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Espaço Socialista e MOS: sobre a prisão do Lula


17 de abril de 2018

Nota do Espaço Socialista e Movimento de Organização Socialista sobre a prisão do Lula (em pdf)

Temos a compreensão de que esse momento é muito complexo, merece cautela e paciência para compreendê-lo em toda a sua dimensão. Entendemos que o debate que ocorre no interior da Esquerda está bem destrutivo e tem se dado com a força da lógica formal, isto é, com a necessidade de marcar posição contra ou a favor de Lula, contra ou a favor da prisão. Desconsidera, assim, contradições e mediações apresentadas pelo recente momento histórico. E prevalece mais o apego à aparência em detrimento da essência desse processo.

A prisão de Lula e esse debate são, sem dúvida, acontecimentos importantes na conjuntura. Além do fato de um ex-presidente ser preso, o que levou a isso, como ocorreu, etc. acontecem também debates sobre muitos temas como o papel do judiciário e seu empoderamento político cada vez maior, o peso da direita e do fascismo, a construção de candidaturas, as ilusões/crenças que amplos setores dos movimentos ainda têm em Lula, a questão da unidade na Esquerda (e até mesmo o conceito de Esquerda) e, nesse sentido, a evidente dificuldade da Esquerda superar o lulismo e o petismo, dentre outros tantos. Debates que se evidenciam no interior da Esquerda e também da direita.

No entanto, a nossa referência é a classe trabalhadora e procuramos contribuir para que uma política possa fortalecê-la em questões fundamentais, reafirmar seus interesses e reivindicações históricas da classe. Entendemos que o ponto central da conjuntura é a luta de classes e a ofensiva sobre os trabalhadores, seus direitos, direitos de organização, direitos de expressão, o aumento da violência urbana contra a população da periferia pobres, negros, mulheres, etc. Assim, o centro da conjuntura é a resistência e a defesa da vida que está sendo atacada sobre o capitalismo.

Apesar da impossibilidade de abordarmos todas essas questões nesse momento com a profundidade necessária, achamos importante apresentarmos algumas reflexões como contribuição.

Lava Jato e Judiciário a serviço da direita

tratamos em outros materiais sobre a impossibilidade de não ter corrupção numa sociedade capitalista, dada a própria natureza da competição entre os diversos setores do capital e dada a falta de controle (não por acaso) dos agentes políticos que gerenciam o Estado burguês.

As medidas que poderiam controlar e impedir a corrupção só poderiam ser tomadas caso a classe trabalhadora assumisse o controle sobre todo o processo produtivo e de circulação dos produtos. Em uma sociedade socialista em que não houvesse competição e em que tudo fosse produzido para atender a coletividade não haveria razão para a corrupção. Caso ocorresse alguma tentativa, os próprios trabalhadores adotariam medidas.

Por isso, nem Lava Jato e nem Moro se propõem ou poderão acabar com a corrupção. Visam apenas garantir que a fração do capital mais ligado ao mercado mundial e ao imperialismo estadunidense retome o controle sobre áreas importantes da economia brasileira como a produção de petróleo e fontes de energia.

A dinâmica dos fatos aponta para o esvaziamento da Lava Jato. Já prenderam Lula, tirando-o da disputa eleitoral bem como quem estava difícil de controlar como Eduardo Cunha e Cabral. Agora se dedica a livrar alguns de seus importantes corruptos, como dizem: “os corruptos deles”, como Alckmin.

Esse pseudocombate à corrupção busca ganhar a simpatia e o apoio popular e, assim, adotar medidas de interesses dessa fração da burguesia. Para isso, usa o discurso de combate à corrupção, um tema de forte apelo popular pois, trata-se de bilhões e bilhões retirados dos serviços públicos, carentes em nosso país. Mas, é só discurso. Como exemplo soubemos do dinheiro dito “recuperado” e que foi direto para os investidores privados da Petrobrás.

Junto com isso, o Judiciário e o Ministério Público passaram cada vez mais a assumir um papel político e ideológico. No caso do Ministério Público podemos lembrar que se aproveitou das mobilizações de 2013 para garantir ações sem nenhum controle. Diz ser por conta da corrupção, mas percebe-se que o objetivo é bem mais amplo. De lá para cá, basta observarmos as ações de procuradores como as que legitimam, por exemplo, a política do “Escola sem partido” e até ameaçam processar professores de Esquerda nas universidades e institutos federais. E no caso do Judiciário, pudemos acompanhar todo o desenrolar dos fatos no último mês.

