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Jornal 86: Há soluções para as crises econômicas?


12 de fevereiro de 2016

Não… e, todavia, há sim!

O que há de mais comum em se tratando das crises, digamos, nos últimos 70 anos, não é tanto a sua recorrência – tão frequente que é quase uma permanência – mas sim as garantias dos governantes (ou dos candidatos por ocasião das eleições) de que, finalmente, encontrou-se a saída para as mesmas. Sempre um “milagroso milagre” q2ue, expresso em um conjunto de medidas econômicas, resolveria definitivamente as crises, abrindo um período de prosperidade econômica.

Alguns ainda se lembrarão dos “cinco dedos” da campanha do Fernando Henrique à Presidência: reduzindo-se a presença do Estado à educação, segurança, emprego, saúde e agricultura, a prosperidade seria alcançada. Ou do “sem medo de ser feliz” da campanha do PT. Os mais velhos se lembrarão dos programas “desenvolvimentistas” da Ditadura Militar (o Milagre Brasileiro) ou mesmo do governo Juscelino Kubitschek – ou, ainda, das esperanças que vieram junto com a “Constituição Cidadã” de 1988: imaginava-se que estaríamos entrando em um Estado de Bem-Estar, como o dos países capitalistas mais desenvolvidos! Quantas esperanças não despertaram os planos econômicos da época da presidência de Sarnei, com o congelamento dos preços, com as “donas de casa” imaginando assumir o controle dos preços dos produtos dos grandes monopólios internacionais!

Não há como se fugir da constatação: as crises não desaparecem, mas as ilusões permanecem. Como se apenas fosse possível conviver com a crise tendo ilusões de que ela estaria para terminar. De algum modo, a esperança por melhores dias torna o presente aparentemente menos sofrido, menos dolorido.

A razão das crises

Já tratamos, em artigos anteriores, da razão fundamental das crises no modo de produção capitalista, mas não custa recordar brevemente: as classes dominantes, por toda a história, necessitam do mercado para acumularem suas riquezas. Precisam trocar por ouro e prata, ou por dinheiro, os produtos que extraem do trabalho daqueles que exploram. O mercado, por isso, é indispensável para a reprodução das sociedades de classe.

O mercado, contudo, apenas pode funcionar em uma situação bastante particular: para que os preços sejam compensadores, é preciso que a oferta nunca ultrapasse a procura. Desde o aparecimento das classes sociais, com a Revolução Neolítica, há 12 mil anos, até a Revolução Industrial (1776-1830), foi precisamente isto que aconteceu. Como a produção não era suficiente para atender as necessidades de todas as pessoas, a procura era sempre maior do que a oferta e os preços tendiam a se manter elevados. As classes dominantes tinham, então, no mercado um poderoso instrumento para seu enriquecimento e para a manutenção do seu poder.

As crises, claro, existiam nesse período histórico. Contudo, eram crises causadas por pragas na agricultura, por guerras, por falta de mercadorias ou de matérias-primas, ou de energia e assim por diante. Não eram crises provocadas pela produção maior do que o consumo, salvo raríssimas exceções.

Com a Revolução Industrial (1776-1830), esse quadro se alterou profundamente. A produção ultrapassou o consumo e a carência foi substituída pela abundância. Com isso, pela primeira vez, o mercado deixou de funcionar para a acumulação da classe dominante: a oferta maior do que a procura derrubou os preços abaixo do custo de produção, inviabilizando a produção de mercadorias (lembremos, mercadorias são produtos voltados para o lucro). Desde o final da Revolução Industrial até hoje, há mais anos de crise do que de prosperidade econômica! Sempre, por todos os lugares, a causa fundamental é a mesma: falta mercado para tanta produção. Com a oferta acima da procura, os preços caem, a produção é suspensa e o desemprego aumenta. Os bancos aumentam os juros para cobrir os prejuízos causados pelo fato de a indústria e a agricultura não conseguirem pagar seus empréstimos, a agricultura não suporta os altos juros e quebra, arrastando atrás de si o restante das indústrias e dos bancos. A dinâmica da crise é, com poucas alterações, essencialmente, esta.

Esse é o ciclo das crises que se repetem no capitalismo desenvolvido: a superprodução derruba a produção, aumenta o desemprego, derruba o consumo e toda a economia vai à bancarrota. A capacidade de produzir acima das necessidades de consumo, que deveria significar mais conforto e menos trabalho para todos, significa, ao contrário, miséria e desemprego para muitos, ou baixos salários e trabalho ainda mais estafante para os ainda empregados.

