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As mudanças no trabalho diário do professor da escola pública e as consequências políticas e pedagógicas – Setembro-Outubro/2011


15 de outubro de 2013

Este artigo foi publicado originalmente na edição nº 45 do Jornal do Espaço Socialista – Setembro-Outubro/2011

 

A escola pública apresenta em seu funcionamento diário e no papel que deve cumprir a necessidade objetiva de reprodução do contexto social, político e econômico do qual está inserido e que vai além da realidade local.

Essa realidade, nada animadora, do cotidiano escolar que submete a formação dos alunos à hierarquização injusta do mundo do trabalho conta ainda com a escassez de recursos financeiros e técnicos para um funcionamento diário descente, pois além de faltar ainda funcionários, professores, merenda e etc., o que favorece o caos e a violência, transforma professores e estudantes em meros reprodutores da ordem social vigente.

Observar a intrínseca relação entre a crise ideológica de nossos dias com o trabalho prático diário do professor nas escolas estaduais do estado de São Paulo torna-se necessário.

As características individuais e sociais do professor

O professor, bem como os indivíduos de um modo geral, carrega consigo determinadas características humanas, as quais Lefebvre dimensiona bem: “O humano é um fato: o pensamento, o conhecimento, a razão e também certos sentimentos, tais como a amizade, o amor, a coragem, o sentimento de responsabilidade, o sentimento de dignidade (…)” (Lefebvre, in: Marxismo, p. 38)

Essas características interferem na consciência cotidiana do professor, que ao longo da história foi responsabilizado pela inserção de valores morais e sociais na vida das pessoas, sendo ao mesmo tempo pressionado para ser o exemplo e o responsável pelo estabelecimento da harmonia social entre os indivíduos. Além disso, a relação histórica entre religião e Educação também reforçou essa função dada ao professor ao longo dos tempos.


A importância política do professor


O papel histórico cumprido pelo professor permitiu que adquirisse certo respeito perante a sociedade e, de algum modo, tivesse uma influência política expressiva, sobretudo, nas comunidades periféricas.
Isso fez com que as reivindicações dos professores caminhassem lado a lado com a luta por melhores condições de vida dos trabalhadores (por direitos sociais: saúde, moradia, educação, transporte coletivo de qualidade etc.), sobretudo, nos anos 1980.


O uso das características individuais das características e sociais contra os professores

O governo do estado de São Paulo, através das sucessivas gestões do PSDB, mas que também não é diferente dos governos do PT, PMDB, DEM, PSD, PV etc., passou a utilizar-se das características profissionais dos professores para intensificar o trabalho, principalmente durante esse período de crise econômica. Além disso, com a descaracterização política e pedagógica do papel exercido pelos professores no interior das escolas implementou um projeto pedagógico alheio à classe trabalhadora e totalmente adaptado à realidade da desigualdade social.

Sob o argumento de que as mudanças aplicadas no sistema educacional implicam em mais horas de trabalho e maior qualidade, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, explora os esforços, a capacidade de adaptação, a bondade, a coragem, o amor, a amizade, o sentimento de responsabilidade e de dignidade do professor para impor “pedagogias” e projetos.

Com a precarização do trabalho do professor – (contratos temporários, falta de direitos trabalhistas como férias ou férias parceladas, FGTS, 13º, direito de cátedra, etc.); fragmentação dos horários de intervalos; cobrança para que executem tarefas que têm peso político-pedagógico secundário (Diários de Classe com anotações que nada têm a ver com a rotina diária da sala de aula, mas enquadrado nas exigências burocráticas das Diretorias de Ensino); imposição de material didático (Caderno do Aluno); acompanhamento dos intervalos dos alunos; digitação de notas e frequência dos alunos sem computadores suficientes nas escolas, etc. – aumenta-se a exploração do trabalho docente a fim de reduzir gastos com a Educação.

Essas medidas visam arrancar o professor de sua natureza real político-social-histórico através do domínio de sua vida prática no dia a dia da escola. Isso tudo se completa ainda com a introdução de ONGs, parcerias com empresários e banqueiros com o intuito de favorecer uma parcela da burguesia paulista.

