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Jornal 80: O que é o desemprego?


18 de julho de 2015

Em nossa sociedade, o desemprego é uma maldição tão frequente quanto o Sol nascer a leste. Acompanha a vida de todos os trabalhadores, geração após geração. Já houve época, principalmente nos anos de 1950 e 1960, que muitos trabalhadores ficaram iludidos de que o desemprego estava para desaparecer. Eram anos em que se acreditava nas promessas do Estado de Bem-Estar e da União Soviética. Um enorme número de trabalhadores, quase sempre iludidos por suas lideranças sindicais e políticas, nutriam a certeza de que o desemprego seria logo, logo, coisa do passado. Para eles, a dúvida não era se o desemprego estaria desaparecendo, mas se desapareceria pelo modelo da Economia Soviética ou pelo Estado de Bem-Estar.2

A história tem a virtude de, logo, colocar as coisas no seu lugar e destruir as ilusões, mesmo as mais generosas.

Com o passar dos anos, o Estado de Bem-Estar foi revelando a sua verdadeira essência: através do fordismo, intensificou a exploração da força de trabalho até um nível nunca conhecido antes. Para tornar essa maior exploração possível, reprimiu o movimento dos trabalhadores como nunca antes havia ocorrido na história das democracias e, ainda, implementou um longo programa político para atrelar os sindicatos ao Estado. Aumentou a exploração dos trabalhadores, não apenas nos países capitalistas mais desenvolvidos, imperialistas, mas também nos países subdesenvolvidos através das multinacionais (Brasil, México, Argentina, Irã, África do Sul etc.). Como resultado, a burguesia concentrou ainda mais a riqueza em suas mãos e, o desemprego, foi aumentando no correr dos anos.

As ilusões com a União Soviética também não resistiriam à história. O que parecia, para muitos, a redenção da humanidade dos males da sociedade de classes, se revelou uma forma diferente de desenvolvimento do capital em países atrasados (como a velha Rússia dos czares). O fim da União Soviética revelou uma nova forma, que não socialista, da velha exploração do trabalho pelo capital. Lá também, o desemprego não foi superado.

 

Com o tempo passam as ilusões, mas, também, as gerações se sucedem

Os que têm hoje menos de 40 anos de idade, a maior parte da população, não viveram essas ilusões de que o desemprego estaria com os dias contados. Pelo contrário, convivem com a crise estrutural do capital. A crise estrutural tem sua origem no que o capitalismo tem de maior virtude: sua capacidade em aumentar a produção ininterruptamente. Em pouquíssimas palavras, como a produção é sempre maior do que o consumo, os preços tendem a cair abaixo do custo, inviabilizando a acumulação de capital e lançando a sociedade em uma crise sem fim. A crise estrutural, que se iniciou na metade da década de 1970, não tem data para terminar. A única certeza que ela nos possibilita é que, se a situação hoje é ruim, muito pior será no futuro. Isso, claro, também vale para o desemprego: tal como tendem a piorar a violência, as desigualdades sociais, a Educação, os serviços de saúde, transporte etc., também o desemprego tende a crescer.

Por todos os lugares, por todo o tempo, o desemprego sempre acompanha o capital. As ilusões passadas no Estado de Bem-Estar e na União Soviética, e as ilusões presentes de que há saída para o desemprego sem superar o capitalismo, não passam disso: ilusões.

 

Sejamos razoáveis!

Hoje não podemos sequer confiar nas estatísticas oficiais. Elas apenas consideram como desempregados os trabalhadores que procuram, mas não encontram empregos. O número real de desempregados é muito maior, já que uma parte dos desempregados não mais procura emprego, vive de bicos, na informalidade (as atividades semiclandestinas de comércio, etc.) ou, ainda, na ilegalidade (drogas, armas, furtos e roubos etc.). O que podemos ter certeza é que a quantidade é enorme e tende a crescer.

Caro leitor, raciocine: se, com tanta gente sem emprego, produzimos muito mais do que necessitamos para todos viverem muitíssimo bem, calcule o pouco que teríamos que trabalhar se todos trabalhassem!

O razoável não seria, nessa circunstância, diminuir a jornada de trabalho de tal modo que todos pudessem trabalhar? Imagine se, ao invés de 5 ou 6 dias, trabalhássemos 2 ou um dia e meio por semana: a vida não seria, imediatamente, muito melhor para todos? Caso todos tivessem emprego, a violência não diminuiria rapidamente? O transporte não melhoria tendo que transportar muito menos trabalhadores, todos os dias, para o emprego? A vida familiar de todos não teria uma qualidade muito melhor?

No entanto, o que ocorre é precisamente o oposto! É, justamente, o contrário: obrigam-nos a trabalhar ainda mais intensamente para que possam despedir ainda mais gente! A chamada “reestruturação produtiva” não é, precisamente, isso: produzir muito mais, com muito menos trabalhadores?

Ao invés de diminuir a jornada de trabalho para todos terem emprego, aumenta-se a intensidade do trabalho de uns para desempregar a outros tantos mais! “Se isso não é uma loucura coletiva, está muito perto de virá”, como diria Patativa do Assaré, o maior repentista que o nordeste jamais conheceu.