O controle das crises

Sem passarmos do modo de produção capitalista ao modo de produção comunista (que não precisa de mercado) não há solução para as crises. Contudo, se não se pode superar as crises, em parte é possível controlá-las e o capital desenvolveu vários mecanismos com essa finalidade. Ainda que seja um controle muito limitado, ainda assim, algum controle é possível.

Dois são os mecanismos básicos desse controle. O primeiro deles é a elevação do consumo, por todos os meios possíveis. A produção em série de milhares de produtos idênticos, de baixo valor, voltados a um mercado de consumo de massas, que inclui parcelas consideráveis até mesmo dos trabalhadores, deu a impressão de ser um mecanismo muito eficaz de controle das crises por várias décadas depois da crise de 1929. O estimulo da produção pelo Estado, através de políticas de construção civil, de investimento nos setores básicos, de políticas públicas que faziam do Estado um “comprador”, ou o estímulo ao crédito barato são medidas que fazem parte desse mecanismo de controle. O recente “crescimento econômico” do Brasil, nos anos petistas, foi promovido desta forma. Nesse conjunto de medidas de controle das crises pelo aumento do consumo a produção de armas e as guerras ocupam um lugar de grande destaque.

Gabriel Kolko, em seu livro Century of War (Século de guerra), estima que no século 20 foi investido no complexo industrial militar o dobro do que a humanidade gastou ao redor da indústria automobilística — desde estradas até a reforma dos centros urbanos para se adaptarem aos carros, desde a indústria do petróleo até a fabricação de metais e vidros para os carros, desde a própria produção de carros até os mecanismos de controle burocrático que o trânsito requer, desde as oficinas e ferros velhos até os estacionamentos etc. Estima-se que 10% da área dos Estados Unidos esteja ocupada por carros ou pelos equipamentos que ele requer.

Do ponto de vista do capital, a fabricação de armamentos tem uma grande vantagem: nem tudo é produzido para ser consumido. As armas atômicas são um excelente exemplo desse fenômeno: os EUA tinham bombas suficientes para destruir o planeta 66 vezes, a URSS para o fazer 33 vezes!! Se fosse para serem usadas, bastava destruir o mundo uma vez só! Para que 99 vezes? Para aumentar o consumo, ainda que seja um consumo dessa ordem de absurdo!

O primeiro mecanismo de controle das crises é, portanto, o aumento do consumo, chegando ao extremo mesmo de consumirmos o que não necessitamos. Já falamos das bombas atômicas, mas quantos produtos não consumimos no dia a dia que ou sabemos que não fazem bem para nossa saúde ou sabemos que são completamente dispensáveis? O que os norte-americanos em um dia jogam fora de hambúrguers que não consumiram inteiramente tem carne suficiente para o consumo de carne de todo o Paraguai por um mês. Os exemplos são infinitos!

O segundo mecanismo é eficiente no curto prazo, não passa, contudo, de uma ficção, de uma fantasia. É o “aquecimento” da economia pelo “crédito barato”, como dizem os economistas burgueses. Para entender esse mecanismo, precisamos de um pouco de economês!

Os 100 reais do seu Joaquim

Quando o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica Federal – ou qualquer outro banco – recebe dinheiro do Banco Central para financiar quem queira comprar geladeiras, carros, casas, TVs etc. o governo apenas imprimiu mais dinheiro. A produção continua a mesma, a quantidade de mercadorias continua a mesma, mas a quantidade de dinheiro aumentou.

O dinheiro é uma mercadoria como outra qualquer. Seu valor corresponde à sua quantidade necessária para comprar as mercadorias. Quando aumenta a oferta de dinheiro no mercado (tal como quando aumenta a oferta de mangas ou bananas), o valor do dinheiro cai e precisa-se de mais dinheiro para comprar o mesmo produto: é a inflação. Ao o Banco Central passar mais dinheiro aos bancos sem que tenha havido um aumento na produção das mercadorias, começa um processo de inflação. O dinheiro começa a perder valor.

