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Jornal 94: Refugiados: pessoas descartadas pelo capital


13 de outubro de 2016

Antes de tudo, é importante uma referência aos conceitos: imigrantes e refugiados. São termos distintos e cada um revela causas também distintas. Pelo direito internacional (portanto, direito burguês) imigrante é quem voluntariamente busca melhores condições de vida em outro país. Refugiado é quem está na condição de “empurrado” por perseguição ou guerras, portanto, involuntário. Ainda que temos a opinião de que a imigração também é forçada por uma condição social, como os mexicanos que procuram os Estados Unidos, por exemplo. Mas, para os propósitos deste artigo aceitamos essa diferenciação porque nos ajuda a compreender melhor o papel repressivo dos governos europeus.

As milhões de pessoas que arriscam suas vidas, principalmente, para chegar a Europa, talvez não saibam, mas serem tratadas como imigrantes ou refugiadas faz muita diferença. Pelas leis internacionais um refugiado tem muito mais chances de receber asilo na Europa. Já o imigrante tem muito mais chances de ficar exposto à repressão.

Por isso que a imprensa mundial, em geral, e os governos europeus utilizam o termo imigrante para as levas de pessoas que atravessam o oceano. Isso permite “simplesmente” prendê-las ou “simplesmente” colocá-las em um barco, ignorando toda a realidade de seu país de origem, e “devolvê-las”. Uma forma de os governos fugirem do problema, pois tratam cada caso individualmente…

Das redes mundiais de comunicação, somente a Al Jazeera se refere a essas pessoas como refugiadas.

As invasões imperialistas, as guerras5

O que faz alguém literalmente largar tudo para trás, atravessar fronteiras, oceanos, enfrentar barcos superlotados, risco de afogamento, máfias e policias? Só uma situação de desespero pode levar famílias inteiras a seguirem um caminho com tantos riscos…

Os que tentam chegar a Europa são apenas uma parte de um problema muito mais amplo. Segundo dados da ONU são mais de 65 milhões de pessoas nessa condição, incluindo os “deslocados” internos e os que vão para outros países. Dados de 2015.

Sírios, afegãos, palestinos, somalis, iraquianos, sudaneses são os povos com maior número de refugiados. Não é mera coincidência que onde se origina mais refugiados é, exatamente, onde tem invasão imperialista ou guerras por disputa de minérios ou fontes energéticas e são protagonizadas diretamente pelos países imperialistas ou atuando “como assessores militares”.

A região com inúmeros recursos minerais e energéticos fundamentais para o desenvolvimento dos países imperialistas e as guerras é o caminho mais curto para se apropriar desses recursos e ainda permite alavancar o lucro da indústria bélica.

Não podemos pensar, em relação a essas regiões, que os conflitos são só os atuais, como a invasão estadunidense no Iraque e no Afeganistão, a guerra civil na Síria e Líbia (também com apoio e participação dos países imperialistas) e a disputa entre China e França por controle sobre rotas comerciais na África.

Sabemos que muitos desses países foram criações artificiais a partir da intervenção de países imperialistas, na famosa política “dividir para dominar”, que impedia a formação de um Estado grande e poderoso, criando países rivais entre si. Isso levou a conformação de muitos grupos políticos e econômicos em cada um desses países, causa de guerras internas e conflitos entre grupos impulsionados pelo imperialismo.

Nessa mesma direção estão os conflitos sectários, disputas entre setores do islamismo como xiitas e sunitas patrocinadas e incentivadas por Estados Unidos e com o apoio de monarquias reacionárias como a Arábia Saudita. É desse processo que nasce o Estado Islâmico. São, portanto, disputas que têm origem nas invasões aos países árabes. Aqui também usa a máxima de “dividir para dominar”.

E as guerras, do ponto de vista marxista, não são uma ação de um governo “louco”, mas uma necessidade de o capital encontrar meios de domínio de mercados e expansão de seus negócios. Se há dificuldade de expansão para o capital, as guerras são uma saída a ser utilizada. Por isso que os refugiados (e os imigrantes) são consequências da expansão do capital e dos seus limites.

Enfrentar a morte, as tormentas e a repressão na Europa

É diante da impossibilidade de ter o mínimo para se viver que milhões de árabes e africanos se lançaram às rotas de migração em direção a Europa.

Uma das características da mundialização do capital é a abertura de fronteiras para o fluxo de mercadorias e capitais entre os países. O trânsito de mercadorias pelas fronteiras resolve-se com o pagamento de alguma taxa, mesmo quando há alguma restrição.

Já para o trânsito de pessoas as coisas não funcionam dessa forma. Nesse caso, as fronteiras estão cada vez mais fortificadas, como é o caso de restrições para imigração. As imagens das fronteiras nos países que servem de caminho para a entrada na União Europeia são aterradoras.

As cercas de arame farpado, as forças de repressão agredindo crianças, mulheres e idosos e o amontoado de pessoas tentando atravessar a fronteira são a perfeita fotografia a revelar como o capitalismo trata a vida humana. Os mesmos países que causaram essa crise são os mesmos a rejeitar o que suas guerras e invasões produziram.

Quando conseguem sobreviver às máfias, barcos superlotados e chegam em terra firme ainda precisam enfrentar outras formas de violência como o confinamento em campo de refugiados, falta de abrigos, prisões, repressão policial, entre outras tantas severidades.

