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Uma guerra aos excluídos: os ataques do Estado à população moradia de rua na cracolândia (SP)


1 de julho de 2017

A região da Luz, na capital paulista, é palco, há anos, de uma intensa marginalização e exclusão da vida humana. A região, conhecida como “Cracolândia”, apresenta uma enorme população em situação de rua, destacando-se também a grande circulação e tráfico de drogas, como o crack.
Porém, muito mais do que miséria, essa região apresenta muitos mitos que são propagados para garantir ações truculentas e higienistas. Isso foi o que vimos em 21 de maio último, promovido pela gestão municipal de João Dória e a gestão estadual de Alckmin, ambos do PSDB. Colocaram a Polícia Militar e Guarda Civil Municipal para atuar de forma violenta e opressora contra a população em situação de rua.
Além do tráfico e do consumo de drogas estima-se que há cerca de 1.000 a 1.500 pessoas (apesar da dificuldade de encontrar esses dados) na região. Nem todas usam drogas. Há viajantes, ex-caminhoneiros, estrangeiros, mães fortes, pais desaparecidos e órfãos de família inteira. São pessoas que têm em comum a vulnerabilidade social.

Um pouco da história da “Craco”

O centro de São Paulo e seus bairros próximos abrigam diversos prédios tombados pelo patrimônio histórico. Com o tempo e com a mudança de investimentos do capital com a especulação imobiliária para outros bairros, a região foi ficando abandonada pelo poder público e se tornando espaço de acesso da população mais pauperizada.
Nos anos 1990 já havia um alto índice de usuários de crack e de outras drogas na região, especialmente nas pensões e hotéis. Após ações do Estado de fechamento e lacração desses espaços, os usuários e demais moradores da região foram ocupando as ruas.
Sob as diversas gestões posteriores, ações truculentas ocorreram e o “fluxo” (ponto de consumo e tráfico de drogas) foi migrando e se espalhando pela região. Nessa última ação, a GCM registrou 23 pontos de deslocamento dessa população pelos bairros arredores, como Liberdade e Barra Funda.

O projeto de revitalização que ignora as vidas

Ao mesmo tempo em que o abandono e essas diversas ações violentas ocorrem, as gestões municipal e estadual realizam uma série de investimentos para tentar mudar o cenário social e geográfico urbano. Foram investidos dinheiro público em diversos projetos culturais na região que estão sob gestão pública e privada como a Sala São Paulo, Museu da Língua Portuguesa, a Estação Pinacoteca e o Centro Paula Souza.
Também há uma intensa disputa por terrenos pela especulação imobiliária, que visa utilizar essa região estrategicamente localizada. Só para se ter uma ideia, a Seguradora Porto Seguro já possui 10 terrenos na região.
Concomitantemente, a prefeitura vem realizando ações para privatização de terrenos, como em 2005 com o Projeto Nova Luz – que tinha o propósito de remover famílias que viviam há décadas na região – para garantir espaço aos grandes empreendimentos e atender um público bem mais elitizado, diferente do que frequenta a região. Graças a mobilização dos moradores e comerciantes esse projeto foi barrado.
Nessa recente ação, novamente violenta, a prefeitura demoliu prédios (Pasmem! Com pessoas dentro! E tombados pelo patrimônio histórico!), além de novamente fechar outros.
Pretende também negociar esses terrenos com a Habitacional, uma parceria público-privada (PPP), que pretende construir moradias para população com renda entre 1 a 10 salários mínimos, ou seja, a população que já vive na região foi expulsa para construção de habitações populares para outro público e que tem renda, visto que a população atual não possui renda nenhuma ou é inferior a um salário mínimo. Também destacamos a falta de comprometimento com o patrimônio histórico.
A prefeitura, então, negocia a privatização (a entrega para a iniciativa privada) dessa região para “revitalizar”, isto é, para manter no local uma população que possa pagar para consumir, um público abastado. Para isso, não isso integra e sim expulsa, agride e exclui vidas que já vivem há anos no local.

Precisamos falar sobre o crack também

A droga que dá o nome de Cracolândia à região ainda permeia diversos tabus e mitos. De fato, assim como todas as drogas, causa prazer e provoca o vício. Seu baixo custo de produção e comercialização, sua rápida absorção pelo organismo, assim como seus efeitos: perda do apetite, excitação, hiperatividade, insônia e perda da sensação de cansaço são condições bem atrativas para uma pessoa em situação de rua, que por não possui recursos e precisa criar suas táticas de sobrevivência contra a fome e a violência policial.
Para além disso, estudos recentes têm mostrado que as condições de vício são de efeito social e não por causa de problemas na vida dessas pessoas.
O neurocientista Dr. Carl Hart mostrou com seus estudos que 80% a 90% dos usuários de crack não são viciados na droga e que possuem consciência de fazer novas escolhas na vida, caso sejam oferecidas propostas atraentes.
Dessa forma, se mostra necessário a construção de políticas que busquem não somente a desintoxicação orgânica de seus corpos, mas a emancipação social dessa população para que tenha condições de manter ou descartar o uso dessas drogas de forma autônoma e controlada.
Não haverá o fim do tráfico das drogas que dão lucro, matam e mutilam sem que haja a construção de uma sociedade sem excluídos em que tudo o que produzimos seja de bem comum, uma sociedade socialista.
No entanto, precisamos ter um olhar mais atento às chamadas “Cracolândias”, que se desenvolvem em diversos locais do país (na região de SP é a maior, mas não a única). Precisamos lutar conjuntamente com essa população para a descriminalização e para que as ações sejam de fortalecimento e não de dizimação dessa parcela da sociedade!