Solidariedade à Luta do Povo Argentino, na Av. Paulista e a organização do 1° de maio Alternativo na Praça da Sé (2002), que se constituiu numa referência para um setor de  ativistas.

O Comitê realizou então seu 1° Seminário que tinha como objetivos: se preparar para a luta contra a ALCA e a Guerra Imperialista, desenvolver uma ampla campanha de denúncia das Eleições e da candidatura Lula, impulsionar as principais lutas diretas que surgiam, como a Ocupação Carlos Lamarca (Osasco), e também avançar numa maior definição sobre o caráter e o funcionamento do Comitê.

Nesse 1° Seminário se mostraram várias diferenças, mas também acordos importantes que permitiriam uma atuação unitária na luta de classes. Entretanto, o debate sobre o caráter e funcionamento do Comitê, não teve uma definição, tendo surgido distintas posições, desde a proposta de formação de um comitê amplo de luta direta até a formação de um novo partido.  

Foi tirada uma comissão para escrever uma Carta de Princípios que serviria de demarcador em relação a outros setores (reformistas, pró-capitalistas, partidos) e ao mesmo tempo como critério para novas adesões ao Comitê.

Porém, na elaboração da Carta de Princípios participaram poucos coletivos e, ao final de muitos debates, surgiu uma versão que refletia os acordos existentes entre esses grupos, consolidando sua união, mas ao mesmo tempo se tornou um delimitador em relação a muitos outros coletivos, até mesmo alguns que vinham participando das atividades do Comitê. Isso porque a Carta de Princípios estabelecia pontos sobre os quais não havia acordo entre todos os grupos.

O ponto principal responsável pelo afastamento da maioria dos coletivos que vinham se aproximando do  Comitê foi um trecho que diz:

“Não consideramos que esse comitê seja um substituto dos (as) partidos ou organizações revolucionários (as), instrumentos estes de outro tipo e também necessários ao desenvolvimento do processo revolucionário. Tampouco podemos afirmar que seu surgimento ocorrerá a partir deste Comitê”.

Embora a Carta afirmasse que o Comitê não se propunha a formar um partido revolucionário, fazia do reconhecimento da importância dos partidos ou organizações revolucionárias, um dos critérios para a entrada no Comitê. Isso afastou todos aqueles que não concordam ou não querem discutir essa tese e criou uma grande desconfiança de que o Comitê era apenas uma manobra para formar mais um partido. 

Outros pontos polêmicos também fizeram com que a Carta de Princípios tomasse um caráter mais programático e, portanto, restrita a poucas organizações.

Ao final do processo de elaboração da Carta, o Comitê ficou reduzido a apenas 5 grupos de fato comprometidos com a sua construção ( POM – Partido Operário Marxista, Oposição Operária, Espaço Socialista,  Revolucionários em Luta e CEDS – Centro de Estudo Socialistas ). Por outro lado adotou o nome de Comitê Nacional de Luta Direta, pois havia uma esperança de que tomasse um caráter nacional, o que não ocorreu.

Foram tomadas algumas iniciativas importantes para a ampliação do Comitê, como a publicação de milhares de panfletos contra a Guerra ao Iraque e contra as Reformas, a realização do III Encontro da Esquerda Revolucionária no Fórum Social Mundial de 2003, a realização do 2° Ato Alternativo de 1° de maio na Praça da Sé, a panfletagem contra a Reforma da Previdência, o chamado a várias Plenárias para organização de jornadas de luta anticapitalistas, mas essas atividades não resultaram num crescimento orgânico ou da influência do Comitê. Apenas o CAS (Construção Ao Socialismo) ingressou ao Comitê a partir do IV Seminário, em março de 2003.      

Isso também se deve à própria concepção e modo de funcionamento do Comitê. Não conseguimos até agora desenvolver um trabalho de articulação com os outros grupos, coordenações e comitês que levasse a uma maior coordenação do movimento anticapitalista, ficamos numa postura um tanto auto-proclamatória, apenas de chamar os outros grupos para as nossas reuniões. 

Por outro lado, é um fato que, no interior do Comitê temos conseguido romper com a tendência sectária e dogmática predominante na esquerda e realizamos alguns Seminários com importantes debates, como: As Lições  dos Processos Revolucionários do séc XX, Os Problemas da Transição do Capitalismo ao Socialismo, A Situação do Capitalismo na Globalização, a Situação da Classe Trabalhadora Hoje, As Formas de Organização da Classe, A Questão dos Partidos ou Organizações Revolucionárias. Enfim todos os coletivos têm avançado em sua formação e no aprendizado de conviver com as diferenças, avançando no calor das discussões e da experiência.