A política para impedir que os refugiados cheguem à Europa não se restringe a essas medidas de repressão dentro do território europeu. A União Europeia fez acordo com a Turquia, do ditador Erdogan, para impedir os refugiados de utilizar o território turco nas rotas de fuga. Isso significa que a violência agora é praticada na Turquia, onde principalmente os sírios são as maiores vítimas. Ou seja, a Europa continua com as mãos manchadas de sangue. Medida que fez diminuir em 40% as travessias da Turquia para a Grécia.

Os que enfrentam essa repressão já são considerados sobreviventes. Desde setembro do ano passado mais de 4000 pessoas morreram tentando atravessar o mediterrâneo e chegar na Europa. Desde 2014, são mais de 10 mil mortes. Além dos perigos do mar, ainda têm que lidar com as máfias dos dois lados do mediterrâneo.

Até chegar a Turquia e Líbia (os principais pontos de embarque) enfrentaram desertos e o Estado Islâmico. Em solo turco buscam serviços das máfias locais que cobram até 3 mil dólares por pessoa para fazer a travessia. No lado europeu uma viagem de caminhão (tipo frigorífico) e em condições inseguras não sai por menos de mil euros para ir da Sérvia (isso significa já ter percorrido um longo caminho depois da Grécia) até a fronteira da Hungria, uma das portas de entrada para a União Europeia. Recentemente essa fronteira também foi fechada e os refugiados desviaram o caminho – mais longo – pela Eslovênia. Quem não tem dinheiro o caminho é feito a pé.

O desenvolvimento da produção capitalista (maquinário, barateamento do trabalho socialmente necessário – por conta da produtividade, etc.) também produziu uma massa mundial de desempregados e miseráveis que ao sistema não interessa incorporar ao consumo e nem à produção. Produziu-se uma enorme quantidade de pessoas que são para o sistema, literalmente, descartáveis. Por isso o capitalismo condena milhões e milhões de pessoas a viverem em condições sub-humanas.

Trabalhador contra trabalhador

O capital não se preocupa com pessoas, com vida, com dignidade, com nada no seu processo de expansão. Capital é em essência desumanização. Explorar para ter lucro é uma máxima para o capital. Nesse sentido a exploração do trabalhador (jornada de trabalho maior, menor salário, menos direito, etc.) é fundamental para se chegar a esse objetivo.

E na Europa a burguesia tem utilizado (agora em maior escala, mas a abertura para a imigração sempre foi nessa direção) da condição dos refugiados para atacar ainda mais os direitos dos trabalhadores europeus. Primeiro permite a entrada de parte dos refugiados e depois insiste na divisão da classe trabalhadora, jogando trabalhador contra trabalhador.

A entrada de alguns refugiados é utilizada, pela patronal e pelos governos, como uma pressão sobre os trabalhadores empregados. A existência de refugiados desempregados (um exército industrial de reserva, nos termos de Marx), dispostos a vender a sua força de trabalho por qualquer preço, força os salários para baixo. Com isso o desemprego vira uma ameaça constante para quem está empregado e ao mesmo tempo busca retirar da pauta lutas como a do aumento de salário. Ou seja, além de toda a situação ainda busca-se inibir as lutas.

Por isso um setor da burguesia desses países defende a entrada em massa desses refugiados, porque significa ter a disposição um enorme contingente de trabalhadores dispostos a receber menos e abrir mão de seus direitos.

Outra sacanagem da burguesia é dizer que os problemas sociais, os baixos salários e o desemprego são por culpa dos refugiados e imigrantes. Como a consciência de classe do trabalhador é muito rebaixada e não vê quem é o responsável pela sua miséria, acredita nessa história e passa a ver esses trabalhadores como inimigos.

E isso não é só na Europa. Na Turquia onde há milhões de refugiados sírios, o salário desses é a metade (às vezes até menos do que isso) do que ganha um trabalhador turco. E outro exemplo é na África do Sul onde há vários casos de trabalhadores sul-africanos agredirem trabalhadores de outras regiões africanas porque, segundo eles, ameaçam os já poucos empregos existentes.

Enquanto há repressão contra trabalhadores o capital, os ricos e poderosos (personificação do capital) circulam livremente de país em país. Para esses há total liberdade.

As saídas

A direita e o fascismo na Europa se aproveitam desse processo. Partidos como o Lei e Justiça na Polônia, A Frente Nacional na França, a Liga do Norte na Itália, o Partido da Liberdade na Áustria e o Partido para a liberdade na Holanda são alguns exemplos do crescimento eleitoral da direita no continente europeu.

E a tendência – por conta da crise econômica mundial – é que esses problemas sociais e políticos continuem existindo e se aprofundando. E também que enquanto existir capitalismo a classe trabalhadora vai enfrentar as consequências que o capital nos impõe.

A luta pelo direito de entrada e permanência de todo ser humano em qualquer território é uma defesa da vida! Combinemos essa luta com a ideológica e com a política contra o capitalismo, a verdadeira causa de todos os sofrimentos dos povos. Essas são, ao nosso modo de ver, as tarefas mais importantes que temos pela frente. Recompor unidade da classe trabalhadora, contribuir para o desenvolvimento da consciência de classe e de que os nossos inimigos são os ricos, os governos, os que nos exploram.