Desde março de 2019 o Espaço Socialista e o Movimento de Organização Socialista se fundiram em uma só organização, a Emancipação Socialista. Não deixe de ler o nosso Manifesto!

Muito mais do que 20 centavos, muito menos do que precisamos


2 de julho de 2013

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Nos últimos anos, e até algumas semanas atrás, dizia-se que o Brasil estava fora da crise mundial imposta pelo capitalismo ou “descolado” dela. A propaganda do governo, das burocracias sindicais governistas e da mídia era de que o Brasil havia alcançado o crescimento sustentável e se tornado a 6ª economia do mundo. Ao mesmo tempo caminhava em direção à “justiça social”, com “melhor distribuição de renda”, ascensão de uma “nova classe C” (seja lá o que for isso), etc. E que o fato de sediarmos os megaeventos esportivos seria a prova do nosso ingresso no clube das potências mundiais.

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De repente, em pouco mais de duas semanas, tudo isso veio abaixo. No início de junho milhares de manifestantes tomaram as ruas de São Paulo contra o aumento no valor das passagens do transporte público, muito acima da inflação.

Os protestos, que já haviam ocorrido no início do ano também em outras cidades, como na região do ABC paulista e que foram brutalmente reprimidos, demonstravam que polícia e governos não estavam a fim de conversa.

A intensificação da repressão às manifestações nas ruas da capital gerou enorme indignação e fez com que, na semana seguinte, dezenas de milhares de pessoas saíssem às ruas, não somente em São Paulo, mas em vários estados e também fora do país.
A mídia burguesa, que inicialmente condenou os manifestantes como vândalos e baderneiros muda o discurso, a fim de evitar que os movimentos tomem rumos indesejáveis para a burguesia, e passa a festejar a “cidadania”.

A insatisfação latente, historicamente represada e difícil de mensurar veio à tona e está expressa nessa imensa onda de manifestações.

Os reajustes das tarifas de transportes já foram revogados em quase todas as cidades, depois que os manifestantes se reapropriaram das ruas e trouxeram de volta o sentido coletivo das lutas.

E mesmo sem ter sido atendida toda a pauta do transporte (lotação, tempo de espera, itinerário, estatização, etc.) outras reivindicações tomam força a cada dia: A corrupção, contra a precariedade da Educação e da Saúde, contra os altos custos da Copa, contra a falta de moradia, contra o domínio da Igreja e das leis sobre o nosso corpo, etc. Reivindicações apresentadas e incorporadas na tomada das ruas.

O repúdio aos partidos também está presente nos atos e, como já era de se esperar, se associa a ação organizada de grupos de Direita. Esses grupos, se aproveitando da situação instalada no país, procuram confundir os manifestantes e criar uma ideia de que os partidos de Esquerda apoiam o governo que aumenta a passagem, portanto, devem ser expulsos dos atos.

O fenômeno das manifestações, que coloca o Brasil nos noticiários internacionais, demonstra, dentre vários aspectos, a incapacidade do governo de reverter, de imediato, a situação. A conjuntura nacional está completamente alterada e nos impõe análises detalhadas.

Democracia burguesa, muito prazer?

Tem sido assim: Enquanto ganhamos pouco, andamos de ônibus lotado e caro, não temos espaço para lazer, ficamos confinados na periferia, pagamos altas mensalidades ou não conseguimos entrar na universidade, ou seja, nos mantemos dentro “da mais perfeita ordem”, o sistema nos trata como cidadãos.

Para nos controlar há todo um aparato político e ideológico que, desde cedo, nos “educa” como quer a classe dominante. O controle ideológico e social é tão forte e eficaz que, muitas vezes, vemos, no nosso meio, a utilização de palavras que são próprias dos dominadores. Um exemplo é ouvir manifestante chamar manifestante de baderneiro, vândalo, etc. É a reprodução da linguagem expressa nas matérias de jornais e de televisão ou a repetição do que os representantes do governo dizem.