É então a partir de todas essas reflexões e outras sobre os nossos acertos e erros, que temos que pensar numa forma de avançarmos para além da situação atual do Comitê.         

QUAIS AS PERSPECTIVAS?

Nos debates já iniciados a respeito de uma mudança no caráter do Comitê, alguns grupos já apresentaram propostas que tentam apontar um novo rumo em sua atuação.

Entendemos que essa é uma discussão em aberto, por isso, apresentamos abaixo a nossa interpretação e análise das propostas já feitas que, a nosso ver, possuem pontos positivos e também problemas. Ao mesmo tempo apresentamos nossa visão do que seria uma nova forma de atuação do Comitê.        

Com certeza, a grande tarefa do Seminário será a de construir uma síntese em base a essas e outras propostas.

1) A Proposta de formação de um partido revolucionário com frações.  

Essa proposta foi apresentada no último Seminário, se apegando na necessidade de uma organização revolucionária para disputar no movimento a influência a partir do desgaste do PT e inconseqüência de outras organizações como PSTU, Causa Operária, etc. Como um modo de preservar a democracia interna se propõe a existência permanente de frações internas, combinadas com método das decisões por maioria. Junto a essa proposta mais restrita vem outra de chamar à construção de um Comitê Amplo, que tenha apenas a tarefa de impulsionar a luta direta.   

Para nós, o problema da proposta de formar agora um novo partido ou organização revolucionária é que não leva em conta os enormes obstáculos existentes na situação e na consciência atual dos próprios revolucionários, a saber:  

1)             A não existência de um acúmulo nas discussões sobre o porquê fracassaram as tentativas de se construir partidos ou organizações revolucionárias e que tipo de organizações revolucionárias podem e devem ser construídas nos dias de hoje. 

2)             Grandes diferenças/indefinições político-programáticas entre os coletivos, alguns ainda buscando sua própria identidade,   consolidação e inserção social o que faz de cada organização um microcosmo particular em construção.

3) O grande desgaste e desconfiança da militância em geral com a idéia de formar já um partido, devido a todas as experiências mal sucedidas de funcionamento interno que levaram a rupturas, expulsões, baixarias de todo tipo, situação essa que, além de muita discussão das causas, necessitará de experiências bem-sucedidas de aproximação e  convivência em base a novas relações de confiança até que seja superada.

Enfim, a nosso ver, a proposta de formar um novo partido ou organização revolucionária, mesmo com frações,  seria precipitada, pelo menos a curto prazo, pois seguem pendentes um conjunto de questões sobre as quais há muitas diferenças ou discussões não realizadas e o mais provável é neste momento nos levaria a uma perda de energias, novas rupturas e a maiores frustrações e desgaste da militância.  

Com relação à proposta de formação de um Comitê Amplo de Luta Direta, concordamos e a defendemos abaixo.                    

2) Proposta no sentido de avançar para uma maior organicidade e atuação do Comitê para que se construa como um órgão coordenador das lutas diretas.

Essa proposta tem sido apresentada por outros companheiros e está pautada numa análise de tendência de desgaste do governo Lula e das direções tradicionais, crescimento das lutas diretas e de novos organismos de base e a necessidade de que o Comitê se coloque como seu coordenador e impulsionador.

Segundo os companheiros, para viabilizar essa nova atuação, o Comitê teria que realizar plenárias mensais abertas e reuniões quinzenais de sua coordenação, ter uma publicação pelo menos mensal, elaborar um plano concreto de atuação unitária nas principais lutas diretas e  um plano de arrecadação de finanças que pudesse viabilizar tudo isso.

Para nós, essa proposta também se apóia em uma necessidade real do movimento (a construção de uma coordenação entre as lutas diretas), mas superestima o ritmo de desenvolvimento da luta de classes, como também das forças do próprio Comitê que é composto por apenas 5 pequenos coletivos.

Para que essa proposta pudesse ser implementada agora, seria necessário que houvesse um processo de lutas e de organização mais desenvolvidos e que as principais forças que se pautam pela luta direta estivessem representadas e engajadas na construção do Comitê, o que daria a ele maior inserção e forças para a realização dessa proposta.

Essa situação não existe hoje. Ela tem que ser construída junto ao próprio movimento e não a priori, mesmo por que não isso é possível.

