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O grito Guarani-Kaiowá e o riso do agronegócio

O mês de outubro de 2012 testemunhou o desesperado grito Guarani-Kaiowá chamar a atenção nas redes sociais e furar o bloqueio da imprensa. Veio à tona o problema das condições de vida dos indígenas no Brasil, através de seu caso mais grave no país: o conflito entre latifundiários e os Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Foi através de uma carta-denúncia que a situação atingiu tal repercussão, circulando pelas redes sociais e escancarando um problema que acontece há décadas. Um trecho da carta:

(…) pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais.

Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal, Assim, é para decretar a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e para enterrar-nos todos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem morto e sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo de modo acelerado. (…)

Esta carta ecoou como um grito de desespero emitido pela comunidade Guarani-Kaiowá, a todos os ouvidos atentos. Circulou pelas redes sociais e parou na mente de trabalhadores que se identificaram com a luta deste povo.

Ao mesmo tempo, seu grito demonstrou também o estreito laço entre o judiciário, a imprensa e o agronegócio.
Esta é uma questão tão complexa que soa estranho até ser chamada de conflito, uma vez que entre os fazendeiros sulmatogrossenses e a população indígena das diversas etnias sobreviventes é somente esta última que sofre as consequências do dito conflito.

O “X” DA QUESTÃO

Uma pequena amostra dos números nos dá uma ideia de que muita dor ainda será infligida àqueles que assumem sua ancestralidade indígena e tem disposição pra sustenta-la até as últimas consequências.

Atualmente em Mato Grosso do Sul sobrevive a segunda maior população indígena do Brasil, com 73.295 remanescentes (IBGE 2010, 1º Amazonas, 108.080), e é nesse espaço físico que o agronegócio avança.

Os estímulos federais via PlanoSafra (o que só demonstra a aliança agronegócio e governo federal) aumentaram os recursos destinados ao setor de R$ 93 bilhões na safra 2009/2010 para R$ 115,2 bilhões na safra 2012/2013. Ao mesmo tempo em que a falta de recursos para a FUNAI realizar os estudos necessários gerou, em 2009, a desculpa necessária para o desembargador Luis Stefanini, do TRF 3ª Região suspender a demarcação das terras indígenas. Simples equação: Sem dinheiro, sem estudo, sem demarcação, mais terra para o agronegócio, mais dividendos para os acionistas.

De acordo com a estimativa de safra da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) em 2012 o Brasil produzirá 165,9 milhões de toneladas de grão, 1,9% a mais do que na safra anterior, só em Mato Grosso do Sul, o aumento foi de 22,9%. Se considerarmos a área plantada percebemos a fome de terra nesse estado, pois o crescimento nacional foi de 2% enquanto que das cercas sulmatogrossenses o aumento foi de 12,8%, ou seja, mais de seis vezes a média nacional.

Tal boom agrícola reflete tanto no mercado imobiliário que em maio de 2011 o estado sofreu um aumento médio de 30% no valor da terra em relação a 2010, sendo que esse índice chegou a 100% no norte do estado, de acordo com o Sindicato dos Corretores de Imóveis de Mato Grosso do Sul.

OLHANDO NO MAPA

E é na hora de esticar o mapa que a contradição salta os olhos. Se as terras indígenas demarcadas no estado ocupam 6.782 km² (FUNAI 2011) podemos fazer uma conta tosca e morrermos de vergonha por nunca termos pensado nisso: Para tanto, basta dividir a população indígena de 73.295 no território que o “civilizado” estado brasileiro demarcou e teremos 10,8 sobreviventes por Km². O absurdo é tanto que o rebanho bovino para ter uma produtividade mediana necessita de 3 a 5 KM² por cabeça.

E o que dizermos de nações inteiras com idiomas, costumes, rituais, concepção de mundo, tempo e espaço completamente diferentes entre si limitados por um estado com instituições e indivíduos que nem param pra pensar nisso? Que dizermos também da diferença cultural entre um universo formado fora do que habituamos chamar de “mundo ocidental”? Qual seu espaço vital?

É dentro dessa lógica nefasta que 60 famílias Kadiwéu estão sendo retiradas pela Polícia Federal de uma área de cerca de 160 mil hectares de terra indígena demarcada em 1900 e homologada em 1984, no município de Porto Murtinho, na região do Pantanal do Mato Grosso do Sul. Tal área fica dentro da Terra Indígena (TI) Kadiwéu e mesmo assim sofre ataque do judiciário que concedeu liminar de reintegração de posse, e claro, já foi cumprida. Nessas questões a “justiça” nunca tarda!

…E A SITUAÇÃO AINDA PODE PIORAR!

Não bastasse todo o já sofrido, o deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR) apresentou substitutivo ao Projeto de Lei 1610/96, que dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas. Entre tantos ataques que o capital já fez sobre as populações originárias acrescentasse mais esse: “Qualquer interessado” poderá requerer ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) o direito de minerar qualquer terra indígena no Brasil, além da anulação de qualquer direito sobre mineração concedida antes da promulgação desta nova lei.

Ou seja, as nações que ainda não obtiveram reconhecimento continuaram sofrendo ataques de pistoleiros a mando do capital e a demora do judiciário e as que já arrancaram esse reconhecimento do estado brasileiro sofrerão assédio das companhias mineradoras, além de perderem toda e qualquer salvaguarda constitucional.

Num cenário de crise mundial, os grandes bancos e seus acionistas precisam garantir novas fontes de lucro e rentabilidade. As velhas guerras no Oriente Médio já não são suficientes, então resta o rico território indígena dessa pobre país emergente.

ORGANIZAR E RESISTIR

Compreendemos que o conflito pelo qual passam os índios Guarani-Kaiowá não é isolado, mas parte de um todo. A lógica do lucro a todo custo beneficia pouquíssimos indivíduos enquanto que colocam a maior parte da população em situação de medo, insegurança e preocupação. Um exemplo disso é a seguinte contradição: se a quantidade de terras cultivadas pelo latifúndio aumentou, por que o preço dos alimentos só sobem?

O problema está em que, os meios que deveria ser utilizado para resolver os problemas materiais do conjunto da sociedade (estes meios são: máquinas, ferramentas e terra) são hoje dominados por um conjunto mínimo de indivíduos. Os latifundiários, por exemplo, só querem saber de plantar soja e cana-de-açúcar. Nós, trabalhadores, simplesmente vendemos nossa força de trabalho a estes poucos proprietários, mas são eles que decidem o que fazer com as forças produtivas, não interessando o benefício da população, mas seu lucro.

Essa forma de organização é inerente ao sistema capitalista. Devemos propor uma nova forma de organização, onde os trabalhadores (que produzem a riqueza do mundo) detenham os controles da produção e a direcionem para o benefício do conjunto da sociedade.

Para isso, é necessário organizar-se, resistir e lutar pela derrubada do capitalismo, rumo a uma sociedade socialista. Nesse sentido, o combate ao agronegócio, bem como a todas as suas expressões políticas e institucionais, seja no Judiciário, no Executivo e ou no Legislativo, deve ser realizado sem trégua por todos aqueles que lutam por uma sociedade que supere o capitalismo.

Aos Guaranis-Kaiowás nossa solidariedade e disposição de luta!

Novembro de 2012

 

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