Mas, quando levantamos a cabeça: O poder do Estado mostra a sua verdadeira cara, isto é, de controle de uma classe sobre outra. Quando a forma tradicional e normal de dominação falha entra em cena, imediatamente, o controle através da violência do Estado.
A violência do Estado está presente no monopólio das armas e com as leis que legitimam o uso da força. Qualquer conflito é claramente desigual, pois, do nosso lado temos a consciência e a disposição de seguir adiante. Por isso que nas revoluções uma das primeiras tarefas dos lutadores é se apropriar do armamento para que a disputa se equilibre.

Com essas manifestações e com a ampla mobilização da Juventude pelo país é

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Ato pela redução da tarifa do transporte público, junho de 2013, São Paulo.

 

 muito importante para nós, marxistas, desmascararmos o caráter ditatorial da democracia burguesa.

As cenas de repressão policial (e o papel da mídia) que se espalham pelo país trazem à tona o verdadeiro caráter de classe da democracia burguesa.

As prisões, acusações infundadas (como de formação de quadrilha), bombas e tiros contra a população não são coisas exclusivas da ditadura militar. Demonstram a essência da democracia burguesa, ou seja, a ditadura da burguesia sobre os trabalhadores. E a repressão aos trabalhadores e aos que lutam. Esse é o seu conteúdo.

A forma, a depender da correlação de forças, pode mudar. Temos as eleições, o direito à reunião, à liberdade de expressão, temos os partidos de Esquerda legalizados, há espaço para manifestações. Obviamente tudo deve estar dentro dos limites estabelecidos pela lei, pela polícia, etc. Mas, nos regimes diretamente totalitários nem essas possibilidades existem.

É muito importante compreendermos o papel reacionário da democracia burguesa para nos preparar para o essencial: o enfrentamento ao prefeito, ao governador, e à presidente, pois, todas as nossas lutas precisam ser também contra a própria lógica de dominação de uma classe sobre a outra. Se os governos passam, a dominação também precisa passar. Isso é fundamental.

Governos reagem ao movimento com mais polícia e repressão

Não é por acaso que o aumento no valor das passagens e outras medidas econômicas foram adotadas em comum acordo e ao mesmo tempo. Os governos do PT, do PSDB e do PMDB aplicam o mesmo projeto econômico no país. E, obviamente, o tratamento dado às manifestações tem sido o mesmo dado aos movimentos sociais.

A repressão tem sido intensa por parte das polícias estaduais (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília). E o governo Dilma (dos mensaleiros, condenados e não presos), através do Ministro da Justiça, além de oferecer “ajuda”, ordena à Polícia Federal o monitoramento do movimento. Essa é a mesma polícia que assassinou o índio terena Oziel, na desocupação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul.

Dilma já havia enviado a Força Nacional de Segurança para proteger as empreiteiras e os reprimir operários da construção civil de Belo Monte. Também já havia enviado centenas de soldados dessa mesma força para reprimir as manifestações em BH. Sem dizer que agentes da ABIN (Agência Brasileira de Informações) há muito monitoram os movimentos sociais. Essa é a tendência geral na ação do Estado para tentar intimidar qualquer movimento de luta e de questionamento da ordem estabelecida.

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Final da Copa das Confederações, no RJ

Esse processo de criminalização dos movimentos tem se demonstrado há algum tempo: Temos os estudantes processados da USP. As desocupações de terras e reintegrações de posse (como no Pinheirinho em São José dos Campos). Demissão e perseguição dos militantes e ativistas sindicais. Prisões dos estudantes da UNIFESP Guarulhos. Perseguição e assassinato aos sem-terra, etc. Além disso, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei que equipara as ações do movimento social ao crime de terrorismo.

Enfrentarmos a repressão e a criminalização dos movimentos sociais é urgente. É fundamental incorporarmos, como umas de nossas principais bandeiras, a luta pelo fim dos processos e o fim da criminalização dos movimentos sociais. Essa bandeira democrática é essencial para o prosseguimento dessas e de outras lutas sociais.

