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Jornal 74: A desafiante juventude de Hong Kong


27 de novembro de 2014

HONG KONG-CHINA-POLITICS-DEMOCRACY
Desde julho milhares de estudantes participam de manifestações e boicotam as aulas (não a aprendizagem) em Hong Kong para participarem ativamente das decisões políticas do país.
São jovens universitários e secundaristas, a partir de 13 anos, que amargam a dura violência policial – como a que temos vivido no Brasil com a repressão às manifestações e presenciado em várias partes do mundo nesses últimos tempos – mas estão protagonizando a jornada de lutas chamada de “Revolta do Guarda Chuva” (usado pelos ativistas para se protegerem do gás de pimenta).
Lutam contra a decisão do parlamento chinês que aprovou uma medida limitando o número de candidatos a chefe de Estado para a eleição de 2017 em Hong Kong. No pleito poderá ter apenas dois ou três candidatos que, para concorrerem, deverão ter sido aprovados anteriormente por um Comitê Consultivo, de 800 representantes de setores econômicos e sociais, instituído pelo governo da China, possivelmente controlados politicamente pelo governo chinês.
E exigem, dentre outras pautas, a democratização das eleições, o sufrágio universal com voto direto, o fim da corrupção nos serviços públicos e a renúncia do chefe de Estado de Hong Kong.

A REALIDADE QUE PRESSIONA

Hong Kong é uma região administrativa da China e possui o status de “país com dois sistemas”. Foi colônia do Reino Unido até 1997 e devolvida para a China. A partir do acordo, a China, mantém seus órgãos de defesa e as políticas externas, mas garante a preservação em Hong Kong do sistema econômico e do modo de vida até 2047.
É considerado um dos maiores centros financeiros internacionais e pela localização geográfica é por onde passa a maior parte das exportações chinesas. No entanto, enfrenta a desaceleração da economia. De 2012 para cá o crescimento do PIB vem caindo com projeção negativa para 2014. Mais de 1 milhão de pessoas vivem na linha de pobreza, que é igual a metade dos rendimentos médios. Os trabalhadores estão com os salários estagnados há anos (não acompanham o aumento da inflação e nem do custo de vida). Não existem leis que regulem a jornada de trabalho, hoje de 49 horas semanais.
A maioria dos sindicatos é controlada por forças políticas ligadas ao governo chinês, mas a partir das lutas dos últimos anos têm surgido novos sindicatos independentes, que são financeiramente pequenos e não conseguem ainda a adesão suficiente de trabalhadores. Mesmo assim, a Confederação dos Sindicatos de Hong Kong (HKCTU), independente e com raízes no movimento operário, chamou uma greve em apoio aos protestos.
Por outro lado, na China, que não é comunista coisa nenhuma – onde a estatização favorece um pequeno setor da sociedade (burocracia e burguesia), a classe trabalhadora é mantida sob intensa exploração e sob controle à custa de duras medidas antidemocráticas, que retiram o direito de livre organização e manifestação, também não controla os meios de produção e de distribuição da riqueza produzida no país – o governo condena os protestos e busca fortalecer o governo de Hong Kong, sobretudo para evitar que se estendam pela China, por Taiwan, Macau e Tibete. Embora, em Macau, cerca de 500 ativistas já tenham se manifestado em solidariedade aos estudantes.
A partir da repercussão internacional e do apoio popular às mobilizações, o governo chinês recuou na intensidade da repressão, muito forte nas primeiras manifestações, para evitar comparação com da violência policial atual à do episódio do massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, mas acionou a repressão “extra-oficial” das milícias pró-Pequim.