Não termina por que nós produzimos para enriquecer os capitalistas, não produzimos para atender nossas necessidades. Ou, para dizer o mesmo com outras palavras, vivemos em uma sociedade em que as nossas necessidades são apenas meios para que os burgueses se enriqueçam. Ou, se preferirem: em nossa sociedade, só são atendidas aquelas necessidades humanas cujo atendimento é lucrativo. Enfim, porque vivemos no modo de produção capitalista.

O interesse absoluto de todo capitalista é aumentar o lucro. Atenção: aumentar o lucro e, não, mantê-lo estável. Porque vence a concorrência aquele burguês que conseguir maior lucro que os outros. Como todos estão procurando aumentar seu lucro, quem não consegue aumentar seu lucro, logo vai à falência. Aumentar o lucro: esse o interesse absoluto de todo capitalista, sua necessidade primeira.

O lucro, todavia, é composto de coisas bastante distintas. Há o lucro do banco, que vem da diferença entre os juros que ele paga e os juros que ele cobra. Há o lucro do comércio, que vem da diferença entre o preço pago pelas mercadorias e o preço com que se as vende.

Mas, a sua forma mais importante, porque vem da produção de toda a riqueza da sociedade, é a mais-valia do operário da cidade e do campo. A mais-valia é a diferença entre a riqueza produzida pelo trabalhador e o que ele recebe como salário. É dessa diferença que o capitalista paga os custos da produção e retira a riqueza que vai aumentando seu capital. O salário, ao contrário, no melhor dos casos, apenas permite ao trabalhador pagar suas despesas para continuar como trabalhador e para, seus filhos, serem também trabalhadores.

Quanto maior a quantidade de riqueza que o trabalhador produzir em comparação ao salário que recebe, maior a mais-valia. Do mesmo modo, quanto maior a riqueza que uma fábrica (ou latifúndio) produzir com cada vez menos trabalhadores, menos salários são pagos: maior a mais-valia do burguês. Por isso, a “lei geral da acumulação capitalista” inclui o fato de que “todo capitalista tem interesse absoluto de extrair determinado quantum de trabalho de um número menor de trabalhadores” (Marx, O Capital, “A lei geral da acumulação capitalista”).

A tendência geral do desenvolvimento do capitalismo, por isso, é aumentar cada vez mais a produção e, ao mesmo tempo, empregar cada vez menos trabalhadores, através do aumento constante da produtividade de cada trabalhador. Por isso, com o capitalismo, sempre vai haver mais trabalhadores do que empregos. Uma parte importante dos trabalhadores estará permanentemente no desemprego, dando origem ao que Marx chamou de “exército industrial de reserva”.

 

O exército industrial de reserva

Ao capitalista, quanto mais ele produzir com menos trabalhadores, maior seu lucro. Daqui a causa básica do desemprego ser algo permanente no capitalismo, mesmo em períodos em que o crescimento econômico gera uma maior procura por trabalhadores. O desemprego faz parte da “lei geral da acumulação capitalista”. Essa massa de trabalhadores sem emprego, dispostos a qualquer trabalho em troca de qualquer salário, é o que Marx denominou de “exército industrial de reserva”.

O jovem Engels, ao entrar em contato com Londres no início do século 19, fez um belíssimo estudo sobre as condições de trabalho, vida e moradia dos trabalhadores e operários de então. A descrição que ele faz da cidade (há mapas de Londres daqueles anos que nos permitem localizar as ruas e quarteirões, bairros e parques que ele menciona) impressiona a todos, ainda hoje, século e meio depois. O destino daqueles homens e mulheres, velhos (poucos) e crianças (muitas) era tentar conseguir vender sua força de trabalho para viver como porcos – ou, ainda pior, não conseguir emprego e viver pior do que os porcos. Esse destino era já a encarnação de um dos aspectos da “lei geral da acumulação capitalista”: o capitalismo e o desemprego não são sinônimos, mas são como que irmãos siameses. Um não pode viver sem o outro.

O exército industrial de reserva exerce dois importantes papéis na reprodução do capital. O primeiro papel é diretamente econômico, o segundo ideológico e político.

O valor da força de trabalho corresponde ao tempo de trabalho socialmente necessário para a manutenção da vida do trabalhador. Mas, o preço da força de trabalho, pode estar acima ou abaixo desse valor de acordo com a lei da oferta e da procura. Se há mais trabalhadores procurando emprego do que vagas oferecidas, o capitalista pode contratar o trabalhador mais habilidoso pelo menor salário.

Por isso, o exército industrial de reserva não é; apenas, uma decorrência do fato de que quanto mais se produzir, com uma quantidade menor de trabalhadores, maior a mais-valia. É também um poderoso instrumento que possibilita ao patrão pagar o menor salário ao melhor trabalhador que conseguir no mercado. Por isso, desde o século 19, o Estado – lembremos: o comitê executivo do conjunto da classe dominante – toma medidas para administrar o tamanho ideal do exército industrial de reserva. Se os desempregados não forem em número suficiente, a mais-valia tende a cair porque os salários tendem a subir; se for em demasia, pode provocar revoltas sociais indesejadas. Através do favorecimento ou proibição da entrada de trabalhadores estrangeiros, através das políticas de estímulo ou de controle do aumento da população, do seguro-desemprego etc., o Estado pode, com alguma eficiência, controlar a massa de desempregados sempre presente na economia.