Seja qual for o rumo das manifestações a denúncia da repressão, a exigência de libertação dos presos, de retirada dos processos, de condenação dos repressores, etc. precisam continuar parte de nossa vida. Sabemos que a polícia “paz e amor” que vimos em algumas manifestações no centro de São Paulo, pós 13 de junho, está com prazo de validade vencido. A repressão aos protestos realizados na periferia da cidade, como da desocupação na Zona Leste, continua com bombas de gás e com tiros, que não são somente de balas de borracha, contra a população.

A reconquista das ruas

Quando a repressão chegou ao auge, quando foi denunciada a violência policial em todas as mídias, quando a Dilma foi vaiada em plena abertura da Copa das Confederações, quando milhares de pessoas anunciaram apoio às manifestações nas redes sociais não apenas virtualmente, mas comparecendo às ruas nos dias que seguiram, quando as manifestações se generalizaram… Passamos a ser milhares de pessoas, sobretudo jovens, nas ruas, dizendo não aguentamos mais tamanha opressão.

Trabalhadores e estudantes em luta de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Maceió e de tantos outros lugares se juntam aos movimentos populares contra as desapropriações para construções de estádios para a Copa. Demonstram não suportar mais a precariedade da Educação, da Saúde e dos serviços públicos em geral. Não aceitar mais que o dinheiro público seja desviado para obras superfaturadas de eventos esportivos, enquanto o país sofre com tantas outras carências.

Após semanas em luta em São Paulo a conquista foi muito maior do que R$ 0,20 na passagem. O movimento conquistou as ruas, o direito de lutar, de se manifestar, de se expressar! O direito de ir e vir, garantido na Constituição, mas que somente vale para alguns como tudo no Estado burguês, foi testado. Vemos que quem controla o poder econômico e social são as grandes empresas, inclusive de transporte, que não aceitam perder nenhum centavo. Que além dos governos atenderem a isso há a polícia para garantir que isso ocorra e age com extrema violência, como na batalha de 13 de junho, em São Paulo.

Mas, como polícia raivosa não combina com agressão a jornalistas – que estavam a serviço dos grandes meios de comunicação (Globo, Folha, Veja) e que estavam prontos para fabricar uma versão da história de que os manifestantes vândalos e baderneiros tomavam conta dos atos, mas obrigados a mostrar o que as câmeras registravam da barbárie provocada pela polícia – expõe-se também o quanto o aparato repressivo do Estado burguês vandaliza e baderna quando se contestam os interesses capitalistas, em regime ditatorial ou “democrático”.

Vimos que essa brutalidade cumpriu um papel inverso diante da dura realidade dos manifestantes brasileiros, não afastou o movimento das ruas e criou uma necessidade de demonstração de solidariedade e ação coletiva que movimentou trabalhadores e estudantes em todo o país. É difícil precisar o número, mas somos mais de milhões de manifestantes em mais de cem cidades!

Muito mais que 0,20 centavos

A mobilização da Juventude é nacional. E o apoio dos demais trabalhadores demonstrou que não foi uma luta somente contra o aumento das passagens. Foi “contra todo um sistema falho”, como disse uma das organizadoras do ato de apoio às mobilizações e de repúdio à ação policial realizado na Irlanda.

Isso reafirma que o sistema capitalista, em crise estrutural, não oferece aos jovens qualquer perspectiva de vida digna. A necessidade de aumentar a exploração para garantir, minimamente, a manutenção da taxa de lucro faz com que o capital reserve para a Juventude condições de trabalho e de salário bem piores.

Congresso Nacional, 17 de Junho de 2013, Brasília.
Congresso Nacional, 17 de Junho de 2013, Brasília.

Essas são as causas das rebeliões da Juventude também no Oriente Médio, no Norte da África, em vários países da Europa, no Chile e agora no Brasil.

Os milhares de jovens (mesmo que não seja algo consciente) encontram nas ruas o espaço para protestar contra a repressão, contra o confinamento a que estão submetidos, contra a falta de condições mínimas de existência, a falta de lazer, de espaços culturais, contra a vigilância que o Estado exerce pelas redes sociais (nunca se pôde falar tanto e ser tão vigiado), contra o desemprego e o trabalho precário, por salário decente e principalmente contra a falta de perspectiva de futuro.