Por que a burguesia apoia a prisão de Lula?

Lula não é mais o candidato de fração importante da burguesia. E como há o risco de ganhar as eleições, a burguesia tomou várias medidas para que nem se candidate. Mas, por que mesmo tendo prestado tantos serviços, à burguesia rompe com ele?

A Constituinte de 1988 foi parte de um processo que começou em fins da década de 70, com as greves operárias da região do ABC e com a luta das Diretas. Foi um importante processo de mobilização social e política que permitiu conquistas, que ainda eram possíveis de serem absorvidas pelo capital no Brasil. A redução da jornada de trabalho e o Sistema Único de Saúde (SUS) são somente dois exemplos dessas conquistas.

Politicamente também se estabeleceu um pacto de “convivência pacífica” entre setores da burguesia e da burocracia/direção sindical e política de Esquerda, que garantia espaço no aparato estatal e passou a ter a função de controle do movimento social.

Como marxistas sabemos que a superestrutura política é uma expressão das relações materiais existentes na sociedade, ou seja, as instituições políticas e jurídicas cumprem funções necessárias para a reprodução do capital.

No entanto, aquela base material a qual se inspirou a Constituição de 1988 não existe mais. Hoje a crise estrutural do capital, a divisão internacional do trabalho a qual a burguesia brasileira se esforça por integrar, a desindustrialização existente e o peso crescente do capital financeiro exigem um novo pacto entre as forças do capital.

Por isso que as frações operantes do capital, então, procuram reconstruir os espaços políticos e jurídicos adequados a essa nova ordem. A mudança na legislação trabalhista e previdenciária, os debates sobre a reforma política, a limitação de partidos e o STF assumindo funções legislativas são algumas das movimentações no sentido de reconstruir essa nova base política.

Nesse novo pacto, por conta da profundidade da crise, não há o mesmo espaço para as burocracias sindicais (o fim do Imposto Sindical se insere nesse contexto) ou concepções “neodesenvolvimentistas”, pois todos os esforços do Estado devem ser dirigidos para garantir o equilíbrio dos interesses econômicos de frações burguesas, sem espaço para concessões econômicas consistentes aos trabalhadores e aos pobres. Tudo para quem já tem tudo.

Ao PT e ao Lula, restaria apenas a presença no movimento social, buscando controlar o movimento através de entidades sindicais e do movimento popular, buscando atuar em fábricas com ajuda à patronal na gestão das empresas. E continuaria, portanto, atuando como um “jogador reserva” em caso de convulsões sociais que fugisse ao controle.

Prisão de Lula é política

É neste contexto e com a necessidade de manter a independência de classe frente ao Judiciário e ao Lula que refletimos sobre esse processo.

A oposição ao lulismo e ao petismo não pode nos levar a fechar os olhos para “as segundas intenções” da burguesia e de seu Judiciário com essa prisão, que visa também criar um enredo para atacar ainda mais a classe trabalhadora.

Essa prisão tem criado a seguinte situação: “se prendemos Lula, vamos atacar você também que está respondendo na Justiça”. Outra questão que reforça essa situação e deve ser considerado são as declarações dos generais. Concordar ou silenciar diante de prisões nesses termos é, na prática, manter ou reforçar essa situação. Em política, necessitamos olhar atentamente para os movimentos da burguesia e seus objetivos em cada ato.

No entanto, é importante ressaltar que não defendemos a inocência de Lula, que comprometeu seus dois governos com as pautas da burguesia e os contratos do capital. Entendemos que Lula e o PT para viabilizarem seu projeto de gestão do capital e até mesmo para convencer a burocracia política e o empresariado deram continuidade ao modelo vigente de gestão de Estado. Não somos advogados de Lula e nem do PT.

Mas, achamos importante identificar que o tratamento dispensado pela operação Lava Jato aos acusados petistas ou próximos do petismo foi bem diferenciado.