A primeira consequência, dizíamos, era diretamente econômica: a presença do exército industrial de reserva derruba o salário e, correspondentemente, aumenta a mais-valia. O desemprego é lucrativo ao patrão e ao sistema do capital como um todo.

A segunda consequência é o reflexo do desemprego na consciência, na luta e na organização dos trabalhadores. A perseguição aos trabalhadores revolucionários é muito mais fácil, e o poder de pressão do patrão sobre todos os trabalhadores é muito mais eficaz, quando há muitos trabalhadores procurando emprego. Por nada, vem o aviso de dispensa. Mas, quando faltam trabalhadores, a situação é diferente.

Por isso, o poder de reação dos trabalhadores varia conforme aumenta ou diminui o exército industrial de reserva. Quando faltam trabalhadores e os salários estão subindo é mais fácil para o movimento dos trabalhadores conseguir pequenas vitórias, como redução da jornada de trabalho, melhores salários, etc. Então, é possível, em cada empresa, em cada lugar de trabalho, a vitória pontual de pequenas e localizadas lutas. É, também, o momento em que crescem as ilusões reformistas, ou seja, a crença de que, de pequenas em pequenas conquistas, chegaremos a nos libertar do capital.

Todavia, quando falta empregos e os trabalhadores é que são em demasia (como ocorre durante a crise estrutural), o oposto acontece. A única resistência possível é a do conjunto dos trabalhadores, unidos, contra o capital. Individualmente, ou isoladamente em cada local de trabalho, apenas se pode acatar, como carneiros, o que foi determinado pelo patrão. Nesses momentos, aos trabalhadores não restam senão duas alternativas: a completa rendição ou a revolta aberta.

É aqui que os sindicatos – em nossos dias e falando em geral, deixando de lado as exceções – dominados pela aristocracia operária, jogam um papel importante de auxílio à burguesia. Sempre que a luta dos trabalhadores ameaça passar a um confronto aberto contra a exploração, quase sempre os sindicatos agem para isolá-las e derrotá-las. Foi assim na grande greve de 1936, na França, nas greves de 1967-68, na Inglaterra e na França, na greve de um ano (1984-85) dos mineiros ingleses contra Margaret Thatcher e, entre nós, na greve dos Petroleiros de 1995, contra as políticas neoliberais do FHC e na greve do funcionalismo público no primeiro governo Lula, contra a reforma da previdência. Os exemplos podiam servir para uma longuíssima lista e, provavelmente, a maioria dos leitores conhecerão outros exemplos.

Quando negociamos com o capital o desemprego de alguns de nossos companheiros de trabalho, negociamos o desemprego futuro de todos os trabalhadores. Dividido, o proletariado não tem qualquer força para resistir ao capital. Na luta de classes, quem pode o mais não pode o menos. Os trabalhadores e o proletariado, unidos, podem destruir o capital, mas, divididos, sob o domínio do capital e da aristocracia operária que é sua aliada, não conseguem sequer diminuir o desemprego ou mesmo, forçar uma pequena distribuição da riqueza social.

Portanto, o desemprego: 1) é causado pela necessidade absoluta do capital, de ampliar a mais valia pelo aumento da produção com um número decrescente de trabalhadores; 2) possui também a função econômica de reduzir os salários; 3) ainda auxilia os patrões e seus aliados no movimento sindical e político a controlar os trabalhadores, a enfraquecer suas lutas e faz com que os trabalhadores e proletários permaneçam divididos e debilitados, favorecendo a consciência “economicista” (Lenin), reformista e fortalecendo as lideranças que apregoam a colaboração de classe.

Mas, por outro lado, o desemprego também tem uma consequência inversa. Em vários momentos da história, foi uma das causas importantes da eclosão de movimentos revolucionários. Essa possiblidade sempre existe, e amedronta a burguesia e seus aliados, porque o desemprego não deixa aos trabalhadores senão uma possibilidade para se libertar da miséria e da opressão: derrubar a totalidade do capital e se libertar da exploração de classe. O desemprego, nesses momentos, passa a ser uma poderosa vacina contra as ideias reformistas e favorece a divulgação das ideias revolucionárias. Alguns sindicatos e o capital farão tudo o que puderem para combater a ideologia revolucionária, mas, já sabemos, isso, também, faz parte da luta de classes, não é verdade?

 

Textos recomendados:

Engels, F. A situação da classe trabalhadora inglesa. A melhor edição é da Boitempo, organizada por José P. Netto.

Marx, K. “A lei geral da acumulação capitalista”, um capítulo do Livro I de O Capital. A melhor edição é da Abril Cultural (depois denominada de Nova Abril). A edição mais recente, da Boitempo, está com muitos problemas.

Sobre o fordismo, ainda que não muito recente, o livro de Thomas Gounet, Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel (Boitempo, 1999) continua sendo muito bom para uma introdução.