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Jornal 44: Julho/Agosto de 2011


9 de agosto de 2011
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Leia as matérias online:

 

CRESCEM AS LUTAS CONTRA A EXPLORAÇÃO. O QUE FALTA AOS TRABALHADORES?

A situação econômica segue ainda muito contraditória, se de um lado pode-se verificar uma pequena retomada do crescimento econômico em países centrais como os Estados Unidos (2,9%) e a Alemanha (3,6%), de outro lado, países como a Grécia, Irlanda, Portugal e outros têm suas bases econômicas totalmente questionadas. Há que se acompanhar a situação econômica mundial para ver como se desenvolve a economia e podermos fazer uma caracterização mais consistente.

De todo modo, faz-se necessário reforçar a constatação de que as dificuldades econômicas da economia capitalista têm servido de impulso para uma ação política da burguesia de ferozes ataques a direitos históricos conquistados pela classe trabalhadora, e onde a Grécia é o melhor exemplo, com programas de austeridade contra o conjunto da classe trabalhadora.

Qualquer crescimento mais consistente está subordinado à capacidade de a burguesia conseguir impor derrotas à classe trabalhadora. Como o capital só pode se reproduzir com o máximo de apropriação de trabalho alheio, o próximo período deve estar marcado por tentativas de todo tipo para “empurrar goela abaixo” os seus planos.

O caso mais emblemático é o chamado “Pacto do Euro”, apoiado por 27 países da Zona do Euro, que consiste num conjunto de medidas econômicas e políticas que visam garantir todas as condições necessárias para o capital se valorizar. Esse pacto busca introduzir a renegociação dos acordos, salários de acordo com índices de produtividade, renúncia fiscal do Estado, reforma dos sistemas de previdência, privatizações, controle de gastos públicos – menos serviço público para a população – e outras medidas.

Essas são demonstrações de que os chamados crescimentos da economia capitalista só podem ocorrer se conseguem fazer com que as leis de exploração do capital sejam aplicadas. Para ter crescimento, a economia capitalista necessariamente precisa aumentar a pobreza dos trabalhadores.

Desde os primeiros debates a respeito da caracterização da crise econômica mundial de 2008-2009 temos sustentado que, mesmo que a economia volte a se recuperar, a tendência é que esse crescimento seja cada vez mais frágil, pois o sistema ainda não resolveu os elementos estruturais de sua crise, como a necessidade de ampliação do mercado para os patamares de sua capacidade de produção, a redução do nível de endividamento dos trabalhadores, a redução dos custos de produção em todo o planeta e, sobretudo, uma maior independência do capital produtivo em relação ao financeiro. Esse último se apresenta como uma contratendência do capital e sua crise também representa uma contradição, na medida em que não possui a capacidade de criar valor, base do sistema de reprodução do capital.

Também temos sustentado que as medidas que o capital adotou são em si limitadas, pois seu efeito até esse momento foi empurrar para frente as contradições. De todo modo, a tendência é que as crises cíclicas tenham um intervalo cada vez menor entre si, e que as próximas sejam mais graves que as anteriores. Foi assim com as crises de 1998, 2001 e agora 2008, com maiores consequências de uma para outra.

Se há um elemento que mudou na situação política mundial é o papel da classe trabalhadora, com o retorno de lutas envolvendo milhões de trabalhadores. O qualitativo está no fato de que ocorrem em países que representam o coração do sistema, como é o caso das lutas cada vez mais radicalizadas dos trabalhadores da Grécia, Espanha e outros países da Europa.

Mesmo com o fato de os governos terem em geral conseguido aplicar as políticas que propõem, não podemos desprezar essa novidade na luta de classes. Além de dificultarem as coisas para a burguesia, surge também a possibilidade do desenvolvimento da consciência, abrindo uma oportunidade impar, e que não víamos há muito tempo, para a esquerda revolucionária. A experiência concreta desses trabalhadores com o capitalismo pode criar as condições de uma nova etapa na subjetividade dos trabalhadores em nível mundial. Essas lutas são campos férteis para o desenvolvimento das idéias socialistas e é por isso que a burguesia treme com elas.

O ressurgimento da direita

Uma característica das crises econômicas profundas, como é a crise estrutural do capital, é o aumento de conflitos que expressam uma disputa que vai além das questões econômicas. Em artigos anteriores já tínhamos destacado a questão de que essa crise não era apenas uma crise econômica, mas uma crise societal se manifestando em diversos aspectos da vida social.

Xenofobia, atos de racismo e homofobia praticados por grupos fascistas, as manifestações de deputados como Bolsonaro e Miriam Rios, de cunho racista e homofóbico, reorganização de grupos nazi fascistas (em SP até tentaram organizar um ato) e tantas outras manifestações expressam de certa maneira uma disputa envolvendo projetos completamente distintos de mundo. São manifestações que estavam na base do desenvolvimento de regimes como o nazista. Esse processo é seguido por um aumento da criminalização do movimento social e a volta dos assassinatos cruéis, como os do Pará, no campo, praticados pela UDR e seus cúmplices.

 Na Europa também há várias dessas manifestações, inclusive com a direita crescendo eleitoralmente em vários países, dando-lhes uma base de apoio de massas. Nesse continente, o crescimento da direita também pode ser explicado com o papel desempenhado pelos partidos “de esquerda” (socialistas, social-democratas), totalmente vinculados ao sistema e que em muitos casos, como o espanhol, foram os primeiros a aplicarem as receitas neoliberais do FMI e de outros órgãos do capital como o Banco Mundial.

A crise de alternativa socialista, período histórico marcado pelo descrédito nas idéias socialistas e na própria esquerda revolucionária, é mais um importante elemento desse processo e facilitador do reaparecimento das idéias e ações fascistas. Em suma, a direita tem procurado ocupar um espaço a partir da falta de uma perspectiva que possa representar de fato algo novo para os trabalhadores, para a profunda crise social, e para a desilusão de um setor importante da classe nas “falsas alternativas” como PT, chavismo e o castrismo.

Não estamos dizendo que entramos em um período fascista, mas que há manifestações, com diversos níveis de desigualdades, que não podem ser ignoradas. Detectar esse processo é importante principalmente por nos obrigar a pensar em formas unitárias de organização e autodefesa dos movimentos em geral e da esquerda, e em particular como requisito de preservação da vida dos militantes e dos trabalhadores nos conflitos com o capital.

A economia do governo Dilma

O chamado crescimento econômico brasileiro tem como base o financiamento público, com forte participação do BNDES liberando bilhões de reais para as empresas – sobretudo as empreiteiras – com juros abaixo do mercado e uma superexploração dos trabalhadores, onde o exemplo que melhor retrata essa realidade são os trabalhadores da construção civil. As notícias recentes de que o governo vai contribuir com mais de 4 bilhões para a fusão do grupo Pão de Açúcar de Abílio Diniz com o Carrefour é só mais um capítulo dessa história. Como sabemos, as fusões são parte das artimanhas da burguesia para reduzir os seus custos, ou seja, no final das contas o governo Dilma estará financiando o desemprego.

Outro pilar desse crescimento são as obras destinadas à infra-estrutura para a Copa e as Olimpíadas. Essas obras não apenas são fonte de recursos para as empreiteiras, mas também estão sendo utilizadas para a reorganização das cidades e favorecimento da especulação imobiliária. Até agora já foram removidas dessas áreas – em favelas e cortiços – mais de 60 mil famílias e “despejadas” em locais que não escolheram. Ou seja, a burguesia ganha de todos os lados.

Outra propaganda do governo diz respeito ao “recorde” da diminuição do desemprego. É preciso entender a razão dos números do governo. Primeiro que o critério que utiliza deforma os dados da realidade, pois não é considerado desempregado um trabalhador que fez um “bico” de dois dias e teve algum rendimento; depois que boa parte desses empregos que vão sendo gerados são com salários baixos, cargos temporários, e muito deles extremamente precarizados. Por fim, pela metodologia utilizada pelo DIEESE, o desemprego é quase o dobro daquele anunciado pelo governo.

