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Jornal 85: Chavismo, bolivarianismo, nacionalismo burguês: não são socialistas


6 de dezembro de 2015

O Desgaste de Dilma, a derrota do candidato a presidente Scioli na Argentina (aliado de Cristina Kirchner), a vitória da oposição de direita nas eleições municipais no Equador no ano passado, a provável derrota dos candidatos apoiados por Maduro na Venezuela sugere que os governos “nacionalistas burgueses” da América Latina perderam apoio popular, entram em crise e a oposição de direita avança.6

Como parte desse avanço, a mídia e os setores de direita têm procurado desgastar não só esses governos, mas também o socialismo e a revolução, como se as ações desses governos tivessem alguma coisa a ver com as ideias de esquerda.

De maneira sagaz, esse setor de direita se apoia na retórica desses governos que, procurando se legitimar perante o movimento e os trabalhadores, se intitulavam como de esquerda e, no caso de Hugo Chávez, até como socialistas. Nada mais distante da realidade.

Os modelos econômicos aplicados por esses governos, ainda que com algumas pequenas medidas e programas sociais, são na sua essência projetos burgueses. O papel cumprido por esses governos é de gestão do capital, sendo que em muitos casos − como os governos petistas − é de continuidade do modelo neoliberal.

Em suma: são gestões que têm como base a exploração da classe trabalhadora e, para mostrar aos capitalistas que eram eficientes, desferiram muitos ataques aos direitos da classe trabalhadora.

Quando alimentados pelo dinheiro que entrava pelas exportações de commodities conseguiram implementar alguns programas sociais que davam ares populares a esses governos, mas foram as exportações diminuírem (e o dinheiro também) para haver o aperto sobre os direitos trabalhistas e sociais para garantir a lucratividade do capital. Essa é a base da causa da crise política que esses governos atravessam.

A crise é profunda e a direita se aproveita disso para fazer crescer a oposição a esses governos no interior da própria classe trabalhadora e avançar para a ruptura em amplos setores populares.

É preciso desmascarar esse discurso que só serve para enganar os trabalhadores sobre os verdadeiros responsáveis pela crise e pelas condições de vida da população, que é o próprio capitalismo.

A deslegitimação do Neoliberalismo

Nos anos 1990, a América Latina sofreu um intenso processo de confisco de recursos naturais (minério, petróleo e até mesmo a imprescindível água), de empresas estatais praticamente doadas a “investidores” (as privatizações, muitas com dinheiro público emprestado a juros abaixo do mercado), retirada de direitos (reformas sistemas previdenciários, entre outros), desregulamentação favorecendo o fluxo do capital financeiro, enfim, transformações que impuseram um período de ofensiva sobre os direitos históricos dos trabalhadores.

Era o apogeu do neoliberalismo que permitiu aos capitalistas um salto na acumulação de capital e elevação das taxas de lucros. Há a deterioração das condições de vida da classe trabalhadora e impõe-se o “Estado mínimo”, retirada do Estado na gestão de vários serviços públicos (por via das privatizações) e quando continua na gestão é sob a forma precarizada como Educação, Saúde etc. Já para os burgueses se instaurou o “Estado máximo”, com empréstimos, concessão de serviços, da infraestrutura etc.

Em resposta a essa situação, no início dos anos 2000, ocorreram mobilizações em vários países da América Latina envolvendo milhares de trabalhadores e abrindo um novo período da luta de classes, com a classe trabalhadora se colando em oposição ao neoliberalismo.

Foi como parte desse processo que os setores que se opuseram a essas reformas se fortaleceram e ganharam as eleições em vários países do continente − Hugo Chavez na Venezuela, Kirchener na Argentina, Fernando Lugo no Paraguai, Lula no Brasil, Rafael Correa no Equador e Morales na Bolívia. Na Venezuela houve muita tensão, principalmente pela disputa pelo controle da PDVSA (petroleira estatal) que representa sozinha mais de 95% de tudo que o Estado venezuelano exporta.

As ilusões

Muitos trabalhadores e até organizações de esquerda depositaram confiança nos governos em tomar medidas de ruptura com o capital. Ledo engano. Nenhum deles apresentou medidas que colocavam o capital em risco.

Outros alegam que os programas sociais representam um grande avanço e, portanto, o caráter progressista e de esquerda desses governos. Claro que não somos contra esses programas (que em muitos casos representa o único meio de muitas família se alimentarem), mas isso ainda não é suficiente para tratar esses governos como de esquerda ou socialistas.

