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Balanço do CONCLAT


29 de julho de 2010

O CONCLAT (Congresso da Classe trabalhadora), realizado nos dias 05 e 06 de junho em Santos poderia ter sido um passo importante no sentido da unidade dos setores combativos da classe trabalhadora, a partir da fusão das duas principais correntes (CONLUTAS e Intersindical). Poderíamos estar comemorando a formação de uma central unitária de luta, que com todos os limites que tivesse, abriria uma nova situação na reorganização do movimento dos trabalhadores e para a reconstrução da perspectiva socialista no país.

No entanto, o que era para ser uma grande vitória se transformou em uma derrota. O processo de unificação fracassou e certamente quem está comemorando são os patrões, o governo, a CUT, a Força Sindical, a CTB, pois os setores de esquerda não conseguiram avançar no sentido da unidade, um pressuposto que é defendido por todos em seus discursos.

Se o racha e a divisão não forem revertidos, os trabalhadores estarão desprovidos de um instrumento de luta para enfrentar os graves desafios históricos, tão logo a crise econômica que prossegue grassando especialmente na Europa retorne ao Brasil.

Por que deu Errado?

De 2007 a 2009, havia uma pressão objetiva pela unidade, com a emergência da crise econômica e a cobrança da vanguarda sobre as direções das correntes, afinal os setores que entraram em luta ao longo de todo o governo Lula estavam cansados de ver a esquerda dividida. Em 2010, com o crescimento – em grande medida artificial – da economia e a entrada em cena do debate eleitoral, a diminuição das lutas fez com que essa pressão pela base diminuísse. Com isso prevaleceram os interesses e a prática das correntes majoritárias de privilegiar a disputa pelo controle das entidades sindicais, em detrimento do atendimento às necessidades básicas e históricas da classe, entre elas a necessidade imperiosa da unidade.

Apoiando-se no fato de ter a maioria dos delegados e num Bloco com o MTL, o PSTU conseguiu fazer aprovar todas as resoluções que lhe davam a vitória no Congresso e o controle da Central. Desde o início se mostrou insensível para a necessidade da unidade, como quando votou contra e impediu a aprovação pelo Congresso de um movimento político dos trabalhadores que pudesse se constituir em uma referência unitária dos trabalhadores no processo eleitoral contra a falsa polarização entre Serra e Dilma. Optaram por manter uma política de divisão na esquerda que deverá ter três candidaturas (PSOL, PSTU e PCB).

O PSTU também conseguiu ver aprovada sua proposta de composição da direção, com uma coordenação composta por membros eleitos nas entidades (mesmo modelo da Conlutas) e uma secretaria executiva eleita em Congresso.

A segunda votação polêmica foi a do caráter da Nova Central. O PSTU/MTL conseguiram fazer passar o caráter sindical, popular, estudantil e de luta contra as opressões, contra a proposta da Intersindical que defendia que a central deveria se limitar ao movimento sindical e popular. Essa vitória aumentou o peso do PSTU na nova central, já que esse partido tem maioria nos movimentos estudantil e de luta contra as opressões. A Intersindical, por sua vez, ficava em condições piores nessa disputa, por ter menos peso nesses movimentos. Em uma disputa equilibrada esse percentual acentuava o controle do PSTU.

Desde o início desse debate nós chamávamos a atenção de que a discussão do caráter da nova central estava viciada pelos cálculos de quem teria o controle da Nova Central.

Nós do Espaço Socialista votamos a favor do caráter mais amplo da entidade por entendermos que não comprometeria o perfil classista da entidade (o setor estudantil e de luta contra as opressões teria apenas 5%) e seria uma forma concreta de arregimentar esses setores para a luta ao lado dos trabalhadores. No entanto, a partir dessa votação, a tensão foi aumentando e as condições para a unidade foram se esgotando.

A gota d'água viria a seguir com a polêmica sobre a questão do nome. A proposta do PSTU era que o nome da Nova Central fosse CONLUTAS/INTERSINDICAL que, para incorporar, o MTL acrescentou a esse nome CENTRAL SINDICAL e POPULAR! Essa proposta foi desde o início rechaçada pelos demais setores, pois percebiam a clara manobra do PSTU de ao invés de apostar na Nova Central de fato, continuar na prática construindo a CONLUTAS. Já no dia anterior (sábado) a Intersindical reafirmou sua posição de que não aceitaria em hipótese alguma esse nome e que a Central tinha que ter um nome novo, posição que suas lideranças já haviam manifestado desde as reuniões da Comissão Pró-Central, que organizou o Congresso.

Os ânimos das duas bancadas ficaram tão acirrados a ponto do PSTU estabelecer um cordão de isolamento separando sua bancada do restante do plenário. Após defesas conturbadas, venceu a proposta de "Conlutas-Intersindical – Central Sindical e Popular" defendida pelo PSTU e MTL.