O discurso é o mesmo: vamos financiar essas empresas para elas terem lucro e poderem gerar empregos, etc, etc. É o mesmo discurso da ditadura militar, de que o momento do Brasil já chegou e é preciso primeiro crescer para depois dividir, ou seja, os trabalhadores devem fazer        “a sua parte”, sem reivindicar nada e depois poderemos repartir o bolo.

Consideramos como fundamental a crítica a esse modelo implementado pelo PT, principalmente porque muitas vezes ele aparece como se fosse de esquerda.

A política do governo dilma

Os escândalos envolvendo Palloci, e agora Alfredo Nascimento, servem para mostrar o real significado desse governo e a composição social da base parlamentar de sua base de sustentação no parlamento. Continuamos a caracterizá-lo com um governo mais a direita de Lula e mais decidido em impor pesados ataques aos direitos dos trabalhadores, como é o congelamento salarial para o funcionalismo público federal e as propostas de reforma da previdência social, com alteração nos critérios para aposentadoria. O caráter mais reacionário pode ser verificado na amplitude ideológica da base parlamentar sob a liderança do PMDB.

Mesmo com esses escândalos, não há por parte da burguesia questionamentos em relação a governabilidade e a sua política econômica, principalmente porque todos os setores têm sido agraciados por medidas que ajudam a manter o lucro de cada um deles. Dilma, é, portanto, um governo que conta com o apoio da burguesia como um todo. Conhecer o inimigo é uma das condições para que saiamos vitoriosos nas lutas. Para nós, Dilma não é um governo que esteja fragilizado e em crise – pensar assim significa abrir a guarda para derrotas. Pelo contrário: tem conseguido impor uma política muito dura, principalmente contra o funcionalismo público federal. Não nos iludimos com as aparências e por isso defendemos que temos que ser cada vez mais fortes e organizados para termos alguma chance de vitória.

Não é nesses seis meses que Dilma mostrou ao que veio, pois desde a campanha eleitoral insistia que seu governo seria de austeridade, de continuidade, e que governaria com e para o capital, ou seja, é um governo tipicamente burguês e com um projeto neoliberal. Ilude-se quem quer.

No campo, os aliados são os setores mais reacionários, ou seja, o agronegócio. Com a queda do dólar, a tendência é de aumento da pressão para o governo subsidiar as exportações, uma vez que a produção agrícola do país está totalmente voltada para as exportações de commodities. E é pouco provável que o governo reclame, porque já se tornou refém desse setor, que é uma das bases de sustentação mais ativas do congresso.

Crescem as lutas…. e também o endurecimento do estado

No que diz respeito ao movimento dos trabalhadores, os primeiros meses do ano recolocaram em cena as grandes mobilizações de trabalhadores de categorias importantes, como construção civil (Jirau, Suapes, Fortaleza) e metalúrgicos (Paraná). Se não podemos dizer que houve vitórias espetaculares – os trabalhadores de Jirau, por exemplo, continuam sendo superexplorados e com péssimas condições de trabalho –, também não podemos dizer que foram derrotados. O que arrancaram da patronal foi muito pouco, uma vez que ocorreram em setores onde a taxa de lucro da patronal é muito maior, pois essas plantas estão em locais em que o salário e os direitos são muito menores do que nos grandes centros.

O ponto alto dessas mobilizações foram as greves de transporte em São Paulo e no ABC, com paralisações importantes em ferroviários e condutores do ABC – que votaram e entraram em greve passando por cima da direção –, colocando depois de muito tempo os governos e a patronal na defensiva.

No funcionalismo público estadual, passamos por um momento de greves em vários estados do país, tendo os professores como vanguarda. Mas aqui também os trabalhadores se deparam com governos totalmente comprometidos com o projeto de destinação de verbas públicas para a iniciativa privada. Nesse caso, o que está em jogo não é só a questão salarial, mas as condições de trabalho e a própria garantia do atendimento de serviço essenciais para a população, pois nem isso alguns estados tem garantido.

O funcionalismo público federal é o melhor exemplo do significado do governo Dilma. Vários setores estão com os salários congelados há mais de 3 anos e o governo sequer cumpre a determinação de revisão anual dos salários. Até esse momento não foi apresentada nenhuma proposta de reajuste, e é provável que não seja, ou se apresente uma proposta muito rebaixada.

Ocorre que mesmo em crescimento, as lutas apresentam três grandes limites: 1-são lutas que ocorrem isoladas umas das outras, o que favorece os ataques dos patrões e do governo; 2- Os sindicatos destas categorias são, em si, obstáculos, pois para levar uma atitude coerente com os interesses dos trabalhadores iriam necessariamente questionar o papel conciliador das direções sindicais, colocando a nu sua ligação com o governo do PT; 3- O Estado, por meio do judiciário e da polícia, tem reprimido violentamente e colocado condições absurdas aos movimentos dos trabalhadores, para na prática inviabilizar o exercício do direito de greve.

Não surpreende o papel das centrais sindicais governistas, que praticamente viraram um escritório de negócios e gestão do capital. Continuam propondo e defendendo bancos de horas, redução de direitos – como é a proposta do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, defendendo flexibilização dos direitos trabalhistas –, incentivos fiscais para as empresas, entre outras propostas contra os trabalhadores. O nível de relacionamento dessas centrais com o Estado e com a patronal já as transformam em gestoras do capital, pois a sua política sempre visa dar condições para uma melhor reprodução do capital, ou seja, é muito mais do que o apoio a algum governo.

Já a CSP-Conlutas (central da qual participamos), poderia ter se apresentado e ganho espaço junto a esse primeiro ciclo de lutas no governo Dilma, mas por responsabilidade de sua direção majoritária (PSTU), perdeu uma ótima oportunidade para se firmar enquanto uma central de luta e como alternativa para os trabalhadores. Primeiro porque não teve uma política de apoiar de maneira decidida e prática essas greves, e depois não conseguiu construir a greve de metroviários para enfrentar Alckimin e seu plano de arrocho e privatização do metrô. Isso foi decisivo para enfraquecer as demais greves, que naquele momento enfrentavam uma severa repressão policial e jurídica. Uma vitória nessas categorias possibilitaria a abertura de uma nova etapa na luta de classes no país.

Além disso, faz falta um trabalho sistemático com panfletos, carros de som, etc, com mensagens da CSP-CONLUTAS junto à base dos vários setores, de modo a disputar sua consciência contra os meios de comunicação dominantes.

Da mesma forma, não vemos a Intersindical aparecer como alternativa nesse processo de lutas em curso. A política do PSOL – de priorizar os processos eleitorais em detrimento da mobilização direta dos trabalhadores, e suas posições, que ficam sempre no meio do caminho em relação ao combate ao capitalismo como um todo – impedem que esse setor possa apresentar uma alternativa de programa e de prática que possa se contrapor de forma global e estrutural ao programa da burguesia, que é implementado no país pelo governo Dilma, com respaldo das instituições do estado.

Por um encontro nacional de ativistas, antigovernista e pela base!

Dentro desse quadro contraditório de mais lutas, mas também de maior endurecimento da patronal e do estado contra os trabalhadores, a única forma de aumentar a força dos movimentos é     unificando e combinando as lutas através de um calendário e de um programa mínimo comum, que seja a síntese das principais necessidades da classe trabalhadora e um referencial para as ações.

Os trabalhadores devem estar unidos e confiantes em uma proposta alternativa, a ponto de poderem passar por cima das direções pelegas que nada mais são do que o braço patronal e governista no movimento sindical, notadamente as centrais sindicais da CUT, Força Sindical e CTB.

Como proposta concreta para que os pontos acima possam ser postos em debate e sejam tiradas linhas de ação conjuntas no sentido de um salto nas lutas dos trabalhadores, nós do Espaço Socialista defendemos a realização de um Encontro Nacional de Ativistas, que junte todos os setores classistas e antigovernistas dos movimentos sindical, estudantil e popular.

Para isso, é preciso pressionar para que as direções tanto da CSP-Conlutas (PSTU) como da Intersindical (PSOL) parem de priorizar a unidade artificial e de cúpula (inclusive com setores governistas), pois até agora não tem levado a nenhum ganho real para o avanço das lutas. É preciso que convoquem e organizem um Encontro Nacional de Ativistas pela base, a fim de envolver o maior número possível de trabalhadores nas discussões e nas ações.