É justo que seja assim, pois, mesmo considerando em específico a questão do transporte, por trás do aumento das passagens há a relação político-econômica com as empresas de ônibus (em que se resolve com assassinatos as disputas pelo controle do transporte coletivo em várias cidades), os contratos com ampla desvantagem para o poder público, um sistema de concessão em que prevalecem as péssimas condições do transporte e do itinerário para os bairros mais distantes.

Também há o apoio financeiro dos donos das empresas de transporte (caixa-dois) às candidaturas dos partidos da ordem. Por isso, em São Paulo, prefeito e governador disseram não poder recuar em relação ao aumento e recorreram às concessões de subsídios federais para não afetarem o lucro e não fecharem a torneira pela qual passam milhões de reais para as campanhas políticas.

Como o sistema não pode atender o que, de fato, a Juventude procura, sem colocar em xeque a lucratividade dos empresários do setor e do próprio capital, o governo tentou conter a sua capacidade de reação com a utilização da violência. Agora, tenta derrotar ou frear o movimento antes que avance para reivindicações que questionem verdadeiramente o sistema que não é apenas falho, mas inapropriado para a existência humana.

Essa luta, por ser uma luta social, enfrenta, pode não parecer, a política econômica que privilegia os bancos e as grandes empresas, questiona a unidade da burguesia e dos principais partidos (PT, PSDB, PMDB) em torno do projeto para o país, ou seja, enfrenta um projeto de poder.

Muito menos menos do que precisamos

A luta contra o aumento das passagens em São Paulo obteve vitória ao revogar o aumento conforme anunciado em conjunto pelo governador Alckmin e pelo prefeito Haddad. Mas, um dique já havia sido rompido e a inundação das manifestações se espalhou pela cidade e pelo país.

O aumento das passagens, muito acima da inflação, penaliza quem trabalha e depende de transporte público. Além disso, não se justifica porque o transporte é precário, insuficiente, desconfortável, em que se espera muito tempo por um ônibus ou trem e se viaja esmagado durante horas, para ir de casa ao trabalho ou vice versa.

Essa precariedade do transporte é a mesma dos hospitais públicos, em que temos que esperar longas horas na fila para sermos atendidos, longos meses para marcar um exame ou conseguir um tratamento (cirurgia, então, é um sonho). É a mesma da Educação, em que muitos saem do Ensino Médio sem saber ler ou interpretar. É a mesma da moradia em que milhões ainda vivem empilhados e sem saneamento básico nas periferias e favelas.

Tudo isso tem sido confrontado com os gastos exorbitantes com as obras da Copa. Gastos dos quais, já sabemos, vai uma parte direto para o bolso dos políticos corruptos, que dividem parte do dinheiro enviado às empreiteiras. Políticos que sempre roubaram dinheiro público e saíram impunes.

Repressão em Fortaleza.
Repressão em Fortaleza.

É toda essa insatisfação que está presente nas manifestações. A chamada “classe C”, criada nos governos do PT, com trabalhadores que tiveram acesso ao consumo, está enforcada pelas dívidas (com prestações de imóveis, automóveis, eletrodomésticos, carnês de financiamento, prestações de lojas, cartões de crédito, cheque especial, etc.). Apesar de ter tido acesso ao crédito nos bancos, desde os últimos anos do segundo mandato de Lula, essa parcela da população não teve aumento real da sua renda.

Apesar de a burocracia sindical governista festejar aumentos salariais “acima da inflação” em várias categorias, sabemos que se trata de porcentagens ínfimas e aumentos que não repõem as perdas acumuladas. Os índices de inflação são sempre manipulados para não incluir os gastos que trazem mais impacto para a população trabalhadora, como por exemplo, alimentação ou transporte.

Além de não termos tido aumento real da renda, tivemos aumento de serviço. Essa é uma das receitas para tentar contornar a crise mundial do capitalismo e manter a taxa de lucro no país: aumentar a exploração, por meio da intensificação do trabalho. Isso significa colocar uma carga maior de serviço sobre cada trabalhador, por meio da cobrança de metas, do autoritarismo das chefias, do assédio moral, etc.