Caso tentássemos avançar por demais na organicidade e na atuação unitária somente entre os grupos que hoje fazem parte do Comitê, teríamos que fazer muitos esforços para poucos resultados. Além disso, estaríamos colocando em dificuldade, ou mesmo em risco, a existência das próprias organizações que compõem o Comitê, que são muito frágeis e necessitam se dedicar também a atividades do seu próprio funcionamento como reuniões,  atuação em seus trabalhos de base, suas publicações, sua formação, etc.

Temos que buscar a centralização possível dentro do desenvolvimento de nossas forças e do próprio ritmo de construção de um comitê mais amplo do que o atual.    

EM BUSCA DE UMA SÍNTESE…

Para nós o Comitê Nacional de Luta Direta precisa discutir a fundo a situação da luta de classes e prever ao máximo o ritmo de seu desenvolvimento, para identificar qual é o papel que lhe cabe e que pode cumprir nessa  situação.

Em primeiro lugar é verdade que a situação da luta de classes aponta para um agravamento da crise  econômica, do desemprego, do sofrimento dos trabalhadores, etc, mas não numa velocidade tão rápida (o Brasil não é a Argentina).

Além disso, devido à gigantesca crise de alternativas ao capitalismo, esse agravamento das condições de vida não aponta, diretamente e na mesma intensidade, no sentido de um ascenso, pelo menos neste curto prazo, pois as direções tradicionais do movimento se colocam como parte e sustentadoras do governo e ainda não surgiram novas formas de organização e direções que possam substituí-las.

A perspectiva mais provável num prazo de um a dois anos é de agudização gradual da miséria e desenvolvimento também gradual das formas de organização independentes dos trabalhadores, pelo que foi dito acima. Um processo de luta direta e organização espontânea mais veloz e profundo somente ocorrerá a partir de um agravamento maior da crise econômica, vide o exemplo da Argentina.                 

A partir dessa situação e do seu desenvolvimento mais provável temos que pautar nossa atuação. 

Antes de tudo, devemos reconhecer que o nosso Comitê não é um comitê nacional de luta direta, pois:

1)             por que não é nacional;

2)             por que não é um simples Comitê, pois possui vários pontos programáticos o que restringe a entrada muitos outros coletivos, e;

3)             seu caráter atual tem ido além de impulsionar a luta direta, tomando também um caráter de fórum de debates. 

Reconhecer que este Comitê não é nacional, sequer estadual, significa que se quisermos cumprir algum papel impulsionador da luta direta, teremos que agir com humildade, reconhecendo que há muitos outros grupos e comitês que também levam a luta direta, fora nós.

Plenárias ou reuniões que pretendam marcar ações unificadas devem ser construídas junto com os outros grupos e comitês e não chamadas unilateralmente por nós. Da mesma forma, as ações devem ser construídas de forma unificada desde o seu início em plenárias abertas a todos ativistas.

A ação de estreitar os laços em direção  aos outros coletivos, deve estar ter como conclusão organizativa a formação de um amplo Comitê Anticapitalista e de Luta Direta, sendo essas as duas únicas características delimitadoras da participação de coletivos e ativistas. A questão de formar ou não um partido não deve fazer parte dos posicionamentos deste comitê amplo.    

Para isso seria necessário procurar às organizações para propor e preparar juntos a realização de um ENCONTRO DOS GRUPOS E COMITÊS ANTICAPITALISTAS, BASEADOS NA LUTA DIRETA que tiraria propostas unitárias de ação e começaria a formação desse novo Comitê.

E COMO FICARIA O COMITÊ ATUAL?

Quanto ao atual Comitê Nacional de Luta Direta teria que deixar esse nome para assumir publicamente seu caráter atual que é o de  uma Frente de Coletivos Revolucionários, que está definida em base a pontos programáticos comuns – a  Carta de Princípios – e que não teria como objetivo – pelo menos a curto prazo, a formação de um partido – mas sim de se manter como uma Frente Programática que funcione por acordo e realize duas tarefas centrais:

 1) ser um dos impulsionadores da luta direta e da coordenação dos coletivos e comitês.

 2) Impulsionar a discussão teórico/programática dentro e fora dessa Frente, a respeito dos temas ligados à realidade da luta de classes, à revolução e ao socialismo.

Esta segunda tarefa é outra das mais importantes e devemos fazer um esforço para realizar essas discussões  na melhor qualidade possível e também levá-las para fora da própria frente, pois a reconstrução da teoria revolucionária é uma necessidade da vanguarda do movimento como um todo.