Esse chamado deve se combinar com a realização de Encontros Regionais de entidades e movimentos que se organizem e busquem criar laços e intercâmbios das categorias em luta e também com a população trabalhadora em geral.

Investir a fundo na disputa político-ideológica junto aos trabalhadores e estudantes!

Combinando-se ao impulso e unificação das lutas concretas, é preciso um intenso trabalho de propaganda a fim de explicar aos trabalhadores que os ataques que sofremos estão para além deste ou daquele patrão ou governo, mas tem sua origem na própria lógica do capital, que em sua fase de crise estrutural – mesmo que às vezes encoberta ou atenuada – busca se apropriar de uma parcela cada vez maior da riqueza social em detrimento dos trabalhadores. Isso significa que, para que as coisas possam realmente se resolver, é preciso que os trabalhadores assumam coletivamente, através de suas organizações de luta, o poder na sociedade, mudando todo o sistema político, institucional e social para que a produção e distribuição da riqueza do país esteja em função dos interesses coletivos dos trabalhadores e em equilíbrio com a natureza.

Trata-se de realizar a disputa político-ideológica junto à base, tarefa esta que tem sido abandonada tanto pelo PSTU quanto pelo PSOL, presos que estão ao imediatismo e à unidade com alguns setores pró-governistas no meio sindical.

Mesmo que a possibilidade de uma transformação social não esteja colocada para o momento atual, é fundamental desenvolver entre os trabalhadores esse referencial orientador, sob pena de continuarmos reféns da ideologia burguesa e das centrais governistas. Como dizia Rosa Luxemburgo, o socialismo não pode ser apenas um discurso para os dias de festa, deve estar incorporado à nossa prática cotidiana.

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BANCÁRIOS: APÓS AS ELEIÇÕES, ORGANIZAR A CAMPANHA SALARIAL!

O sindicato dos bancários de São Paulo, Osasco e região é o mais importante do país, já que representa uma base com mais de 100 mil trabalhadores, no principal centro financeiro do país. O sindicato acaba de passar por eleições, em junho, com vitória da chapa da situação (Articulação, braço sindical do PT), que assim se mantém no controle da entidade para o mandato 2011-2014, já que não há proporcionalidade. O resultado da votação foi de esmagadores 83%, contra 17% da chapa da oposição, que viu assim sua votação cair desde os 27% de 2008 e 35% de 2005.

O Espaço Socialista fez parte da chapa de oposição como minoria, por entender que a Articulação é o verdadeiro obstáculo para o avanço das lutas dos bancários, o que justifica a necessidade da unidade. Entretanto, prevaleceu na campanha a linha política do PSTU, que organiza a corrente sindical MNOB, ligada à Conlutas. A campanha acabou privilegiando a divulgação de atividades impulsionadas pelo MNOB/Conlutas, as quais tiveram a sua importância, mas consideramos que com isso se perdeu a oportunidade de debater as questões estruturais que afetam a vida da categoria. É por insistirmos na necessidade de debater as questões abaixo que não fazemos parte do MNOB, e seguiremos lutando pela organização dos bancários a partir de outra perspectiva.

Os obstáculos que devemos superar:

– Falta de estabilidade. A Articulação está no controle do sindicato desde 1979 e durante todo esse período não foi feito o trabalho de organização necessário para conquistar aquilo que seria fundamental: estabilidade no emprego. O estabelecimento de regras contra demissão imotivada deveria ser uma cláusula prioritária de cada campanha salarial, assim como o reconhecimento de delegados sindicais eleitos por local de trabalho para fazer a resistência cotidiana contra os abusos dos gestores. Esse trabalho nunca foi feito, e, por conta disso, os trabalhadores dos bancos privados acompanham a campanha salarial “de fora”, como algo que é feito por outrém em seu lugar. Não há mobilização real por dentro dos bancos e os locais de trabalho só param quando há piqueteiros na frente das agências. Considerando que os trabalhadores dos bancos privados representam mais de 80% da base de São Paulo e constituem colégio eleitoral cativo da Articulação, este tópico deve ser uma questão central de qualquer debate sobre a organização da categoria.

– Falta de participação dos bancos públicos. A maior parte dos trabalhadores do BB e da CEF nem sequer é sindicalizada. Os trabalhadores dos bancos públicos teoricamente têm estabilidade (na verdade o contrato de trabalho é regido pela CLT), mas mesmo assim têm participado cada vez menos das campanhas salariais. Isso acontece por conta dos últimos 8 anos, em que tivemos greve anualmente, mas jamais foram colocadas em pauta as reivindicações específicas dos bancos públicos (reposição das perdas, isonomia, PCS, saúde, previdência, etc.). Se a greve não serve para conquistar aquilo que interessa, os bancários naturalmente deixam de participar. Fazem greve por estar “de saco cheio”, por não suportar mais as condições de trabalho, mas não vão às assembléias e muito menos aos piquetes. A greve pode até ter boa adesão numérica, mas não tem participação real.

– Burocratização do sindicato. As reivindicações específicas dos bancos públicos não são discutidas nas campanhas salariais porque para isso seria preciso enfrentar o governo Lula/Dilma/PT. A Articulação dirige o sindicato a serviço do seu partido e não dos bancários, por isso jamais vai enfrentar o PT e manobra as campanhas salariais para que não avancem. O PT se converteu num grupo de burocratas que sobrevive às custas de cargos no aparato do Estado, mandatos parlamentares, assessorias, diretorias de estatais, fundos de pensão, participação em empresas, corrupção, etc. A conseqüência de termos no sindicato uma diretoria vinculada a um partido que defende o governo é a degeneração dessa diretoria e da própria vida da entidade. Os diretores do sindicato vinculados à Articulação há muito deixaram de ser trabalhadores, viraram burocratas profissionais. Alguns estão há décadas na diretoria e vão se aposentar como “sindicalistas”. Transformaram o sindicato num conglomerado, com gráfica (Bangraf), cooperativa habitacional (Bancoop, alvo de denúncias de corrupção veiculadas na imprensa), cooperativa de crédito (Bancredi), que movimentam fortunas, administradas de forma pouco transparente. Nas nossas campanhas salariais, não vemos o aparato do sindicato mobilizado a nosso favor para enfrentar os banqueiros.

– Formato das campanhas salariais. As campanhas salariais são feitas de modo a afastar os bancários. A começar pela definição da pauta de reivindicações, por meio de uma pesquisa via internet, sobre cujo resultado não se tem o menor controle. A Articulação prefere uma campanha virtual na internet ao invés de uma campanha real, que comece por reuniões nos locais de trabalho (para quê servem mais de 80 diretores liberados?), plenárias por banco e por região, assembléias, em que os bancários possam se manifestar e apresentar suas propostas, suas reivindicações, suas idéias, discutir formas de mobilização, de modo a ir criando força para uma eventual greve, que afete de fato o lucro dos bancos.

As regras elementares da democracia são pisoteadas pela atual diretoria. Não há espaço na Folha Bancária para manifestações dos trabalhadores e de outros pensamentos que não os da Articulação. Nas próprias assembléias de greve, os raros espaços em que os bancários podem se encontrar e discutir como coletivo, há pouco debate, pois a diretoria fala durante horas e pede aos trabalhadores que apenas levantem o crachá. Não são abertas inscrições para falas, não há tempo para defender propostas de como organizar a greve, as propostas que são feitas não são colocadas em votação, etc. A diretoria está tão distanciada da base que na hora de encerrar a greve e aprovar os acordos são marcadas assembléias à noite, combinadas com os bancos, para que os gerentes e fura-greves compareçam em massa.

Antecipar a preparação da campanha salarial!

Passada a eleição, entramos no período de preparação da campanha salarial. Os mesmos obstáculos listados acima estarão colocados diante dos bancários novamente. A partir do coletivo Bancários de Base, que integra a Frente Nacional de Oposição Bancária, estaremos fazendo o debate sobre como superar esses obstáculos. Precisamos antecipar a preparação da campanha salarial, para romper o controle da Articulação e colocar em discussão as reivindicações que representam os verdadeiros interesses dos bancários.