AS DIFICULDADES NA LUTA

Alguns desses manifestantes já haviam participado dos protestos de 2012, quando mais de 100 mil tomaram as ruas contra uma reforma na Educação que alteraria o currículo, estimularia o patriotismo e implantaria um programa de Educação Moral. Ocuparam a sede do governo até a derrubada do projeto de Reforma.
Esse ano, além do enfrentamento direto dos manifestantes com a repressão, com o governo chinês e com o governo de Hong Kong os ativistas enfrentam também problemas entre os ativistas.
Como no Brasil e em várias outras manifestações pelo mundo o rumo político, os métodos de luta, contra quem e contra o que lutar são questões fundamentais para não corrermos o risco de seguir à direita. No caso de Hong Kong parte dos ativistas não assume a pauta da transformação social do ponto de vista daqueles que produzem a riqueza do país e que compõem a classe trabalhadora. Alguns estão à direita e o discurso favorece a divisão e não a unidade da luta. Isso é importante para a burguesia, que precisa dos estudantes e trabalhadores divididos para continuar explorando.
A Federação dos Estudantes de Hong Kong (HKFS), a Occupy Central with Love and Peace” (OCLP), Paixão Cívica e Nativists são organizações que estão nos protestos. Estas duas últimas pregam o racismo contra China. A segunda é dirigida por professores. E a HKFS esteve à frente e construiu o protesto – com meio milhão de pessoas e a organização da ocupação de Julho – em que 511 pessoas foram presas, e em setembro chamou uma semana de greves estudantis em que teve apoio massivo com mais de 200 mil pessoas nas ruas.
Embora tenham organizações de esquerda anticapitalistas e antigovernistas à frente das manifestações, não possuem força suficiente para ampliar a luta para além das demandas eleitorais, mas agitam a necessidade de expandir e unir o movimento com greves operárias e a luta por democracia para o restante da China e Tibete. Esse período de manifestações estudantis expressa um processo de lutas que inclui setores operários, como a greve portuária, em 2013, que durou seis semanas. E se a luta se alastra as já muitas lutas dos trabalhadores chineses podem ganham um novo impulso.

A FALTA DA ALTERNATIVA SOCIALISTA NOS MASSACRA

Os estudantes universitários adotaram o lema “boicote às aulas, não à aprendizagem” e organizam conferências públicas em frente à sede do governo com professores e outros simpatizantes fazendo as intervenções. Os que não participam ativamente dos protestos se identificam através de fitas (amarelos apóiam o movimento, azuis apóiam a polícia e verdes são neutros dizem amar todas as pessoas de Hong Kong) e organizam ações de apoio para arrecadação de água, remédio, serviço médico, etc.
A luta tem sido longa e árdua. E verdadeiramente se repete nas várias partes do mundo com a juventude. Diferem as pautas, igualam as necessidades.
Não consideramos a China como socialista e nem comunista, pelo contrário, é um país capitalista e com a burocracia estatal se apropriando, junto com a burguesia, do que é produzido pelos trabalhadores com uma brutal exploração e controle do poder com mão de ferro.
E Hong Kong é o bom exemplo da necessidade de superação do capitalista, da burocracia e da necessidade dos trabalhadores assumirem o poder e o controle das decisões que dizem respeito a nossas vidas.
A luta por conquistas imediatas ou democráticas, com toda a importância, possibilitam-nos avanços, não transformam as nossas vidas. Isso pudemos observar, por exemplo, na experiência da “Primavera Árabe” em que o movimento se limitou à luta democrática enquanto que setores burgueses (e até do imperialismo) se apropriaram dessa bandeira e conquistaram a direção política do movimento.
Com o avanço das ideias e das organizações de direita e fascistas – que buscam retroceder em qualquer conquista da classe trabalhadora, incentivam o racismo e a xenofobia entre trabalhadores, dentre outras questões, para manter a sociedade controlada de cima a baixo beneficiando a burguesia – em Hong Kong pode-se dar algo parecido.
Em todos os momentos das últimas lutas e manifestações da juventude, em várias partes do mundo, temos nos deparado com as mesmas questões: A ausência da consciência de classe e de esquerda, a ausência da classe operária como sujeito político desses processos, a não unidade nas lutas das organizações anticapitalistas, antigovernistas e antiburocráticas e a ausência da alternativa socialista facilitam o trabalho para que as correntes burguesas se apresentem como direção para derrotar a mobilização.
Mesmo com as contradições e os limites das lutas, a juventude no mundo tem dado um novo impulso a todas essas manifestações. Somente com as lutas xs filhxs da classe trabalhadora irão aprendendo com os seus erros e acertos, fazendo experiências com as direções dos movimentos para se construírem como vanguarda classista e independente para dar saltos pela construção de uma alternativa socialista.
É urgente que filhxs da classe trabalhadora se reconheçam como parte da classe para que em cada ação consciente a dosagem de coragem, criatividade e força espalhadas pelo mundo possa fazer ruir esse sistema de exploração que nos obriga a despender de toda a nossa energia com sua barbárie.