Toda essa situação material concreta foi a base para as manifestações que explodiram nas últimas semanas. Alguns sinais de insatisfação com essa situação dos trabalhadores já haviam se manifestado também em outros locais, como nas revoltas dos operários das obras do PAC (em Jirau – RO, Belo Monte ou outras). Pequenos focos de rebelião da Juventude universitária, e que foram tratados com um monumental aparato repressivo, também já eram indícios dessa insatisfação. Tudo isso estava latente e era impossível de prever o momento exato em que viria à tona. Agora que a insatisfação se manifesta os rumos do país estão sendo repensados.

O perigo de retrocesso

Para evitar que as manifestações tomem rumos que a burguesia perca o controle, a mídia tem passado a apoiar a população e a incentivar novos protestos. E, se nos primeiros protestos víamos a Juventude universitária, politizada e com tendências de Esquerda (mesmo que não organizada em partido) liderando; a partir da generalização, começamos a ver manifestantes e moradores de bairros centrais darem o tom, como têm ocorrido na Avenida Paulista e parece-nos em outras regiões do país.

De repente, movimentos de luta tem se transformado em verde e amarelo, com apelo à nacionalidade e ao patriotismo. A mídia, por sua vez, tem valorizado esse tipo de manifestação e divulgado como “pacífica”, para se contrapor aos protestos radicalizados que ainda acontecem em algumas regiões da cidade e do país.

Ao contrário da linha pacifista, muitos protestos continuam tendo como alvo os prédios públicos, as prefeituras, palácios do governo, câmaras legislativas, isto é, os símbolos do Estado e de suas instituições.

A burguesia e a Direita tem passado a aceitar os protestos pacíficos (em que prevalece a lógica do questionamento parcial e da passividade em relação ao conjunto do sistema), isso representa uma intervenção política direta da mídia sob os rumos do movimento. Também demonstra nitidamente a importância dessa distinção para ganhar a opinião pública, tirar a força dos atos e ainda desviar o foco que poderia se voltar contra a burguesia. Ou seja, manifestações “democráticas” e “pacíficas” (as de classe média, tendo como modelo a Avenida Paulista) e manifestações violentas e de “vândalos” (as de grupos “radicais” ou “minoritários” que se atacam os símbolos do poder).

O chamado ao nacionalismo, também incentivado pela mídia, completa essa necessidade de frear as lutas. Embora haja nacionalismos que são extremamente progressistas (como o nacionalismo palestino que expressa a luta contra a ocupação de seu território pelas forças israelenses ou quando se luta contra a ocupação de um Estado imperialista) não é o que vemos hoje. Nesse momento nos deparamos com a defesa de um nacionalismo reacionário, que coloca trabalhador contra trabalhador. E se não considerarmos isso corremos o risco de nos aproximar do nacionalismo estadunidense, que defende e apoia a invasão militar sobre outros países apenas para salvaguardar a lucratividade das grandes corporações.

Ao mesmo tempo, a mídia tem aproveitado para introduzir, também de forma alienada (não esclarece o que é, como se desenvolve, quem corrompe e quem é corrompido, porque não se resolve, etc.), o tema da corrupção, já que depois de 10 anos de governo, o PT está identificado como um partido de demagogos e corruptos. A questão é que qualquer partido ou governante eleito para gerenciar esse Estado se submete a governar para a classe dominante e recebe dinheiro em troca dos serviços que presta para viabilizar os negócios dos corruptores. O PT é tão corrupto quanto qualquer governo do PSDB ou de qualquer partido. Encaminha os interesses dos bancos, dos latifundiários, dos industriais, dos capitalistas em geral tanto quanto qualquer partido.

A corrupção é inerente ao sistema capitalista. É assim que o sistema funciona em qualquer país e desde que o capitalismo existe. A Direita se aproveita desse tema quando quer atacar algum governante que queira dividir em pé de igualdade os frutos do roubo. A nossa luta contra corrupção precisa, fundamentalmente, questionar esse sistema.