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RENOVAR PELA LUTA: RESGATE E INOVAÇÃO COM COERÊNCIA

Alexandre Ferraz e Cláudio Santana (integrantes do Renovar Pela Luta)

No mês de junho ocorreram as eleições na APEOESP para a Diretoria Estadual e para as Executivas Regionais. No âmbito estadual, prevaleceu o continuísmo da Articulação Sindical , corrente que representa o PT nos sindicatos de um modo geral.

No entanto, em Santo André algo novo surgiu: o grupo Renovar Pela Luta – Oposição Chapa 2 obteve uma grande uma vitória, elegendo 21 dos 24 Conselheiros que comporão a Executiva da Subsede. Além disso, devido à representatividade atingida, o Renovar Pela Luta terá um membro na diretoria estadual da APEOESP, pela Chapa 2 – Oposição Unificada na Luta.        

Essa vitória é resultado de um processo de atuação e construção que se iniciou em 2005, ganhou consistência nos anos seguintes e se expandiu durante e a partir da greve de 2010, quando passou a se denominar Renovar Pela Luta.

Na greve de 2010, o Renovar Pela Luta esteve à frente do Comando de Greve nas visitas às escolas e nas assembleias regionais. Em Santo André, nossas assembleias regionais reuniam em média 500 professores integrados com pais, alunos e fanfarras de escolas em greve, que saíam em passeata pelas ruas da cidade, sendo que, na última conseguimos até intervir na Câmara de Vereadores, colocando nossas reivindicações e nos colocando contra a municipalização. Algo que só ocorreu nos anos 1980.

Por fim, a atuação do grupo na greve foi no sentido de organizar os professores em unidade com alunos, pais e demais trabalhadores da região, não para defendermos apenas os interesses do partido/organização, como muitas vezes ocorre no movimento, onde as demandas dos trabalhadores são postas de lado priorizando-se os interesses partidários ou de uma corrente.

O Renovar Pela Luta encontra-se em construção, mas já surge representando algo distinto na cena sindical atual, na medida em que propõe uma renovação nos objetivos e nos meios da atuação sindical.

Os desafios atuais

Os desafios atuais na educação são maiores do que antes. Presenciamos a sociedade capitalista em uma crise estrutural – embora atenuada e encoberta – e, que, por isso mesmo, reproduz e agrava em escala global as desigualdades, carências, inquietações, tensões e os antagonismos.

É dentro dessa realidade que a classe empresarial e os governos tentam a todo custo impor à educação da classe trabalhadora o pior papel possível: formação de uma mão-de-obra para um mercado de trabalho precarizado e amortecimento dos problemas sociais, que segundo essa visão deve ser também papel prioritário das escolas.

A precarização geral da educação oferecida aos nossos jovens está diretamente ligada à precarização das condições de trabalho e de salário dos professores, afinal para se formar uma mão-de-obra precária não é preciso a valorização dos profissionais da educação. Apenas um pequeno setor que esteja ligado a nichos de bairros e centros com melhores condições de vida já dadas – e portanto maiores oportunidades e estrutura – é que terão condições de atingir os índices e obter os bônus, evoluções por mérito, etc. Para a maioria dos professores está reservado o rebaixamento total das condições trabalho, de vida, dificuldades de acesso aos bens culturais de aprimoramento da formação didático-pedagógica.

Como decorrência do rebaixamento dos salários, ocorrido ao longo das últimas décadas, temos a realidade de que uma grande parcela (50% ou mais dos professores) hoje acumulam dois cargos em duas redes ou outros empregos.

A sobrecarga de trabalho, sem que ao mesmo tempo haja qualquer sentimento de realização com o tipo de atividade docente imposto de cima para baixo, acarreta não apenas os problemas de saúde cada vez em maior proporção, mas a perda mesmo do sentido da profissão docente e do pertencimento à comunidade escolar, da relação com os alunos e com os próprios colegas. A luta pela subsistência imediata se contrapõe à vida profissional e à vida em si, já que ambas só podem se realizar coletiva e livremente. Assim, por todos os ângulos que se olhe, identifica-se uma crise geral e profunda da educação, que é ao mesmo tempo parte da crise da sociedade capitalista.

Essa situação vem se agravando e se combinando com a falta de estrutura mínima nas escolas e com a falta de vontade de aprender dos nossos alunos, produzindo um quadro de caos e violência crescentes, gerando uma insatisfação cada vez maior entre os professores e a sensação de que é preciso fazer algo, se juntar para resistir de alguma forma, ao mesmo tempo em que se busca a retomada das discussões e encontros coletivos ainda de caráter social, não diretamente político.

Essas diversas formas de resistência que começam no interior das escolas – mas ganham contornos maiores em reuniões e protestos de rua, em greves turbulentas, como a greve dos professores de São Paulo em março do ano passado, ou nas greves em vários estados no primeiro semestre deste ano – são exemplos desse crescimento da revolta que, no entanto, bate nos diques de contenção das direções sindicais e ainda não têm a força e consciência suficientes para transpor esses obstáculos e inaugurarem um novo período nas lutas da educação. Apesar disso, o aspecto contestador é notável e crescente. O sentimento de que é preciso um novo sindicalismo, capaz de impulsionar e dar coesão a todas as iniciativas de protesto dos professores é, antes de tudo, o primeiro fator que explica o surgimento e crescimento do Renovar Pela Luta.

Combatemos o sindicalismo viciado e governista

As nossas lutas têm enfrentado ultimamente não só governos do PSDB, mas também o governo federal (PT/PMDB), pois ambos defendem – com uma ou outra diferença – a contenção dos investimentos na Educação Pública, e uma mesma forma de política educacional, que retira direitos dos professores, individualiza a questão salarial através da prova de mérito e bonificações por mérito, não valoriza e não leva em consideração as realidades de trabalho dos professores.

Esse enfrentamento repercute diretamente no funcionamento interno da APEOESP. Os espaços democráticos são cada vez menores, as subsedes de oposição que não implementam a política da diretoria majoritária são ameaçadas e podem ser sancionadas, de modo que não questionem o sindicalismo governista.

Nesse sentido, as reivindicações dos professores avançam e são retraídas pela Articulação Sindical, na medida em que começam a questionar a política educacional do governo federal.

Somos frontalmente contra essa atuação sindical. Defendemos um sindicato independente dos governos e patrões.  Somos também favoráveis à desfiliação da CUT governista. É necessário parar de pagar R$ 1,5 milhão a essa central. Plebiscito já para que os professores decidam!

Superar os limites da atuação da própria oposição!

O resultado das eleições e das últimas lutas mostram claramente que é preciso questionarmos e superarmos os limites existentes no interior mesmo das correntes de oposição. É um fato que o movimento de Oposição de forma geral não tem conseguido apresentar um projeto de atuação sindical próprio e independente, que seja a marca da Oposição e que seja de fato referência para amplos setores da nossa categoria. Via de regra, contenta-se em ser somente isso: oposição, quando deveria também se constituir em uma alternativa viável e com credibilidade.

Além disso, as maiores correntes políticas da Oposição seguem presas a um tipo de atuação limitada, que já se tornou um ritual, não tem muita vida, é muito previsível e muito pouco envolvente, não conseguindo agregar novas pessoas. Em uma realidade que está em movimento e onde o próprio governo inova a todo momento, na Oposição não há inovação em suas práticas…

Outra marca problemática tem sido a centralização excessiva das decisões e das iniciativas nas mãos dos dirigentes. Como envolver as pessoas, se são sempre poucos que decidem de fato? Se mesmo quando há plenárias, as decisões já estão de alguma forma pré-fabricadas e se na hora H não há acordo, ocorre o racha por questões não ligadas à própria luta, mas unicamente por disputas nas esferas de poder?

A estrutura muito verticalizada com certeza é um dos fatores que dificultam o crescimento da Oposição, e é uma das coisas que tem que ser mudadas urgentemente.