Sem se alongar e sem significar qualquer apoio, basta se perguntar: quem permanece preso, quais processos caminham mais rápido (quem conhece o Judiciário sabe que o andamento processual é muito lento) e quem conta com a benevolência processual.

A decisão de tirar Alckmin da Lava Jato (de forma negociada) é a maior demonstração desse tratamento diferenciado. Tem-se ainda, no mensalão tucano, a não prisão do ex-governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo (PSDB), que também foi condenado em 2ª instância (como Lula).

Reconhecer esses fatos também é não vender a ilusão de que o Judiciário é imparcial ou capaz de fazer justiça. Como sempre afirmamos, o Judiciário é uma instituição a serviço da política da burguesia e não merece nenhuma confiança por parte da classe trabalhadora, de explorados e oprimidos.

Por isso, avaliamos que a prisão de Lula (e o andamento processual é uma prova disso) tem um caráter político, sendo injusta sob o ponto de vista processual. As decisões do TRF4, STJ, STF e Moro têm o objetivo de fortalecer setores e candidatos da direita brasileira, bem como instrumentalizar os interesses da burguesia e do imperialismo. É uma condenação que também tem como alvo milhares de jovens pobres e negros presos sem julgamento, sem condenação final em seus processos.

PT não é solução e, muito menos, o Judiciário

O grande desafio da Esquerda é fugir da lógica formal, pois um método equivocado conduz a políticas também equivocadas. Nesses acontecimentos temos visto a Esquerda se dividir: De um lado, temos as políticas que, na prática, vão a reboque de Lula e do petismo, sem independência e com unidade incondicional por avaliar que há o forte avanço do fascismo. Do outro lado, a capitulação ao Judiciário burguês ao considerar que com a prisão “se fez justiça”.

Não caracterizamos o PT como partido de Esquerda. Entendemos que aplicou, e aplica onde é governo, políticas que estão distantes da independência de classe, que fortaleçam a classe trabalhadora na luta de classes e que sejam historicamente de Esquerda. É um partido da ordem e quando são governos, foram fiéis às cartilhas neoliberais com o avanço das privatizações, dos ataques aos direitos, de manutenção dos privilégios aos bancos, etc.

Mas, essa oposição ao PT não nos leva a apoiar as medidas do Judiciário, que é um órgão de classe e de defesa dos interesses da burguesia. Para não irmos longe podemos citar dois exemplos de sua sustentação: a legitimação legal de toda a política econômica aplicada por Temer e, outra mais histórica, o apoio e a chancela às medidas para implementação da ditadura militar.

O Judiciário é, portanto, um inimigo de classe. Quando somos obrigados a recorrer ao Judiciário o fazemos como último recurso, sem ilusão e sempre buscando a pressão da classe trabalhadora de conjunto.

PT e Lula jogam para a burguesia

Ser contra a prisão também não esconde o significado de Lula e do PT, principalmente, depois da eleição em 2002. Foi aceito pela burguesia porque tinha se comprometido com uma gestão a favor dos projetos do capital. A Carta aos Brasileiros, antes da eleição de 2002, era muito explícita em afirmar que cumpriria todos os contratos e seguiria a política econômica adotada pelo PSDB e seria, nesse aspecto, um governo de continuidade.

Para garantir a governabilidade também fez as mesmas coisas dos governos anteriores e negociou apoio político no Congresso para formar a base aliada (a mesma que aprovou a Reforma da Previdência em 2003 e outros projetos). Para ganhar apoio político da burguesia direcionou licitações (ou fechou os olhos para as fraudes realizadas por empresas) e fez concessões para as várias frações.

E, para fechar com chave de ouro e convencer a burguesia de seu projeto, teve uma política direcionada ao movimento social em que buscou a sua acomodação. Para isso, manteve em rédeas curtas as principais centrais sindicais e movimentos sociais como CUT, Força Sindical e MST. Não por acaso durante toda a gestão petista ocorreram poucas lutas gerais e prevaleceram as lutas por categoria. Somente em 2013, que teve em sua origem as reivindicações históricas do movimento social, mas que foi também um marco no fortalecimento da direita, aconteceram mobilizações de massa.