Além disso, o controle do Estado, aparelhado pela burocracia petista, ainda desagrada setores arquirreacionários, como a revista Veja. Por isso, a mídia tem se aproveitado das manifestações para transformá-las em um movimento contra PT, que esquece o PSDB, ao qual a classe média, especialmente da Avenida Paulista, aderiu em massa.

Dessa forma, o repúdio ao PT – na consciência atrasada e senso comum e com a ação direta de elementos de extrema Direita, claramente identificados como fascistas – foi se transformando em repúdio aos partidos de Esquerda. E isso teve repercussão, houve aplauso quando, partidos e organizações de Esquerda (PSTU, PCO, PCB, CSP-Conlutas, Espaço Socialista, etc.), fomos obrigados a nos retirar para evitar um confronto de maiores proporções na Avenida Paulista, no último dia 20.

Observamos na história que o fascismo se aproveita do que há de mais atrasado na consciência (como generalizar o repúdio aos partidos) para atacar especificamente os partidos de Esquerda e tentar mudar os rumos de um movimento. Nesse caso, busca barrar a influência da Esquerda a fim de eliminar qualquer possibilidade de transformação da estrutura de poder existente.

A fragilidade da Esquerda organizada, o distanciamento e a pouca inserção é profundamente sentido. O fato de não conseguirmos nos manter numa manifestação, que contribuímos com a sua convocação, e sermos confundidos com o PT, mesmo levantando a bandeira do antigovernismo, significa que a linha demarcatória ainda está bastante tênue.

A falta de trabalho ideológico dos principais partidos e entidades de Esquerda, de diferenciação com os partidos da burguesia e de propaganda do socialismo permitiram à Direita organizada fazer sua propaganda em meio aos protestos, mesmo já dispondo de todos os veículos de mídia.

O que explica o repúdio aos partidos?

A rejeição aos partidos e as bandeiras vermelhas em alguns atos (principalmente nos mais massivos) tem sido sem dúvida algo “novo” desse processo. Os casos mais violentos que, inclusive, obrigaram a Esquerda a se retirar das manifestações foram protagonizados por grupos organizados de Direita (integralistas, skinheads) amparados por amplos setores de manifestantes. Mas, inegavelmente, isso segue num sentido para além dos grupos organizados da Direita.

Compreendermos esse processo é importante para não chegarmos a conclusões e a manobras que terminem por favorecer o governo Dilma e o PT, adaptados à ordem e objeto da maioria das críticas, como é a discussão de um possível Golpe que, obviamente, se contraporia à defesa de um governo “democrático”.

Três questões merecem destaque: Uma, é que a rejeição aos partidos e ao vermelho são por conta do papel desempenhado pelo PT e pela CUT. Milhões de pessoas depositaram as suas esperanças nesse partido, o elegeu três vezes seguidas e viram o governo colocar na gaveta todos os projetos que beneficiavam, minimamente, os trabalhadores e a classe média. Além disso, o envolvimento em vários casos de corrupção, a aproximação com a Direita ruralista, os acordos com os parlamentares e etc. questionaram a sua base de apoio na classe trabalhadora.

É nesse sentimento que a Direita se apoia para fazer parecer que todos que se utilizam do vermelho como símbolo são petistas ou são todos iguais, tentando, inclusive, estender a crítica aos comunistas que nem tinham apoio dos manifestantes. Os fascistas e neonazistas sabem muito bem quem são e o que defendem o PSTU, o PSOL, o PCB e as outras organizações da Esquerda e buscam impedir que os manifestantes os conheçam também. E, infelizmente, boa parte dos manifestantes restringiu as suas críticas aos partidos e às bandeiras vermelhas sem ao menos tentar entender as reais intenções dos que estão promovendo essas ações amparadas nas práticas fascistas ou nazistas.

A segunda questão é que as pessoas estão cansadas de serem enganadas e de verem vários partidos se apropriando de suas demandas e depois, na primeira oportunidade, abandonando tudo em nome do favorecimento pessoal ou em favor daqueles que comandam o poder. É um sentimento limitado às ilusões eleitorais, ou seja, que nas próximas eleições poderá mudar, mas ainda assim é progressivo. Em luta esse sentimento pode se transformar em ações e alterar a reação dos trabalhadores em geral, isto é, ao observarmos que os partidos não fazem, então façamos nós mesmos!