O custo com esses programas sociais é ínfimo (no Brasil representam somente 0,5% do PIB) e não oferece nenhum risco a rentabilidade do capital. Pelo contrário, ao chantagear milhões de pobres, impediu-se as revoltas sociais no continente.

Programas como o acesso à universidade, moradias populares e outros programas também não representou nenhuma ruptura principalmente pelo fato de que muitos deles se amparava na transferência de verbas públicas para a iniciativa privada.

Vale ressaltar que essas medidas foram financiadas pela entrada de recursos advindos da venda de commodities (petróleo, minério, produtos agrícolas) − que estavam com preço alto − no mercado mundial. Com os primeiros sinais de queda desses preços, a maioria desses programas ou foi extinto ou sofreu forte redução. Economias como a venezuelana e a equatoriana entraram em grave crise quando houve o declínio do preço do petróleo no mercado mundial.

Lula e Dilma, Cristina Kirchner, Hugo Chavez e Maduro, Rafael Correa, nenhum deles em momento algum rompeu com as “suas” burguesias ou com o imperialismo. O Chavismo na Venezuela continuou vendendo petróleo para os Estados Unidos, Lula invadiu o Haiti e fez o jogo sujo em nome da superpotência e Cristina continuou a alimentar os banqueiros com o pagamento da dívida. Gritaram de um jeito e fizeram de outro.

Por isso esses governos não socialistas. Mas, o que são então?

Mas antes…

Para dizer que não são socialistas, é preciso então saber o que é o socialismo.

Quando falamos em socialismo, a direita quer logo associá-lo a governos como o petismo, o chavismo ou ao regime coreano. Isso é falso.

O socialismo é antes de tudo um sistema social em que aquilo que é produzido atende as necessidades da coletividade, de toda a sociedade.

Isso significa que há um planejamento geral na sociedade, no qual os trabalhadores (organizados em conselhos eleitos pela base) discutem e decidem o que e como produzir. Se a necessidade é trator para produzir mais alimentos serão produzidos tratores; se moradias serão produzidas casas; se é para melhorar a Educação, serão construídas escolas e será garantida a formação de professoras e professores.

Porém, para chegar a isso, será necessário destruir a propriedade privada, colocando esses meios de produção sob controle dos trabalhadores para que se possa produzir o que a classe trabalhadora decidir.

Mas, como sabemos, a burguesia, que para existir precisa de trabalhador para ser explorado, não vai deixar de lucrar e aceitar essas mudanças. Por isso, a necessidade da revolução socialista em que as trabalhadoras e os trabalhadores se organizem e assumam o controle desses meios de produção, por meio de conselhos democráticos e revolucionários.

Enfim, socialismo é uma etapa da história em que a humanidade vai começar a acabar com as classes sociais e com todas as formas de exploração.

Isso é, em linhas gerais e de forma sucinta, o socialismo.

Esses governos são o que?

Como se vê, um governo socialista e de esquerda teria um programa de ruptura com os capitalistas e adotaria medidas contra a burguesia. Definitivamente esses governos não são socialistas.

Essas são características de governos burgueses, tanto pelo modelo econômico pró-capitalistas que aplicam, como pela repressão exercida sobre os trabalhadores e é também mais um exemplo da falência da ideia de mudança social por dentro do Estado, de transformações “lentas e graduais”. Além de estar ultrapassada a tese reformista, a própria burguesia não aceitaria pacificamente que seus privilégios fossem alterados.

Mais uma vez, a falta de alternativa…

Como as condições que permitiram adotar alguns programas sociais não existe mais (queda do preço e da demanda das commodities no mercado mundial), o que presenciamos é a piora das condições econômicas e sociais. O desemprego e inflação no Brasil, a falta de alimentos e inflação na Venezuela, a crise econômica na Argentina, faz com que esses governos entrem em crise e abram espaço para a direita.

No plano político esse processo abriu caminho para a direita, como é possível perceber a eleição do candidato da direita Macri na Argentina, a oposição de direita favorita nas eleições legislativas venezuelanas de dezembro e no Brasil tudo aponta para o fim do “ciclo PT”.

Por fim, mas não menos importante, a nossa oposição a esses governos é pela esquerda, ou seja, não nos aliamos nem apoiamos as diversas oposições de direita. Lutamos pela construção de uma alternativa socialista que possa nos oferecer um projeto independente, classista, socialista e baseada na organização dos trabalhadores. Esta é a condição para superar esses setores que tentam se passar por esquerda, mas que na verdade são, como já dissemos acima, projetos burgueses e de manutenção da ordem do capital.