Contudo, há um fato que gera a ilusão de que seria possível escapar desse desequilíbrio. Se o seu Joaquim tomar emprestado 100 reais do banco e comprar tijolos para sua casa em construção, o vendedor dos tijolos vai comprar, com esses mesmos 100 reais, mais argila para sua cerâmica e, ainda, comida e roupas para sua família. Os que venderam argila, comida e roupas para o vendedor de tijolos, gastarão os mesmo 100 reais para comprarem gasolina, remédios e pagarem uma passagem de avião e, os vendedores desses produtos, por sua vez, gastarão esses mesmos 100 reais para comprarem perfumes, sapatos e fósforos… e assim por diante.

Perceba: o Banco Central coloca 100 reais para o banco emprestar e, os mesmos 100 reais movimentam muitas vezes seu valor em mercadorias!! O governo e seus economistas, então, imaginam: cobram-se impostos nessas compras e vendas todas, de tal modo que esses 100 reais voltam com lucro para o governo e, assim, pode-se evitar a crise! Num mundo perfeito, isso funcionaria. Mas, claro, o mundo não é perfeito, ainda mais o mundo do capital!! Esse sonho não passa de fantasia.

As “bolhas” de consumo

Os bancos, percebendo que há dinheiro em excesso na economia e que a moeda perdeu valor, aumentam as taxas de juros. O dinheiro arrecadado pelo governo com o aumento das vendas termina quase todo nos cofres dos bancos. O capital, sabendo que há dinheiro na economia, aumenta a produção para que esse dinheiro venha para suas mãos. Os juros, que já aumentaram, são agora acompanhados pelo crescimento da produção. A superprodução, então, ameaça uma nova crise e, os juros altos tornam o perigo ainda maior!

O que o governo faz para administrar a crise que se agravou?

Mais do mesmo: emite mais dinheiro e o repassa aos bancos, para que emprestem e “aqueçam” a economia. O ciclo se realimenta: a pressão inflacionária que vem pelo aumento do dinheiro no mercado leva a um novo aumento dos juros. Os juros mais altos elevam o preço das outras mercadorias e, para agravar a situação, temos um novo aumento da produção industrial impulsionado pelo dinheiro que o governo injetou na economia. O perigo anterior, da superprodução, agravado pelos juros elevados, torna-se ainda mais intenso: a superprodução torna-se maior, os juros continuam elevados e, agora, temos também uma elevação dos preços e a inflação tende a se generalizar pela economia.

O governo, para enfrentar o agravamento da situação, novamente faz mais do mesmo: injeta mais dinheiro na economia e o ciclo se realimenta – e os bancos vão acumulando um capital cada vez maior.

Uma hora a “corda tem que arrebentar”, evidentemente. Quando a corda arrebenta, os economistas dizem que estourou uma “bolha”: os juros estão tão elevados e os preços tão altos que ninguém mais compra, com a queda das vendas a superprodução torna-se ainda mais intensa e os preços despencam, inviabilizando a produção, aumentando o desemprego e aprofundando a crise.

Quando a crise se intensifica e o crescimento econômico, mesmo que medíocre, se converte em recessão, o governo dá uma marcha à ré: desaquece a economia. Reduz o crédito e tenta controlar a inflação diminuindo a produção. Para diminuir a produção, aumenta os juros (para alegria do capital financeiro), diminui os investimentos públicos, arrocha os salários e permite que o consumo caia.

Em meses ou anos, a produção em queda se aproxima do consumo da sociedade e a situação de superprodução é amenizada. Então, é possível se pensar em um novo “ciclo de crescimento”. E tudo começa novamente – para alegria dos grandes capitalistas. Mais crédito, maiores juros e preços, maior produção, mais crise e, para enfrenta-la, mais crédito, maiores juros e preços até que, novamente, a corda arrebente e se instaure um novo período de crises.

Quase um eterno retorno… … não fosse por dois detalhes importantes.

As empresas que sobrevivem às crises econômicas são aquelas que conseguem tirar maior quantidade de riqueza pagando o menor montante de salários. Cada empresa, por isso, procura adotar tecnologias e técnicas gerenciais que possibilitem ter cada vez menos trabalhadores para uma produção cada vez maior. Isso significa que o aumento da produção vem sempre acompanhado por uma queda do emprego e, portanto, da diminuição da quantidade de consumidores. Ainda que seja possível aumentar o consumo mesmo com menos consumidores (aumento do consumo de cada consumidor), isso tem, evidentemente, um limite. Ao gerar um crescente desemprego na estrutura social, o capitalismo está matando sua válvula de escape que é o aumento do consumo.