As grandes correntes também têm se pautado por uma adaptação à estrutura sindical criada e (de)formada pela Articulação com total falta de controle, uma estrutura que a Articulação também usa para tentar controlar, corromper e cooptar a própria Oposição.

Cargos liberados em que tem ocorrido pouco ou nenhum revezamento, uso de uma estrutura que, em parte é necessária, mas sobre a qual não há qualquer controle ou prestação de contas – como o uso dos carros do sindicato, dos celulares liberados, hospedagens sem controle,etc: isso tudo exerce ou não uma influência sobre os membros da Oposição que ocupam postos de direção na APEOESP e nas subsedes? E que contrapesos temos para impedir que a burocratização ocorra no interior das nossas próprias fileiras?

Assim, a própria categoria percebe que muitos dirigentes – sejam da Oposição, da diretoria estadual ou das subsedes – sofrem modificações em sua conduta, se mostrando menos sensíveis aos problemas que antes davam atenção. O tom de intransigência frente às discordâncias e a imposição de posições são fatores que afastam as pessoas ao invés de aproximá-las, e justamente num momento tão necessário e delicado… Isso tem ou não relação com o ponto anterior?

Cada vez mais há a pressão pelo aumento da quantidade de mandatos liberados, ao invés de se cumprir o rodízio como uma das formas de combater a acomodação social e fazer com que não se perca o vínculo com a realidade da sala de aula. Quando se questiona esse fato, as reações por parte das direções das grandes correntes são de que não é possível, que não há ninguém preparado, à altura do cargo, mas ao mesmo tempo não há uma política de formação nesse sentido. Ou seja, torna-se cômodo manter essa situação indefinidamente. Este é um dos fatores principais da perda de reflexo que muitas vezes é visível nas direções do nosso movimento.

É urgente combater as tendências à acomodação e a estrutura verticalizada no interior da própria Oposição como forma de estarmos em condições de cumprir um papel mais ousado na realidade da nossa categoria.

Construir um novo projeto de atuação na educação

Na situação atual e cada vez mais daqui por diante, é preciso renovar as práticas limitadas, expandindo o raio de atuação do sindicalismo. Precisamos ir além do corporativismo, buscando juntar em nosso movimento pais, alunos e demais trabalhadores em uma luta conjunta por uma Educação Pública de qualidade para os trabalhadores e seus filhos.

O trabalho deve ser realizado com todos que sejam sensíveis à realidade de caos que enfrenta a educação pública e os professores. É preciso uma atuação muito mais ousada e um enfoque que vá além da atuação atual da maioria das correntes, que é restrita às demandas corporativas da categoria. As demandas dos professores devem ser consideradas e tratadas como parte das demandas gerais necessárias para uma educação de qualidade para os trabalhadores e seus filhos, a fim de provocarem a discussão e o envolvimento do conjunto da classe trabalhadora na luta pela educação pública.

Isso é mais necessário ainda à medida em que nossa categoria não é produtiva de forma direta, e portanto só pode ter impacto na sociedade se conseguir dotar nossa luta de um caráter amplo e coletivo, transformando-se numa luta política maior contra o projeto de precarização e submissão da educação aos interesses do mercado e do capital.

Indo além, nossa luta deve ser cada vez mais contra a própria ordem do capital, condição para que tenhamos de fato uma educação pública de qualidade livre e acessível a todos.

Temos que combater a ingerência dos empresários e banqueiros na Educação Pública. Estes criticam os investimentos públicos na educação, propõem o enxugamento dos postos de trabalho e exigem a redução do tamanho do Estado em seu aspecto de serviços sociais, visando no entanto o estado máximo serviço da reprodução de seus lucros.

Por outro lado, através das medidas induzidas pelos organismos internacionais – Banco Mundial, FMI, UNESCO – e pelo movimento Todos Pela Educação (com suas ONG´S, bancos, grupos empresariais e partidos governistas), visam domesticar os professores, os alunos e os pais e assim formar a mão-de-obra que lhes interessa, ao menor custo possível.

O Renovar Pela Luta se propõe a re-examinar de alto a baixo todas as questões apresentadas acima em uma relação de diálogo com as demais correntes, os ativistas independentes e os demais professores, no sentido de construirmos um novo projeto de atuação na Educação.

Para organizarmos os professores numa extensão cada vez maior, é necessário fazer uso das novas tecnologias de comunicação. Nos propomos a dinamizar esse trabalho através de listas de e-mail, site, vídeos no YouTube, Facebook etc.

Agora, o desafio colocado é o de envolver o máximo de professores nesse projeto de um sindicato aberto, coerente e inovador, onde todos possam ser sujeitos, com respeito e poder de decisão dentro do coletivo. Os desafios são enormes, pois sabemos que as escolas estão um caos e, no capitalismo, por mais que lutemos, não conseguiremos resolver os problemas educacionais e sociais que estão interligados.

Mas nós também podemos ousar sonhar em contribuir com a possibilidade de uma luta maior no sentido mesmo de uma mudança social, onde possamos renovar o sindicato, renovar a política e renovar o mundo, e tudo isso pela luta!

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SOBRE A LIBERTAÇÃO DE CESARE BATTISTI

Muito se discutiu (e discute-se) sobre o caso Battisti. Das mais variadas orientações, apaixonadas ou não, as diferentes opiniões não podem se afastar da objetividade dos fatos. Vamos a eles.

Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pelo fim da prisão de Battisti. Trata-se de uma grande vitória popular. Foragido político da Justiça italiana, Battisti, em sua juventude, fora militante da organização “Proletários Armados pelo Comunismo” (PAC). Julgado e processado, fraudulentamente e em diversas ocasiões, pelo corrompido poder Judiciário de seu país, Battisti refugiou-se no México, na França e, finalmente, no Brasil. Aqui, fora preso a pedido das autoridades italianas, durando mais de quatro anos sua saga pela liberdade.

Quais análises podem ser feitas? Com o fim da 2ª Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, mesmo militarmente derrotados, os fascistas italianos foram tolerados pelos Estados Unidos (EUA), diferentemente dos nazistas alemães. Assim o foi pois no recente contexto bélico, a Itália de Mussolini, ainda que aliada, não se igualou, sequer proporcionalmente, ao gigantesco poderio econômico e militar hitlerista. A Alemanha de Hitler fora a imensa e concreta ameaça à hegemonia estadunidense no mundo. A Itália não fora o mesmo perigo. E, ainda, considerando-se o ambiente da Guerra Fria, pela sua índole declaradamente anticomunista, os antigos fascistas italianos foram bastante úteis no controle de movimentos populares. Na Itália da década de 70, o povo pobre e explorado, quando minimamente organizado, sofria duras agressões, tanto do aparato estatal quanto de organizações paramilitares neofacistas. E, agravando-se a situação, o antigo Partido Comunista Italiano (PCI), das fileiras heróicas na luta contra o fascismo, passou a colaborador da repressão aos movimentos populares.

Rodeada de polêmica, a questão versa sobre a excessiva burocratização partidária e sua absorção programática pelo sistema eleitoral italiano. Afastada a perspectiva revolucionária, o PCI passou a repelir os autênticos comunistas. Sem contar com o PCI, muitas organizações populares, agindo coerentemente, partiram para a radicalidade, distribuindo-se, de maneira geral, em duas frentes de luta. A primeira, militarizada, partiu para a luta armada aberta com clara finalidade de derrubada do Estado burguês e instauração de um Estado popular, sendo as Brigadas Vermelhas seu principal exemplo.

A segunda frente de luta, também hostil ao Estado italiano, todavia, concentrava-se na luta ideológica, no amparo da população pobre e no auxílio a toda forma de militância de oposição ao governo. Suas ações armadas eram bravias, sim, mas com menor incisão. Entre tantas organizações, aqui se encontrava o PAC de Battisti.

O PAC, objetivamente, era um grupo pequeno e regional, o que não lhe diminui os méritos. De toda forma, era mais um entre tantos agrupamentos armados com curto poder de fogo. E a militância de Battisti era-lhe marginal, chegando a se afastar do grupo antes dos atos de maior violência. O porquê, portanto, de tamanha sanha conservadora na condenação e prisão, a qualquer custo, de Battisti?