A naturalização da cobrança e da pressão no interior das escolas

O governo do estado de São Paulo, através de seu secretário de Educação, fala em diálogo com os professores e de respeito aos espaços democráticos nas escolas. No entanto, quanto mais se diz isso menos encontramos democracia no interior das escolas.

A pressão para que os professores executem todas as determinações sem nenhum questionamento é muito intensa. Qualquer recusa e simples questionamento são tratados como falta de compromisso, falta de vontade, de responsabilidade e são tachados como aqueles que não sabem trabalhar. Busca-se com isso que o professor seja conformado e obediente.

Torna-se normal, no interior das escolas estaduais de São Paulo, a cobrança e a pressão por parte de supervisores de ensino, diretores, coordenadores pedagógicos e até mesmo de alguns colegas professores que passam a agir de modo individualizado em relação aos problemas estruturais e a melhores salários e condições de trabalho.

Dessa forma, a liberdade e o diferente são sufocados com a busca da submissão, da servidão, do empobrecimento intelectual e dentro das regras oficiais, ou seja, tudo que é alternativo não pode ser feito ou testado.

Por outro lado, quanto mais o professor assume tarefas que fogem de seu papel político-pedagógico, mais se torna escravo, refém do atual sistema educacional, mais perde a sua liberdade de inovar, de tentar o diferente, de exercer a profissão, de pensar e agir intelectualmente.

Com tudo isso se procura desconfigurar a profissão (para desmobilizar e desmoralizar) na medida em que reforça a política de desvalorização e contribui para perda da identidade, algo tão defendido em outras categorias de trabalhadores.

A luta dos professores é também a luta dos trabalhadores e seus filhos!

Portanto, não podemos dizer que o professor é culpado pela situação da Educação pública. Diante da crise de alternativa ideológica e da pressão no interior das escolas, os professores estão lançados à própria sorte, mas muitos resistem a tudo isso.

Nesse sentido, os sindicatos, não apenas dos profissionais da Educação, mas de trabalhadores de um modo geral, devem pautar em seus materiais e em suas discussões internas, o tema da Educação pública, pois são os filhos dos trabalhadores que estudam na escola pública.

É necessário também desenvolver uma campanha de valorização da carreira e dos direitos sociais do professor, devendo envolver, sobretudo, as centrais sindicais de esquerda (Intersindical e CSP-Conlutas) e os sindicatos de suas bases.

O sindicato dos professores/APEOESP e as subsedes regionais devem empenhar-se na elaboração de outdoors, mensagens na mídia, cartas abertas, faixas, uso de carro de som, utilização das novas ferramentas de comunicação como as redes sociais a fim de denunciar os reais problemas da escola pública (violência, falta de investimento, corte de direitos como parcelamento de férias) e reivindicar a aplicação de 10% do PIB na Educação pública; a aplicação de 1/3 da jornada para preparação de aulas e correção de avaliações; salário inicial base DIEESE, etc.

Portanto, a discussão sobre a qualidade do ensino público deve ir além da esfera de atuação dos professores. Os trabalhadores de um modo geral precisam participar conosco nessa luta, pois o ensino público deve tratar e defender exclusivamente os interesses da classe trabalhadora.

Precisamos construir e fortalecer os vínculos coletivos no interior das escolas a partir de demandas concretas, realizando reuniões e atividades que discutam formas de resistência e que busquem ao mesmo tempo uma relação construtiva com pais e alunos.
Essa relação com os pais e alunos deve fortalecer a participação dos trabalhadores nos órgãos colegiados dentro das escolas (Conselho de Escola, APM e Grêmio Estudantil).

Por fim, é importante desenvolvermos continuamente entre nós e a comunidade escolar a consciência da possibilidade de construção de uma outra sociedade, fraterna e sem desigualdades sociais em que a Educação sirva para desenvolver as potencialidades humanas e favorecer o que cada um tem de melhor!