O primeiro detalhe é que a tendência de longo prazo é um aumento da superprodução, já que o desemprego crescente é condição para o aumento da produção e, sem o aumento da produção, as empresas não podem sobreviver à crise.

O segundo detalhe está em que, a cada crise, o pequeno é engolido pelo grande: isto dá origem a um processo de concentração da riqueza que faz com que hoje 62 pessoas tenham mais da metade da riqueza de todo o planeta, como noticiado pelo jornal O Estado de São Paulo no dia 21 de janeiro de 2016. Um capital cada vez mais concentrado significa empresas cada vez maiores, com capacidade produtiva cada vez maior e com uma potência para investimentos ainda mais impressionante que no passado. O aumento da capacidade produtiva se faz, assim, de modo mais concentrado e veloz, intensificando a superprodução que, por sua vez, derruba os preços, aumenta o desemprego e … tudo se inicia novamente, só que agora de forma mais violenta e rápida porque os capitais e a produção são maiores que das vezes anteriores.

Vivemos, nessas semanas em que sai este número do Jornal Espaço Socialista, um bom exemplo desse fenômeno: o excesso de produção de petróleo que somado à queda da demanda pela crise chinesa derrubou o preço do barril de mais de 100 para menos de 30 dólares. As ações da Petrobrás caíram de R$ 75 a menos de R$ 5!

O segundo detalhe é, portanto, que as crises tendem a se tornar cada vez mais agudas e cada vez mais prolongadas… até chegarmos à crise estrutural.

A crise estrutural, que se iniciou na década de 1970, é uma enorme e gigantesca crise na qual a superprodução se tornou permanente. Ou seja, mesmo com a crise, a concentração de capital e o aumento de sua capacidade produtiva fazem com que a superprodução permaneça. Antes, as crises criavam condições para que um novo ciclo de expansão econômica tivesse lugar. Hoje, mesmo com algum crescimento econômico, a crise se mantém permanente. Novamente, a experiência recente do Brasil petista é um bom exemplo: o aquecimento da economia pelo crédito gerado pelo Banco Central deu a impressão de que uma parte ponderável dos miseráveis estaria se convertendo em classe média. Bastou menos de um ano de recessão para a maior parte retornar para abaixo da linha da miséria. Imprimir dinheiro para aquecer a economia pelo crédito pode ser um paliativo para o curto prazo, nada mais do que isso…

Em poucas palavras, o “combate à miséria” requer a mudança da estrutura de produção que produz a miséria e a superprodução ao mesmo tempo. Enquanto o modo de produção for capitalista serão produzidas miséria e riqueza ao mesmo tempo, pelos mesmos atos, pelos mesmos processos. E as medidas paliativas são, apenas, paliativas: a tendência é sempre a concentração da renda e a crise.

A crise estrutural do capital é a evidência mais visível de que o modo de produção se esgotou. Enquanto perdurar o capitalismo, as contradições sociais não deixarão de crescer e as desigualdades sociais levarão a crescente violência. A democracia vai perdendo sua aparência de respeito aos direitos humanos e mostrando sua verdadeira face: é a força do capital convertida em força política. A produção do capital crescentemente se converte em destruição dos seres humanos (e, o que é o mesmo, do planeta).

A humanidade já conheceu, no passado, o esgotamento de três modos de produção. O esgotamento do modo de produção primitivo abriu a passagem aos modos de produção asiático e escravista; o modo de produção escravista, ao entrar em crise, fundou as bases do modo de produção feudal e, este, pela sua “crise estrutural”, deu origem à Acumulação Primitiva do Capital, isto é, à origem do modo de produção capitalista.

A cada passagem de um modo de produção a outro, houve a transição de uma forma de trabalho à outra: do trabalho de coleta dos tempos primitivos passamos ao trabalho do camponês do modo de produção asiático ou do escravo; o trabalho escravo foi substituído pelo trabalho servil da Idade Média e, este, finalmente, deu lugar ao trabalho proletário.

Também vivemos momentos de transição: o modo de produção capitalista se esgotou e lançou a humanidade em uma crise estrutural cuja única saída é a superação do modo de produção por outro, mais avançado. Esse outro modo de produção é o comunismo e, sua forma de trabalho, é o trabalho associado.

Essa é a única solução para as crises que, por isso, não têm – mas têm – solução!