Um governo muito bem visto, pois tinha uma política “neodesenvolvimentista” (mas de conteúdo neoliberal) que permitiu governar e satisfazer as necessidades de todas as frações do capital. Para isso adotou medidas políticas e econômicas como foi a Reforma da Previdência, a política de incentivo ao crédito para aumentar o consumo e garantir lucro para os banqueiros, isenção de IPI, a ocupação militar no Haiti atendendo pedido dos Estados Unidos, dentre outras tantas bondades para o capital.

E para a classe trabalhadora apostou em programas sociais mínimos, como o Bolsa Família, por exemplo, que consumia apenas 0,5% (isso mesmo, meio por cento) do PIB, ou seja, muito pouco diante dos lucros capitalistas. Outros programas como o PROUNI e FIES, que ofereciam a formação universitária para uma parcela da juventude, tinham como objetivo também transferir verbas públicas para as empresas privadas da área de Educação, o que permitia o crescimento de vários grupos empresarias como Kroton, que chegou a controlar 35% do mercado educacional privado do país.

A democracia dos ricos nunca vai ser democrática

Outro debate importante nesse processo é o significado da “democracia burguesa” no Brasil. Para algumas pessoas as manobras para a deposição de Dilma, a prisão de Lula para impedir a sua candidatura, as declarações dos generais e o crescimento da direita no país colocam a democracia brasileira em risco. A prisão de Lula se enquadraria nessa lógica. Para algumas organizações, o avanço do “neofascismo” é outra expressão desse ataque à democracia e os ataques às liberdades democráticas são parte do golpe.

Essas duas compreensões, bem próximas, nos parece que têm um problema em comum: acreditam na possibilidade de uma democracia burguesa e em um “Estado de bem-estar social”.

Lula, em seu discurso quando já havia decidido se entregar, disse acreditar na democracia, no Judiciário e até mesmo na Lava Jato. Só que precisariam de alguns ajustes, como deixá-lo participar do processo eleitoral para serem reestabelecidas as liberdades democráticas. Chegou a dizer que acreditava tanto na Justiça que havia feito um partido político ao invés de propor uma revolução.

Algumas organizações políticas de Esquerda como o MAIS, por exemplo, e outros setores, para enfrentar as ameaças fascistas têm chamado uma frente antifascista para defender as conquistas democráticas. Não é dito abertamente, mas historicamente essas frentes comportam setores “democráticos” da burguesia, isto é, essa política comporta uma aliança com setores da outra classe.

Consideramos que ambos estão equivocados. Temos a avaliação de que há um avanço real das forças de direita no país e no mundo.

As forças de direita se expressam em governos reacionários eleitos e, também, na consciência de direita em um setor de massas, inclusive da classe trabalhadora mais pobre e das periferias. Entendemos que é de direita e não fascista. Ainda que fascismo e direita tenham pontos políticos em comum, são coisas diferentes. O fascismo é muito minoritário entre a burguesia e entre as massas. O fascismo exige um nível de centralização de capital e unidade da burguesia que não temos no país. E não é só a unidade cotidiana contra o trabalho, mas uma unidade em torno de um projeto de nação.

Outra questão é que a democracia parlamentar burguesa, nas palavras de Lênin, cada vez mais tem características autocráticas e autoritárias. Basta ver no nosso cotidiano quantas violações a direitos básicos sofremos. Passeatas proibidas ou vigiadas de perto pela polícia, serviços de inteligência ativos nas polícias e forças armadas são também alguns dos exemplos. E isso não é de agora. O próprio PT permitiu essa reorganização das forças de repressão.

Quem acompanhou os discursos dos petistas no ato de SBC pode perceber que a exigência de liberdade se restringia a Lula. Em nenhum momento exigia-se o fim da intervenção militar no Rio de Janeiro, a liberdade de Rafael Braga, o fim das perseguições e até mesmo das mortes de dezenas de ativistas todos os dias no movimento, etc.

A ideia de amplas liberdades democráticas não é possível nem mesmo nos países imperialistas. É assim por conta da crise estrutural do capital. O Estado, como gestor, precisa aplicar a fundo as medidas de ajustes contra a classe trabalhadora e para isso precisa reprimir e impedir a livre organização da classe. O enfraquecimento deliberado dos sindicatos e as medidas antissindicais em todos os países são partes das restrições democráticas em todo o mundo.