O episódio dito “11/09” pode explicar. Em 11 de setembro de 2001, aviões comerciais carregados de passageiros civis foram seqüestrados e atirados sobre alvos nos EUA. Foram ações repugnantes, indignas de qualquer perdão… tanto quanto foram (e são) horríveis e imperdoáveis todos os ataques do criminoso governo ianque aos diversos povos do mundo há mais de cem anos! Com os ataques do “11/09”, a histeria na “guerra do terror” contaminou os EUA e a Europa. Na Itália, a histeria aliou-se a outro elemento explosivo: a natureza neofascista do governo Silvio Berlusconi. A orientação política de Berlusconi reproduz a prática típica de seu país nas décadas de 30 e 40: intolerância e truculência contra todos seus opositores. Por diferentes estratagemas o governo italiano tentou capturar Battisti. A agressividade e o rancor escancarados evidenciaram o potencial risco de morte ao ex-combatente. Devolvê-lo à Itália seria entregá-lo à morte.

Por fim, qual o significado geral do “caso Battisti”? As periódicas crises do capitalismo (como a atual, frise-se) mantêm acesas as lutas populares. A rebeldia é um clarão de esperança nas trevas da miséria. A rebelião crepita nas ruas, nas praças, nas casas. O povo parte para o enfrentamento político, reivindicando a dignidade que nunca lhe foi dada. A opressão burguesa não se intimida e despeja o seu pior sobre as classes populares: da criminalização dos movimentos aos assassinatos e golpes de Estado! Em tais ocasiões, mesmo feridos, mulheres e homens dispostos aos maiores sacrifícios erguem-se em armas contra a tirania! Fazem o caminho da “arma da crítica” para a “crítica das armas”! Enfrentam em larga desvantagem a tirania, contando unicamente com a bravura! É o que temem os reacionários! Temem a reação popular! Assim, qualquer um, como Battisti e tantos outros, que ousou (e ousa) colocar em xeque o criminoso sistema capitalista, precisa ser moral e pessoalmente esmagado. Assim é necessário, pois os imperialistas sabem perfeitamente que outros Outubros virão

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“PARADISE NOW”: UM RETRATO HUMANO DA LUTA PALESTINA

O texto abaixo é produto de um debate realizado na sede do Espaço Socialista, em 11 de junho, após a exibição do filme “Paradise now”. O vídeo-debate é parte de um ciclo de atividades em que usamos produções culturais como ponto de partida para discussões políticas, formação teórica e ideológica. Os objetivos desse ciclo são:

– proporcionar uma outra forma de vivenciar a cultura. O debate sobre uma obra a transforma numa experiência coletiva e ativa, ao invés da postura passiva de espectador pela qual a indústria cultural tenta nos acostumar a ver a cultura e a arte como simples entretenimento;

– oferecer produções que tenham conteúdo estético e político. Em vez das obras facilmente esquecíveis da cultura comercializada, que não provocam nenhuma espécie de efeito transformador, buscamos obras capazes de suscitar discussões éticas, que exigem reflexão e tomada de posicionamento sobre questões humanas;

– combater as interpretações sobre os diversos fenômenos e dimensões da vida abordados pela arte enraizadas na ideologia burguesa prevalecente, construindo uma visão baseada na perspectiva da luta pela emancipação humana.

Antes do debate, apresentamos uma breve contextualização histórica e concluímos com algumas delimitações políticas.

O pano de fundo histórico

A história do chamado conflito palestino é uma tragédia do século XX. A aspiração até certo ponto legítima do povo judeu por um lar nacional foi transformada pelo imperialismo inglês, após a I Guerra, em pretexto para expulsar os palestinos de terras em que viviam há praticamente dois milênios (onde conviviam pacificamente com uma minoria de cristãos e judeus orientais) e lá instalar colonos vindos da Europa, onde os judeus ocidentais viviam uma história de séculos de anti-semitismo. Com o fim da II Guerra e a revelação do holocausto judeu nas mãos dos nazistas, sai o imperialismo inglês e entram os Estados Unidos e a ONU, com a proclamação de dois Estados na Palestina, um judeu e um árabe. O Estado palestino jamais foi instalado e ao longo de sucessivas guerras o Estado de Israel ocupou todo o território que caberia aos dois Estados. O genocídio praticado pelos nazistas contra os judeus deu aos sionistas (setor do povo judeu que defende a construção de Israel às expensas dos palestinos) uma espécie de “álibi eterno” para praticar uma política de genocídio contra os palestinos.

Os palestinos vivem confinados em dois pequenos territórios, Gaza e Cisjordânia, cercados pelo exército de Israel, que controla todas as estradas e passagens e transforma suas vidas numa humilhação cotidiana. Além disso, colonos judeus seguem se apropriando das melhores terras, das fontes de água, estradas, etc., nos chamados assentamentos na Cisjordânia. A maior população de judeus no mundo está nos Estados Unidos, de onde bilhões de dólares seguem anualmente em ajuda militar e tecnológica a Israel. Além disso, o “álibi” que os sionistas obtiveram com o holocausto é permanentemente reforçado perante a opinião pública mundial por filmes de Hollywood sobre o holocausto, tragédia que deve sempre ser lembrada, mas que recebe uma cobertura infinitamente maior que outros grandes crimes do século XX. Filmes como “Paradise now” são um modestíssimo contra-ponto ao avassalador predomínio ideológico do sionismo patrocinado por judeus estadunidenses.

O debate sobre “paradise now”

O filme palestino “Paradise now”, de 2005, venceu vários prêmios em festivais internacionais, concorreu ao Oscar de filme estrangeiro e conta a história de dois jovens palestinos que optam por se tornarem homens-bomba e se sacrificarem num atentado suicida em Israel.

Trata-se de um exemplo de como um filme pequeno, de baixo orçamento, pode contar uma história fortíssima. Chama a atenção o contraste entre a riqueza de Israel, com suas cidades que parecem européias ou estadunidenses, arranha-céus modernos, vias expressas, etc.; e a pobreza dos palestinos, que parecem viver numa favela, cercados por prédios em ruínas, estradas esburacadas, casas amontoadas nos morros, etc. Os favelados no Brasil não reagem de forma organizada à opressão policial, à vida miserável, sem luz, sem água, sem serviços públicos. Aqui não há o sentimento anti-imperialista, que os palestinos desenvolveram ao longo de uma história de humilhação e de uma vida aprisionada dentro do próprio país.

      Os palestinos vivem numa situação de opressão, injustiça, falta de liberdade, mas resistem com grande dignidade e altivez, o que transparece no olhar das personagens, no início e ao fim do filme. Desenrolam-se diálogos impactantes, pois os personagens apresentam de maneira apaixonada os argumentos a favor e contra a estratégia do terrorismo. Ao mesmo tempo em que humaniza o homem-bomba, o filme apresenta questionamentos a essa forma de luta. Há uma cena curiosa em que o depoimento do homem-bomba é banalizado, a câmera não funciona, enquanto as pessoas presentes comem lanches, tirando a dramaticidade do momento (os palestinos vêem vídeos com os terroristas, como o resto do mundo vê filmes de “heróis” estadunidenses).

Segundo os partidários do terrorismo, ante a miséria vivida, é preferível morrer, pois esta vida é mais amarga do que a morte. Há situações em que não há alternativa além da luta armada. A causa palestina só sobreviveu porque houve uma resistência, mesmo com métodos problemáticos. O inimigo israelense usa de métodos terroristas contra a população palestina, com seu imenso poderio militar, atacando a população civil, e isso precisa ser combatido de alguma forma. Se os atentados parassem, Israel não pararia.

Por outro lado, é preciso levar em consideração o fato de que é justamente o terrorismo palestino que oferece o álibi para a ação do imperialismo, como a reação que se seguiu ao 11 de Setembro, as invasões do Afeganistão e do Iraque, etc. Os homens-bomba se tornam heróis e mártires, mas os que ficam neste mundo enfrentam a resposta do sionismo e do imperialismo. Para cada atentado palestino, Israel responde com bombardeios, massacres, destruição, prisões, torturas, em doses altamente desproporcionais. O sofrimento dos que ficam aparece na personagem da mãe, que não pode fazer outra coisa a não ser chorar.