A Intersindical, MAS , TLS e Unidos para Lutar abandonaram o Congresso e deixaram no recinto os delegados da Conlutas, MTL e MTST . O PSTU buscou então compor uma Secretaria executiva provisória, oferecendo cargos para todas as correntes no afã de dar legitimidade para um processo que já tinha ido por água abaixo. De nossa parte, diferente de outras correntes que foram atraídas pela possibilidade de cargos, nos recusamos a compor a executiva de uma Nova Central que na prática não existe. Em uma intervenção no Plenário, defendemos que o processo seja reaberto, com a necessária discussão pela base tanto sobre o nome quanto sobre o programa e plano de lutas e também sobre uma política que combata a burocratização, lacunas graves deixadas neste CONCLAT.

No dia seguinte, a Conlutas divulgou nota tentando minimizar o fracasso anunciando a fundação da nova central e criticando a Intersindical e demais setores que se retiraram.

A Intersindical, por sua vez, se disse disposta a continuar o diálogo em torno da unidade, mas acusou o PSTU, que dirige a Conlutas, de querer impor todas as suas propostas e hegemonizar o processo a todo custo.

A pergunta que vem à tona é: Porque uma questão aparentemente simples como o nome da nova central levou à ruptura no CONCLAT? O que leva uma corrente majoritária, o PSTU, no caso, que já havia ganho todas as votações fundamentais para o seu projeto, que já tinha o controle da nova entidade a não ter o mínimo de sensibilidade para abrir mão da questão do nome, uma questão extremamente secundária como forma de impedir a ruptura? Por outro lado como explicar a saída da Intersindical e de outros setores, porque sua proposta de nome não foi aprovada?

A disputa pelo aparato falou mais alto

Fica claro que tanto o PSTU quanto a Intersindical colocaram mais uma vez seus interesses de hegemonia acima e contra os interesses maiores que são os do movimento e da classe trabalhadora e, com isso, colocaram a perder um processo muito importante que estava se construindo.

O CONCLAT acabou reproduzindo, com a ruptura do processo de unidade na esfera sindical, o mesmo fenômeno que se deu na esfera eleitoral, com os partidos que representam os trabalhadores, PSTU, PSOL e PCB, lançando candidaturas separadas e com isso fragmentando a já fragilizada influência das idéias socialistas na disputa política com a burguesia e a burocracia.

A disputa pelo aparato é a explicação do porque a questão do nome adquiriu tanta importância. Com a manutenção do nome CONLUTAS na nova central, o PSTU queria assegurar na prática a estrutura e o nome já conhecido da CONLUTAS. Na eventualidade de vir a perder a maioria na Nova Central, para a INTERSINDICAL, o PSTU poderia facilmente romper e manter-se no controle da CONLUTAS, sem grandes problemas. É importante lembrar que um importante setor da INTERSINDICAL não quis participar do CONCLAT, mas futuramente poderia vir a ingressar na Nova Central, ameaçando o controle do PSTU sobre a Nova Central a curto ou médio prazo.

Ao recusar-se a abrir mão do nome CONLUTAS na nova central, o PSTU estava pensando não no presente, quando já tinha o controle garantido, mas no futuro. A simples possibilidade de vir a ser minoria algum dia fez com que o PSTU se aferrasse em sua proposta de nome, tensionando o Congresso e fornecendo o pretexto para ruptura da Intersindical e de outras correntes.

Já para a Intersindical era importante um nome novo, tanto para apagar a marca CONLUTAS, como para tentar convencer outros setores que tinham ficado de fora a entrar na Nova Central e assim ultrapassar o PSTU no controle da entidade.

Consideramos um absurdo tanto a intransigência do PSTU de não abrir mão do nome quanto o fato de a INTERSINDICAL ter saído do congresso pelo motivo de terem perdido a votação. Outro elemento para essa crise é como explicar para os trabalhadores que uma central que vinha sendo construída há tempos rompe por conta de um nome. Mais uma vez as correntes majoritárias colocaram os seus interesses acima das necessidades da classe trabalhadora brasileira.

A democracia operária é que sofre…

Nesse sentido a defesa que o PSTU faz de seu endurecimento político em nome do que seria a democracia operária, argumentando que quando se é maioria cabe simplesmente exercer sua força enquanto às forças menores cabe simplesmente se sujeitar, não procede.

Primeiro porque se é correto dizer que na democracia operária em última instância devem prevalecer as decisões por maioria contra o método do consenso paralisante, também é certo que a democracia operária não se resume a uma fórmula aritmética de maioria e minoria. Abrir mão de um nome para garantir a unidade do processo mais importante da classe trabalhadora dos últimos anos expressa mais a democracia operária do que garantir a imposição de uma posição sobre um tema que não seria decisivo para os trabalhadores. Democracia operária é compreender as decisões de modo justamente a garantir a força da unidade e não provocar a divisão. Nesse sentido a polarização e o endurecimento de posições se fazem necessários quando estão em jogo questões fundamentais para o movimento, onde até mesmo a ruptura às vezes é necessária e se justifica, como as rupturas com a CUT. E esse não é o caso agora.