A atual “democracia parlamentar burguesa” é um regime político com suas instituições controladas pelo poder econômico, mantendo os privilégios dos “de cima” às custas da retirada de nossos direitos. Sob o domínio do capital essa é a “democracia”.

Nem a burguesia e nem a burocracia petista podem levar adiante a luta pelas liberdades democráticas. No contexto da crise estrutural do capital qualquer governo que não se proponha a romper com o capital vai precisar apelar para a repressão à classe trabalhadora.

Por isso, a luta pelas liberdades democráticas tem cada vez mais um caráter anticapitalista, pois a conquista de mais liberdades democráticas está relacionada a diminuição do poder capitalista. Portanto, lutar por liberdades democráticas é o mínimo que se pode fazer para garantir a ordem estabelecida.

PT construirá grandes mobilizações pela liberdade de Lula?

O ato realizado no Sindicato dos Metalúrgicos, em SBC, tinha o objetivo de pressionar para negociar os termos da prisão. Em nenhum momento houve alguma medida prática de resistência. Até mesmo as iniciativas de alguns setores como os Petroleiros, que começaram a organizar assembleias nos locais de trabalho e a votar greves, recuaram por orientação das direções do PT e da CUT. Isto é, a direção petista não construiu de fato qualquer resistência.

Os gritos de “resistir” e “não se entrega” foram durante o dia sendo silenciados com os chamados de “resistência democrática”.

Algo importante para compreendermos é: se Lula e o PT dizem ser vítimas do golpe por que fazem questão de dizerem que acreditam na Justiça? Porque não buscam construir uma ampla mobilização com a paralisação da produção? Nesse momento, o que poderia mudar os rumos da história seria uma forte mobilização, uma rebelião.

A razão nos parece ser o fato de Lula e PT não serem revolucionários e nem socialistas, como já demonstraram tantas vezes e há anos. Ideologicamente são ligados à burguesia e fazem de tudo para manter a estabilidade política e a governabilidade. Todo o discurso, os recursos no Judiciário, o acampamento em Curitiba e em Brasília, na verdade, são apelos para o mercado e para a burguesia na tentativa de demonstrar como pode ser ainda viável eleitoralmente e como pode garantir o controle sobre a classe no momento de realizar as Reformas exigidas. Chamou-nos atenção que quanto mais se aproximava a prisão maior era o silêncio sobre as reformas.

Lula e o PT defendem a democracia dos ricos e não vão fazer nada para desestabilizar o regime. Uma mobilização de massas dos trabalhadores teria o risco de se perder de controle sobre as iniciativas que poderiam avançar em outras reivindicações. Dessa forma, menos risco era ir preso.

Não termos ido a esses atos, ainda que muitos estiveram lá para resistir, porque sua direção não buscava mobilizar a classe trabalhadora, no entanto, não significa estarmos ao lado da burguesia ou do fortalecimento de sua política de defesa de sua “democracia”, apenas entendemos que não caberia fortalecer Lula nas negociações com a Polícia Federal e o Ministério Público federal.

O lulismo ainda tem força

Um dos erros da Esquerda Socialista foi subestimar o peso de Lula, nós somos parte disso. Muito maior do que o PT, Lula ainda influencia um setor significativo da classe trabalhadora, especialmente, nas regiões mais pobres e mostra a força das políticas populistas como o Bolsa Família, o Luz para Todos, etc. Mesmo nas grandes cidades, ainda que com força menor do que anos anteriores, ainda há esse fenômeno.

A rapidez da decisão judicial, o tratamento desigual pela mídia, a forma como se deu a prisão e as milhares de pessoas (muitas de forma espontânea) no ato contra as elites alimentaram mais a imagem de alguém perseguido e de injustiçado. Situação muito bem utilizada pelo PT.

É uma questão importante que nós, da Esquerda, precisamos lidar. Nos últimos anos, houve sim uma ruptura de vários setores com o PT e com Lula, mas muitos foram para à direita. A influência de Bolsonaro nesse momento é uma das várias derivações de como se deu essa experiência. Bastante contraditória, mas com uma certeza: não se deu com o fortalecimento da Esquerda.