Paralelamente ao debate principal, aparecem outros detalhes da sociedade palestina. Ao contrário do estereótipo do “mundo árabe-muçulmano”, há uma grande diversidade de comportamentos, desde os talibãs mais fanáticos até os segmentos laicos e ocidentalizados. Há o personagem da mulher palestina que toma iniciativa em relação ao homem, algo totalmente diferente do estereótipo.

Conclusões políticas

O movimento revolucionário já usou o terrorismo em outras épocas, mas com uma viabilidade muito limitada. O terrorismo não pode ser o método privilegiado de luta. A organização terrorista, tal como retratada no filme, apresenta uma estrutura militarizada, rigidamente hierarquizada, com uma separação burocrática entre os quadros dirigentes e os soldados (entre os quais se incluem os homens-bomba). Essa organização atua de forma totalmente descolada do restante da população que supostamente defende. Não há nenhum tipo de controle democrático sobre o seu funcionamento e atividades. O terrorismo acaba funcionando como um obstáculo para a auto-organização da população.

A resistência palestina deve ser apoiada contra os ataques de Israel e dos Estados Unidos e as campanhas de difamação da imprensa burguesa, mas a linha política das organizações terroristas não será capaz de trazer soluções duradouras para os trabalhadores palestinos. Seu projeto de “Estado islâmico” é autoritário, opressivo, machista e homofóbico, e mantém-se compatível com o sistema capitalista, que é a fonte da exploração dos trabalhadores e da opressão da nacionalidade palestina.

A alternativa ao terrorismo não é o pacifismo e o reformismo, mas a auto-organização dos trabalhadores. O problema palestino não é um problema de nacionalidade nem muito menos de religião, mas um problema de classe. Há trabalhadores judeus e judeus não-sionistas, para quem a política terrorista de Israel também é um problema (há uma cena em que o homem-bomba palestino hesita ao encontrar trabalhadores judeus num ponto de ônibus). Essa política interessa apenas à burguesia israelense e estadunidense, defensores do capitalismo, que é o verdadeiro inimigo de todos os povos.

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CUBA: BUROCRACIA IMPULSIONA RESTAURAÇÃO “A LA CHINA”

nas lutas históricas deve-se distinguir mais ainda as frases e as fantasias dos partidos de sua formação real e de seus interesses reais; o conceito que fazem de si do que são na realidade –

Marx, 18 Brumário

A discussão sobre Cuba sempre é muito acalorada e apaixonante, pois trata-se de um país em que os explorados protagonizaram uma das mais belas páginas da história da luta anti-imperialista no continente. Mas a paixão não pode nos cegar ao ponto de negar que essa história de luta está ameaçada e que a política dos Castro e do PC cubano está levando à restauração do capitalismo na ilha.

É praticamente unânime entre os que estudam esse tema afirmar que as medidas de expropriação da burguesia não constavam das intenções da direção do processo revolucionário, limitadas à busca pela consolidação da independência nacional. Uma série de fatores – como a ruptura de setores burgueses com o Movimento de 26 de Julho (que tinha um caráter policlassista), e a posterior passagem deles para a contra revolução e a, nas palavras do historiador José Rodrigues Mao, “postura agressiva e míope dos Estados Unidos” e a radicalização do movimento dos trabalhadores – colocaram os “guerrilheiros na parede: ou ‘traiam’, literalmente, a Revolução Cubana ou se ‘radicalizavam ininterruptamente” (FERNANDES, Florestan. Da Guerrilha ao Socialismo).

Para se ter uma idéia da dimensão das medidas de expropriação da burguesia, em pouco mais de um ano foi feita a reforma agrária (ley de reforma agrária); em maio de 1959, a nacionalização dos bancos nacionais e estrangeiros; e por fim, em outubro de 1960 “passaram a pertencer ao Estado 95% da indústria, 98% da construção, 95% do transporte, 70% da agricultura, 75 % do comércio a varejo e 100 % do comércio de atacado”.(MÃO, José Rodrigues. A Revolução Cubana e a Questão Nacional).

Com a consolidação desse processo, pode-se dizer que o Estado muda o seu caráter, ou seja, deixa de ser capitalista, porque ataca a base de uma sociedade capitalista que são as relações de propriedade. Esse caráter anticapitalista se expressa no processo de expropriação e estatização das principais empresas que operavam no país. Só essa medida permitiu que Cuba fosse um dos principais países da América Latina com um nível e qualidade de serviços público excepcionais. São conquistas fundamentais.

Não é objetivo deste texto entrar no debate sobre a caracterização do tipo de Estado que surgiu após essas medidas (o Espaço Socialista está organizando um estudo sobre esse tema), mas é importante destacar que, mesmo tendo expropriado a burguesia, Cuba não pode ser chamada de socialista e muito menos de Estado operário – ainda que burocratizado –, por uma razão simples: não era (e não é) a classe operária que estava no poder.

O que queremos dizer é que não é suficiente a expropriação econômica da burguesia para que se possa caracterizar um Estado como operário. O elemento político, a democracia operária, é fundamental, é por onde se pode apontar que a classe operária está ou não no poder. E em Cuba, seja pela inexpressividade política ou numérica, a classe operária nunca esteve no poder, ainda que os dirigentes falassem em seu nome. Este elemento é fundamental, pois o fato de a classe operária ter sido alijada do poder permitiu que a burocracia cubana conduzisse a economia e a vida em Cuba em uma direção que inevitavelmente chegaria a restauração do capitalismo. E esse momento esta próximo, muito próximo.

As conquistas estão sendo rapidamente destruídas

Há algum tempo, Cuba tem aparecido nos meios de comunicação com os anúncios pela burocracia de sucessivas medidas de uma reforma econômica mais ampla, com um conteúdo claramente capitalista. Todos os anúncios eram o ensaio para a discussão no VI Congresso (mês de abril), que iria – como o fez – sacramentar todas as medidas necessárias que pudessem preparar o caminho de volta ao capitalismo.

As medidas aprovadas vão desde a abertura do mercado para empresas estrangeiras, passando pelo incentivo aos “cuentapropistas” e às cooperativas, e reforma trabalhista – que na verdade são formas embrionárias de formação de uma força de trabalho para a iniciativa privada. Outra medida com profundas consequências sociais foi o fim da “libreta de racionamento”: ainda que já reduzida, era a garantia de satisfação das necessidades básicas da população.

Como já dissemos, as medidas econômicas vão todas em direção à preparação da economia para a restauração capitalista, entre as quais destacamos a definição de uma nova política de preços (que representa aumento em vários produtos de primeira necessidade), elaborar uma nova lei de impostos (revisando para cima os atuais), abertura do mercado para a propriedade imobiliária, tudo isso combinado com uma ampla reforma jurídica como condição para criar uma “segurança jurídica” aos negócios privados.

Mas sem dúvida a medida que causou mais impacto é a possibilidade de centenas de milhares de demissões de funcionários públicos e sem qualquer tipo de indenização. Mesmo que essa medida esteja em um ritmo mais lento do que pretendia a burocracia, ela é na prática a preparação para um tipo de Estado que oferecerá cada vez menos serviços públicos para a população, ou seja, o Estado deixará de prestar vários serviços, como saúde, educação, esporte, etc ou se continuar a prestá-los, será com qualidade muito abaixo do que sempre foi.

O remédio é o mesmo aplicado pelos governos neoliberais: passar para os trabalhadores e a população pobre os custos da crise. É importante lembrar que essas medidas são continuidade de outras que estão sendo adotadas desde o ano de 2008, como por exemplo a vinculação dos salários ao rendimento do setor empresarial. Em 2009 também houve a revisão da política fiscal.