A terceira questão diz respeito às lições que nós, da Esquerda, devemos aprender. Trata-se do respeito ao aos manifestantes e ao movimento. Sabemos que várias organizações e partidos de Esquerda, muitas vezes, agem de forma oportunista. Impunham as bandeiras à frente (como se demarcassem territórios) e procuram criar a ideia de que são os dirigentes deste ou daquele movimento. Mesmo nos movimentos em que a Esquerda tem maior peso há esse tipo de questionamento sem, no entanto, ter havido até hoje qualquer censura à utilização das bandeiras.

O movimento contra o aumento das passagens, em São Paulo, foi inicialmente convocado pelo Movimento Passe Livre (MPL), de orientação majoritariamente anarquista. Atraiu milhares de manifestantes e militantes de diversas tendências se somaram (PSTU, PSOL, Esquerda Marxista, corrente interna do PT, etc.) e nos primeiros atos não houve nenhum problema relacionado à participação dos partidos de Esquerda com suas bandeiras.

No entanto, muitos questionamentos no interior do movimento em geral surgiram e dizem respeito ao papel que os partidos e organizações têm cumprido quando procuram aparelhar e praticar formas bastante oportunistas de atuação (não assumem tarefa, quando assumem não cumprem, fazem muitas exigências e não acatam as da maioria, procuram submeter o movimento, etc.).

É importante frisarmos que não concordamos com qualquer tentativa de restrição da participação de bandeiras e de partidos de Esquerda em atos e manifestações e temos nos colocado, imediatamente, na defesa, inclusive, na defesa física de militantes desses partidos, quando ocorrerem tentativas de agressão por parte dos grupos fascistas. Mas, também é importante destacar que a Esquerda precisa repensar suas formas de atuação.

1 a 1 a a a a pro fascistas atacam pessoas com bandeiras vermelhasCriticamos e combatemos o aparelhamento e o oportunismo das organizações no interior do movimento. Defendemos métodos de atuação no movimento que privilegiem o debate político franco, pela disputa de ideias e argumentos que fujam ao senso comum e que eduquem a classe trabalhadora no sentido de desvendar o que o sistema capitalista esconde. Não defendemos a violência entre nós, trabalhadores.

Entendemos que temos o direito de nos organizar em grupos de acordo com nossas ideias e temos o direito de expressá-las, de apresentar os nossos símbolos, bandeiras, faixas, cartazes, etc. Mas, esse direito não pode ser colocar acima das necessidades de construção e unidade do movimento.

Ao invés de nos dividir pela disputa do controle da direção do movimento, pensamos que é necessário disputar a consciência de quem está no movimento e de quem está fora para combatermos juntos contra a ideologia burguesa, contra os diversos tipos de filosofias pós-modernas e individualistas, para que avancem em direção a uma consciência de coletividade e anticapitalista.

Ao abandonarem esse tipo de disputa, os partidos de Esquerda perdem inserção e apoio social. Enquanto organizações como PSTU, PCO, PCB e outras menores se perdem em disputas superestruturais e estéreis pelo controle de aparatos sindicais e estudantis a disputa pela consciência da classe contra a ideologia burguesa, deixa de ser feita.

Sejamos incansáveis na explicação de que a nossa bandeira vermelha não representa o PT, partido símbolo de demagogia e corrupção. Que, para nós, o PT não é de Esquerda. Que o PT é um partido burguês composto de burocratas, que se sustentam com a ocupação de cargos no Estado, a corrupção, o controle de sindicatos, ONGs e movimentos sociais. Que atende, juntamente com os demais partidos burgueses, os interesses do conjunto do capital que opera no Brasil (bancos, agronegócio, empreiteiras, transnacionais, etc.). Que os poucos setores populares e ativistas dos movimentos sociais que ainda são de luta não têm mais qualquer influência nos rumos do partido. Que a trajetória do PT, de um partido identificado com as lutas sociais, foi substituída por uma trajetória de um partido de corruptos que administra o capitalismo e o Estado.