Entendemos que é necessária a disputa para que esses setores venham para a Esquerda, mas com aproximação do lulismo (mesmo nos colocando contra sua prisão e denunciando), é necessário reunir forças para construir e fortalecer mobilizações e lutas da classe trabalhadora batalhando pelas reivindicações que atendem suas necessidades.

É urgente também porque Lula e PT representam um obstáculo para a luta e para o avanço da consciência de classe. Mesmo perseguido hoje, Lula não rompe com a “democracia dos ricos” e vai defender o capitalismo, semeando a ilusão da possibilidade de um “capitalismo humanizado”, o que é impossível.

A superação do lulismo ainda é um grande desafio da Esquerda e também dos setores mais combativos da classe. A fragmentação, o distanciamento da classe operária, a falta de trabalho de base e as políticas ora oportunistas ora sectárias formam um quadro que indica a necessidade urgente de a Esquerda se reorganizar política e programaticamente para enfrentar esse desafio e os demais presentes na realidade.

Com essa Nota reafirmamos o enfrentamento às complexas condições da luta de classes, lutando pela derrubada da exploração capitalista e pela construção do socialismo-comunismo. Nesse sentido, entendemos que uma questão básica é que a luta ideológico-política se dirija contra o inimigo real, a burguesia, e os tentáculos que compõem o seu estado bem como os partidos e governos burgueses, com a finalidade de contribuirmos para o desenvolvimento da consciência de classe e socialista da classe trabalhadora.

Contra cumprimento de pena antes do trânsito em julgado

Nesse último mês acompanhamos o desenrolar da prisão de Lula, o debate sobre a prisão em segunda instância e o problema do encarceramento em massa. Temas fundamentais e de interesse direto da classe trabalhadora.

O sistema penitenciário brasileiro está abarrotado e muitos(as) estão presos(as) sem qualquer condenação, são em sua maioria jovens, pobres e negros.

Dentre as consequências da crise estrutural do capital há um enorme contingente de pessoas que o sistema capitalista considera inútil, sem serventia para produzir e até mesmo sem condição de consumir. Uma das soluções encontradas, além de jogar uma parte significativa para as periferias do mundo, é encarcerar outros tantos milhões. Nos Estados Unidos são mais de 2 milhões. No Brasil mais de 700 mil, sendo a terceira maior população carcerária do mundo.

E o Judiciário é parte da aplicação dessa política, é quem manda prender ou manter as pessoas presas, mesmo quando é ilegal.

Nos últimos anos, temos presenciado no Brasil, inclusive durante os governos petistas, várias medidas de alteração da legislação penal para aumentar a penas. E no âmbito do Judiciário a reinterpretação da Constituição Federal, isto é, o STF legislando, para implementar o encarceramento em massa.

A Constituição Federal é explícita em permitir a prisão somente quando há o Trânsito em Julgado das decisões, ou seja, quando o processo de fato está encerrado, termina.

Outro instrumento utilizado pelo Estado nesse sentido do encarceramento em massa é a política de guerra às drogas. Cerca de 30% dos presos são por tráfico. Há uma legislação imprecisa sobre a diferença entre usuário e traficante, que permite ao policial no ato da abordagem fazer uma definição. Com a polícia tendo metas para prender, pequena porção de drogas passa a ser suficiente para o enquadramento como tráfico. Não por acaso, há aumento de prisões nas periferias. Enquanto isso, os verdadeiros traficantes, donos de helicópteros com cocaínas, permanecem soltos.

Essas são algumas das razões de sermos contra a prisão de Lula e de milhares de apenados em 2ª instância sem trânsito em julgado, pois a juventude negra, pobre e periférica é a maior prejudicada. Para além dos conflitos entre a burguesia, seus aliados e suas necessidades de prender Lula nessas circunstâncias, também há a necessidade de justificar milhares de prisões sem julgamento definitivo.

A justificativa do Ministro Barroso, no STF, é bem elucidativa desses objetivos quando fez referência aos milhares de presos no sistema penitenciário brasileiro sem condenação. Dizia ele que como há outros milhares de presos nessa situação, a prisão de Lula após decisão em segunda instância estaria justificada. Oras, não caberia soltar milhares de presos sem condenação definitiva?

Nota conjunta do Movimento de Organização Socialista (MOS-RJ) e do Espaço Socialista (Organização Marxista Revolucionária).