Deixamos claro que não somos a favor da predominância do consenso, muito menos os consensos de cúpula. No entanto, a polêmica sobre o nome não era de modo algum uma questão fundamental para o futuro da Nova Central. Era possível e necessário que o bloco majoritário cedesse de modo a impedir a ruptura, ou seja, também é preciso saber exercer a maioria de forma equilibrada e não como um trator, pois está provado que esse método não constrói, só leva à divisão e ao enfraquecimento da classe.

Além disso, a democracia operária não se resume ao momento de se levantar os crachás. É preciso que o debate tenha sido feito amplamente e de forma o mais profunda possível, o que realmente não aconteceu. A proposta de nome feita pelo PSTU não foi apresentada nas Plenárias de tirada de delegados e foi tornada pública apenas nos últimos dias antes do Congresso, sem que houvesse as condições da base discutir e ponderar o que estava em jogo.

Um congresso despolitizado

De fato, o Congresso em si também foi bastante despolitizado. A mesa de abertura consumiu horas com intermináveis saudações das correntes principais, o que roubou precioso tempo de debate. Em função do monumental atraso, os grupos de discussão se instalaram apenas para cumprir tabela, pois as propostas não foram encaminhadas para plenária. Não houve discussão de programa e nem de plano de lutas, um problema gravíssimo, pois são temas fundamentais para a luta de classes.

A democracia operária tem como pressuposto uma discussão política profunda, onde todos possam expressar as suas propostas e também conhecer outras propostas. Sem a discussão que permita compreender a realidade não é possível exercer qualquer mecanismo de democracia operária, sem discussão política não há democracia operária.

A ruptura do processo de Reorganização expressa os limites políticos de uma concepção de atuação sindical superestrutural. Em nossos materiais e teses publicados como contribuição para esse processo, expusemos a preocupação de que os debates estavam girando em torno de questões superestruturais, organizativas, negligenciando a participação efetiva da base e as questões políticas de fundo. A necessidade da construção de um movimento político dos trabalhadores que se apresentasse como alternativa ideológica classista e socialista em face da burguesia e da burocracia não foi levada em conta pelas correntes majoritárias da esquerda.

Retomar a unidade pela base

O Congresso deveria discutir maneiras de organizar os trabalhadores pela base, organizar as oposições sindicais para retomar os sindicatos para a luta, desenvolver a formação teórica e política e elevar o nível de consciência dos trabalhadores, combater a burocratização e resgatar a democracia e o controle das bases, combater o corporativismo e a separação os trabalhadores em segmentos formais, informais, terceirizados, precarizados, etc.

Apenas encarando essas tarefas o movimento sindical poderia dar um salto de qualidade. Os processos de burocratização e aparatização da luta já produziram grandes derrotas no passado e continuarão produzindo enquanto não forem combatidos duramente. No entanto o que vemos é que essas discussões não interessam às grandes correntes da esquerda, pois isso as obrigaria a enfrentar a crítica pelos vícios que permanecem nos sindicatos sob seu controle, quais sejam: a burocratização, a falta de transparência em relação às finanças, o distanciamento da base. Além disso, essas correntes se omitem também de travar a disputa ideológica pelo socialismo na consciência da base nos sindicatos e no movimento, sob a justificativa de que essa é uma tarefa restrita aos partidos. Ao mesmo tempo, os partidos tem como obsessão aparatizar os sindicatos.

Torna-se cada vez mais urgente discutir as alternativas para o movimento. A resposta deve ser dada no movimento, na ação prática de construir as oposições, organizar pela base, disputar a consciência, combater a burocratização, etc.

O balanço bastante crítico que apresentamos do processo de Reorganização e sua materialização na conclusão do CONCLAT se propõe a contribuir para a superação dos erros cometidos. Os ativistas e militantes honestos e combativos têm a tarefa de refletir sobre esses pontos e questioná-los, pois a construção da unidade permanece sendo crucial para o enfrentamento dos desafios que virão. No entanto, apesar das divergências, a busca pela unidade permanece como um dos desafios mais urgentes não apenas para a vanguarda, mas para a classe trabalhadora no sentido de se constituir em alternativa prática e programática ao domínio do capital. E dificilmente isso acontecerá se o processo ficar restrito às cúpulas, cujos interesses não se coadunam com as necessidades do movimento, como acabamos de ver. Defendemos que o processo seja reiniciado e cabe aos ativistas e militantes de base reforçar a cobrança no sentido de que as correntes voltem a se reunir e seja retomado o caminho da unidade, dessa vez em base a uma discussão ampla e pela base dos principais desafios a serem enfrentados, com a flexibilidade nas questões que não sejam de princípio e com os olhos voltados para o movimento de conjunto e não de um setor apenas, qualquer que seja ele.

Não podemos depender da postura das correntes maiores, pois o que se tem privilegiado entre elas é a disputa pelo aparato e a despolitização. Assim, fazemos um chamado a todos os ativistas e militantes para a constituição de um bloco que possa lutar pela recomposição desse movimento e que também possamos dar a batalha para garantir a discussão e aprovação de um programa socialista e de um plano de lutas e mecanismos reais de democracia operária.