Não nos afastemos do movimento por isso, embora tudo isso tenha feito com que a maioria dos manifestantes, que tanto sonhamos estarmos juntos nas ruas, repudie a presença dos partidos de Esquerda, por estarem nos associando, nesse momento, à obtenção de cargos e roubo. Acreditemos na força do movimento!

Continuar a luta

 

Mais algumas lições desse episódio: A necessidade de unidade das organizações da Esquerda, acima de interesses pontuais de qualquer corrente. O que está em jogo é o próprio rumo do processo de mobilização, o perigo de que a pauta do movimento seja ditada pela Direita organizada e pela mídia.

A necessidade de construirmos uma plataforma unitária, que represente os interesses dos trabalhadores, para ser apresentada nas manifestações, contra os projetos da Direita e do PT.

A importância de dizermos para os manifestantes e ativistas que o capitalismo e seu Estado não atenderão as nossas demandas. Mas, temos a convicção de que precisamos lutar cotidianamente por cada reivindicação como se fosse a única até nos reapropriarmos de cada gota de suor retirada de cada um de nós. Discutir política é isso. É discutir como nos colocar em movimento para transformação da sociedade. E é lutando que conquistamos!

Entendemos que o impacto dessas mobilizações marca uma nova situação política no país e coloca, depois de muito tempo, a possibilidade de construirmos uma jornada nacional de lutas e mobilizações pelas reivindicações específicas dos trabalhadores e que questionem diretamente o lucro que tem sido obtido à custa de nosso suor.

Para isso ressaltamos a necessidade de organizarmos, em cada sindicato, em cada cidade, em cada bairro e em cada universidade uma jornada nacional de mobilizações que incorpore também os trabalhadores das diversas categorias profissionais.

Os recentes acontecimentos (movimento popular e da Juventude), as greves e as campanhas salariais demonstram o quanto faz falta a ação coordenada de uma Central sindical e popular de Esquerda que questione essa lógica de funcionamento das centras governistas. A CSP-Conlutas ainda não assumiu esse papel e estamos perdendo, mais uma vez, a oportunidade de termos uma alternativa de Esquerda para a atual situação política do país. Desde a marcha nacional à Brasília, em abril, o Bloco Classista, Anticapitalista e de Base insiste nisso.

É importante também organizarmos uma campanha que denuncie as prioridades do orçamento público e exija, dos governos, imediato atendimento às demandas da Educação, Saúde e transporte público. Mesmo com todas as nossas mobilizações, as melhorias no transporte público, o atendimento às demandas da Educação e da Saúde até agora não foram atendidos e sequer foram alterados os percentuais destinados do orçamento público para cada área.

Metade, praticamente, da arrecadação do Estado e que compõe o orçamento continua direcionada para o pagamento da dívida pública. Somente conseguiremos mais verbas para Educação, Saúde e transporte público se revertermos isso agora. A dívida pública é ilegítima. Foi contraída pelos governos sem nos consultar e os credores estabeleceram juros e condições fora do estabelecido. Sem falar que esse dinheiro nunca foi usado pela população.

A luta pelo não pagamento da dívida e o uso desse dinheiro para atender as necessidades dos trabalhadores e da melhoria dos serviços públicos é urgente!

Com a continuidade das manifestações e o início das campanhas salariais das principais categorias é fundamental e extremamente urgente à adesão e a incorporação dos trabalhadores organizados em suas categorias às manifestações para fortalecerem a luta e ao paralisarem a produção vencermos a dureza do governo e dos empresários e mostrarmos a favor de quem deve estar os serviços públicos e a riqueza produzida no país.

Acreditamos que a crise de alternativas socialistas e a ausência de um projeto de sociedade alternativo ao capitalismo precisam ser superadas. Repensarmos o nosso papel, quanto socialistas revolucionários, é fortalecermos as lutas e manifestações, buscarmos a unidade de trabalhadores e estudantes e colocarmos em cheque a própria vigência do capitalismo.

Espaço Socialista, Julho de 2013