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Revolução curda e o papel das mulheres


21 de fevereiro de 2016

ypjkobane

(texto subsídio para o debate de conjuntura internacional da Conferência do Espaço Socialista, em Outubro de 2015)

Ana e Barbara Brandão

1. Crise estrutural e seus reflexos sobre as mulheres

A partir dos anos de 1970, o modelo socioeconômico capitalista enfrentou uma grave crise que afetou boa parte dos países centrais e, consequentemente, também os países pobres ou “em desenvolvimento”. A queda da taxa de lucro, o esgotamento do padrão de acumulação taylorista\fordista, a hipertrofia da esfera financeira, a maior concentração de capitais, o aumento de privatizações, dentre outros, são sinais do esgotamento deste modelo.
Esta fase de crise do sistema capitalista é resultado da própria lógica intrínseca ao seu modelo orientado para a acumulação e para a expansão constante. Na medida em que há um esgotamento da fase de expansão onde não existem mais continentes a serem descobertos nem mercados a serem explorados o sistema do capital atinge seus limites de desenvolvimento.

(…) até mesmo as relativas conquistas do passado – possibilitadas pela expansão dinâmica do capital no momento de sua ascensão histórica – têm de sofrer um recuo significativo quando o processo da acumulação encontra dificuldades maiores. Portanto, é inevitável que também a esperada melhoria na condição das mulheres dentro das margens da ordem estabelecida se torne irrealizável com o encolhimento da margem de manobra do capital. (Mészáros, p.273)

Mesmo tendo as mulheres ocupado um número cada vez maior dos postos de trabalho, sendo a maioria nos países de capitalismo avançado, este fato não resultou em sua emancipação. Ainda hoje as mulheres estão sujeitas a receber salários mais baixos apesar de desenvolver as mesmas atividades que os homens.

A julgar pela maneira como poderiam ser caracterizadas as formas conhecidas do relacionamento interpessoal socialmente estabelecido entre mulheres e homens – utilizando o critério da livre determinação humanamente realizadora de suas vidas por pessoas autônomas interagindo sobre a base da verdadeira igualdade -, “todo o nível do desenvolvimento” realizado no decorrer da história não é hoje muito mais alto do que foi alguns milhares de anos atrás, apesar de todo o avanço na produtividade. Os ganhos obtidos no demorado período da ascensão do capital não ultrapassaram o nível da igualdade formal. (Mészáros, p.268)

Um importante foco de resistência está em andamento no Oriente Médio na região conhecida como Rojava. Esta região se localiza na fronteira entre a Turquia, Iraque e Síria e é composta por uma maioria curda conhecida por ser a maior etnia sem estado do mundo. Trata-se de uma luta organizada contra o avanço do Estado Islâmico (EI) na região, mas que supera este objetivo inicial e se constitui em uma das mais interessantes experiências de construção de uma nova ordem social.

Sem dúvida alguma uma das características que mais impressiona os observadores da Revolução Curda é a Unidade de Proteção do Povo composta por mulheres, chamada de YPJ. Assim como os homens têm sua Unidade de Proteção, o YPG, as mulheres da YPJ têm seus batalhões, seus quartéis-generais, suas comandantes e um papel decisivo nas batalhas. Característica peculiar desta revolução, visto que, o papel desempenhado por mulheres nos exércitos em diversos países tem sido até então secundário, assim como nos relata militante do MRS.

Sabemos que embora tenham muitos avanços nas experiências em Kobane, a partir do momento que fiquem restritas àquela região tendem a ser destruídas pela lógica do capitalismo. Somente esse já seria um motivo para apoiarmos essa experiência revolucionária compreendendo também como uma contribuição para o caminho no sentido de uma revolução social, somente possível no momento em que extrapolar as fronteiras da região.
Os povos do Oriente Médio “desejam modificar os regimes atuais, mas ainda não há alternativa própria”. A resistência do povo do Oriente Médio provocou a admiração de muitos revolucionários de esquerda e, portanto, o modelo Rojava criou esperança para muitos povos, esperança que um novo sistema pode ser construído. E é nisso que devemos nos ater: a certeza de que o novo pode ser construído, Rojava é um exemplo. Mas, também é apenas uma semente, e que pode morrer.

Implorar a um sistema de reprodução sociometabólica profundamente perverso – baseado na perniciosa divisão hierárquica do trabalho – a concessão de “oportunidades iguais” para as mulheres (ou para o trabalhador), quando ele é estruturalmente incapaz de fazer isso, é transformar em zombaria a própria ideia da emancipação. (Mészáros, p.289)

(…) é preciso enfrentar a questão do tipo de igualdade viável para os indivíduos em geral, e para as mulheres em particular, na base material de reprodução sociometabólica controlada pelo capital, em vez de se discutir como se poderiam se redistribuir os recursos disponíveis nas presentes circunstâncias dentro das margens que se encolhem. Os limites estruturais de qualquer sistema de reprodução geralmente também determinam seus princípios e seu modo de distribuição. (Mészáros, p.273)

REFERÊNCIAS

MÉSZÁROS, István. Para além do capital. São Paulo: Boi tempo, 2012. (Capítulo 5: A ativação dos limites absolutos do capital).
PANIAGO, Maria Cristina Soares. Mészáros e a incontrolabilidade do capital. São Paulo: Instituto Lukács, 2012.

SITES
http://outraspalavras.net/posts/o-surpreendente-curdistao-libertario/
http://outraspalavras.net/posts/os-curdos-numa-armadilha-da-historia/
http://outraspalavras.net/posts/david-graeber-narra-a-revolucao-de-kobane-que-derrotou-isis/
http://espacosocialista.org/portal/?p=3639 (Daniel Delfino)
http://www.anovademocracia.com.br/no-140/5648-kobane-rojava-a-luta-das-mulheres-curdas
http://capitalismoemdesencanto.org/2015/03/08/mirem-se-no-exemplo-das-mulheres-curdas/
http://anarquismopr.org/2015/03/08/a-revolucao-dentro-da-revolucao-e-o-protagonismo-feminino-no-curdistao/
http://www.esquerda.net/artigo/mulheres-curdas-resistencia-e-vida/34968