Claro que essas medidas não levaram em conta as opiniões dos trabalhadores. As discussões ocorreram dentro dos limites dos aparatos burocráticos, ferreamente controlados pela burocracia. Afastar os trabalhadores das discussões e sobretudo das decisões era essencial porque todos os debates e decisões significariam que a vida de cada um deles iria piorar. E muito antes da realização do congresso, qualquer cubano com um mínimo de inteligência já sabia que seriam aprovadas, pelo tamanho do controle que a burocracia exerce sobre o partido e todas as instituições do regime.

Essas medidas representam sem dúvida o maior ataque que as conquistas da Revolução de 59 estão sofrendo, e se elas se consolidam (o que é muito mais provável), os trabalhadores cubanos estarão diante de mudanças drásticas em suas condições de vida, como a ameaça da fome, do emprego instável, etc. Para precisar ainda mais, deve-se ressaltar que já há vários efeitos das medidas pró-capitalistas, como os baixíssimos salários, o racionamento de alimentos, o desemprego, a falta de subsídios do Estado para os trabalhadores do campo, etc. Cuba não é mais a mesma, e se parece cada vez mais com a Cuba pré-revolucionária.

Restauração “a la China”

O processo restauracionista coloca de imediato o problema do poder político de Estado. Na URSS, quem ocupou este espaço foram os burocratas (nomenklatura) do partido e principalmente os membros das forças de repressão, como a KGB e oficiais do exército. Na China, o controle todo passa pelos membros da cúpula do (mal chamado) Partido Comunista Chinês. E em Cuba? Serão os gusanos, algum setor que “se transforme” em burguesia nacional ou a própria burocracia?

Opinamos que o mais provável é que a burocracia conduza o processo de restauração “por suas próprias mãos”, sem entregá-lo aos gusanos ou a qualquer outro setor da burguesia ou do imperialismo: um modelo cubano “made in China”, com controle da economia capitalista pela burocracia, com o partido único e com forte controle repressivo contra os trabalhadores. Nesse momento é pouco provável que tenham condições de se tornar eles mesmos os burgueses, pois têm profunda dependência do Estado. Para esse salto de qualidade, será necessário realizar uma “acumulação primitiva”.

Ou seja, a burocracia exerce o poder político, controla a parte da economia que não exige pesados investimentos e pode concorrer em melhores condições no mercado mundial, como é o caso do exército cubano – para se ter idéia do peso dos militares: 18 de 115 membros da direção do PCC são das forças armadas –, que é o sócio das Joint Ventures, que controlam o turismo e representam uma das principais fontes de divisas externas. Em relação a outros setores que exigem mais tecnologia (como telecomunicações, telefonia, etc), a burocracia os libera, sob controle, para setores do capital externo.

Como toda burocracia, a cubana também tem interesses e privilégios próprios, impossibilitando que abra mão do controle sobre o processo de restauração. Deixar esse processo ser conduzido pelo imperialismo ou por outras forças burguesas abre a possibilidade de ela perder os seus privilégios, principalmente levando em conta o fato de que o atual nível de desenvolvimento das forças produtivas em Cuba não possibilita uma acumulação suficiente para ser ela própria a burguesia gestora da nova (velha) sociedade cubana. As resoluções do VI congresso são inclusive a demonstração cabal de que a política da burocracia cubana aponta para um processo de restauração sob seu controle, garantindo a continuidade dos seus privilégios.

A burocracia conta com boas casas, automóveis sem controle de gasolina, oficinas com ar condicionado, viagens, contas no exterior (fruto de corrupção), etc. Tudo desviado das finanças estatais. São vários níveis de corrupção. Segundo uma reportagem da BBC World (15/04/2011), um importador diz que lhe informaram “…uma conta bancária em um país da África para eu depositar os U$ 94.000 que me cobrou por ter aprovado um contrato”.

A definição desse processo como restauração é importante, porque a burocracia – e inclusive um setor da intelectualidade – têm repetido que não se trata de voltar ao capitalismo, mas incorporar alguns mecanismos de mercado, chegando ao absurdo de igualar com o que os bolcheviques fizeram na década de 20 com a NEP. São duas coisas distintas: a russa era entendida como um retrocesso necessário e temporário; já a cubana é apresentada como parte de uma política socialista.

Afirmamos sem nenhuma dúvida que as reformas do PCC levam inevitavelmente ao capitalismo e ao empobrecimento dos trabalhadores e do povo cubano, em especial à perda de direitos históricos como os de saúde, educação, trabalho e os direitos sociais. Em um país com nível de desenvolvimento das forças produtivas tão baixo quanto o cubano, isso implica em um modelo baseado na superexploração da força de trabalho.

De alguma forma os trabalhadores resistem

As queixas da burocracia do desestímulo, do absteísmo, da baixa produtividade do trabalho e a desídia para com a propriedade estatal, no fundo, é uma resistência “calada” dos trabalhadores ao modelo implementado pela burocracia cubana, pois a classe não se identifica nem com o Estado e muito menos com um Estado que lhe trata muito mal e retira direitos históricos.

É compreensível que esse desinteresse ocorra porque o trabalho planificado burocraticamente torna-se estranho para o trabalhador, porque não é a fonte de satisfação de suas necessidades, mas as da burocracia. Entretanto, a questão é que esse tipo de resistência – de certa forma pela sabotagem – não se expressa em algum tipo de organização, e os resultados que ela apresenta servem de argumento para as reformas da burocracia. Porém, não deixa de ser uma expressão do profundo descontentamento da classe trabalhadora com o “socialismo de Cuba”.

A restauração em curso pode levar a um questionamento mais profundo da direção castrista, tanto pelo fato de haver perda de direitos, como pela dificuldade – para não dizer impossibilidade – de a burocracia destinar parte do capital obtido com os novos negócios para a classe trabalhadora. É bom lembrar que Cuba não tem o mesmo potencial chinês e nem condições de acumular no mesmo padrão chinês. Assim, podem romper-se as bases que durante décadas deram sustentação política ao regime burocrático cubano.

O fato de não haver manifestações incontestáveis dos trabalhadores em favor da reforma do PCC oxalá seja um indicador de estar se gestando um processo de luta contra a precarização das condições sociais. A entrada em cena da classe trabalhadora é a única esperança de se frear as intenções reformistas da burocracia cubana, abrindo a possibilidade de aprofundar a revolução, com a destinação de toda riqueza produzida para as necessidades da população e estabelecimento, de fato, do poder dos trabalhadores, através de seus organismos de luta.

A burocracia não fala em nome do socialismo

O desserviço da burocracia é muito grande: pode ser visto tanto na desastrosa condução econômica do país, levando à crise; como na construção da idéia de que a adoção das atuais medidas – que significam ataques colossais às conquistas dos trabalhadores cubanos – são feitas em nome do socialismo. Aparece aos olhos dos trabalhadores e principalmente da juventude – que sofre as consequências mais danosas – como se o socialismo fosse um sistema sem democracia e que os trabalhadores vivem em constante penúria, enquanto uma casta (que é “mais que uma burocracia e menos que uma classe social”) vive com privilégios. A burocracia cubana não fala em nome do socialismo.

É preciso derrotar a restauração capitalista em curso e lutar pela manutenção (em alguns casos recuperação) dos direitos; a luta pela democracia operária, e com ela a possibilidade de os trabalhadores decidirem sobre todas as esferas de sua vida, podendo exercer plenamente o poder, é também uma luta pela preservação do real significado do socialismo. O socialismo é o sistema social de emancipação do homem em todos os sentidos, a possibilidade de desenvolvimento pleno de todas as nossas potencialidades e de vivência plena, tanto material quanto espiritual (não no sentido religioso). Ou seja, não tem absolutamente nada que ver com que as burocracias (russa, cubana, chinesa, etc) fazem e fizeram.

Assim, um programa socialista para Cuba passa por um conjunto de reivindicações econômicas – garantia da satisfação de todas as necessidades alimentares da população, recomposição das condições de vida com garantia de moradia, educação e saúde para toda a população, etc – e reivindicações para o estabelecimento da democracia operária como expressão do poder político da e para a classe trabalhadora – organização de sindicatos independentes, construção de organismos de poder, etc.

Fora a burocracia castrista do PCC! Viva o socialismo revolucionário!

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