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Ucrânia: golpe apoiado pelo imperialismo e executado por neonazistas!


1 de abril de 2014

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Este texto é uma contribuição individual, não necessariamente expressa a opinião da organização e por este motivo se apresenta assinado por seu autor.

Daniel Delfino

 

A FARSA DA “NOVA GUERRA FRIA”, E A NECESSIDADE DE UMA ALTERNATIVA SOCIALISTA REVOLUCIONÁRIA DOS TRABALHADORES!

            A Ucrânia foi vítima de um golpe de Estado, apoiado pelo imperialismo europeu e estadunidense e executado por milícias neonazistas. O golpe foi desencadeado pela decisão do então presidente Viktor Yanukovich, em novembro de 2013, de não assinar um tratado que estava em discussão e assim suspender o processo que estava em curso de integração do país à União Europeia (UE) e voltar a priorizar a relação com a Rússia. A partir dessa decisão, uma onda de protestos de massa varreu o país, em especial a capital Kiev, com a presença marcante de grupos neonazistas organizados, contra a decisão do presidente e em favor de continuar a integração à UE. Os protestos persistiram com uma tal intensidade, com a ocupação de prédios públicos e a construção de barricadas, que o presidente foi obrigado a deixar o país.

Na sequência de sua retirada, forma-se um novo governo, que reativa a Constituição de 2004 e marca eleições para maio deste ano. Apesar do golpe ser conduzido por milícias neonazistas, não houve mudança de regime nem instalação de uma ditadura fascista, pois a Constituição de 2004 formalmente segue a democracia burguesa  (isso pode mudar caso a situação se encaminhe para um confronto militar com a Rússia pela posse de regiões de maioria russa na parte oeste do país, o que permitiria ao governo impor medidas como estado de sítio, etc.). Mas apesar da manutenção formal da democracia burguesa, o sentido político geral dos acontecimentos favorece o imperialismo, vinculando o país à UE e aos Estados Unidos e dando poder a políticos liberais, como o ex-boxeador Vitali Klitschko, com uma mentalidade pró ocidente, ou seja, pró capitalismo. Um tratado com o FMI foi assinado, vinculando o país às mesmas políticas de “austeridade”, eufemismo para devastação social, que vitimam a periferia europeia.

E mesmo que a maioria da população não tenha aderido explicitamente à ideologia neonazista, foram os neonazistas que dirigiram politicamente o golpe e foram reconhecidos pelas massas como liderança.

Em resposta a essa situação, a região de maioria russa da Criméia declara não reconhecer o novo governo em Kiev, organizando um plebiscito e separando-se do país. Desde a dissolução da URSS, a Rússia mantinha uma base naval na Criméia e depois do referendo tomou posse militarmente da península. O conjunto do imperialismo protestou contra essa ação da Rússia e impôs sanções econômicas ao gigante eslavo, mas a anexação da Criméia é hoje um fato consumado. A queda de braço entre a Rússia e o imperialismo estadunidense e europeu por conta dessa questão se transformou na principal questão da política internacional nas últimas semanas.

Expansão do imperialismo na antiga URSS

Os acontecimentos estão se desenvolvendo com grande velocidade nos últimos meses, podendo levar a uma guerra entre Ucrânia (que teria envolvimento da UE e dos Estados Unidos) e Rússia pela posse da Criméia, nas próximas semanas ou meses. Mas o drama a que estamos assistindo na Ucrânia é a culminação de um processo que já vem se estendendo há décadas, desde a dissolução da URSS em 1991. Esse processo consiste na incorporação dos países do antigo bloco soviético pela UE. Num primeiro momento, os países do antigo Pacto de Varsóvia, satélites da URSS, mas que mantinham formalmente a independência, se associaram à UE. É o caso de Polônia, República Tcheca, Eslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária, Croácia, Eslovênia (as duas últimas eram partes da antiga Iugoslávia, que não era alinhada à URSS, mas nominalmente “socialista”).

Num segundo momento, a UE avança sobre países que compunham o território da própria URSS, como Lituânia, Letônia e Estônia. E agora, o mesmo acontece com a Ucrânia. A incorporação à UE é defendida em cada país como se fosse a porta de entrada para um paraíso de prosperidade, com a possibilidade de acesso ao consumo e a um padrão de vida elevado que os europeus ainda desfrutam. Nada mais ilusório! A UE impõe regras de livre comércio que em poucos anos submetem as economias de menor produtividade a uma dinâmica de colonização, como fornecedores de mão de obra barata para empresas européias e consumidores de produtos de alto valor produzidos pelas grandes potências do continente, em especial, a Alemanha. As consequências são o endividamento, a deterioração das contas públicas, corte nos serviços sociais e rebaixamento nos salários, condições de trabalho e condições de vida dos trabalhadores.

Evidentemente, a população dos países do leste europeu e da Ucrânia não sabe disso, e acaba sendo influenciada por uma massiva propaganda pró-UE e pró livre mercado. Essa propaganda interessa também aos Estados Unidos, maiores promotores do livre mercado no mundo, que também apoiaram ativamente o golpe. Políticos estadunidenses, como o ex-candidato republicano John McCain, discursaram, para aplauso dos fascistas, em plena praça Maidan (Praça da Independência), na capita, Kiev! Os Estados Unidos também defendem a integração da Ucrânia à UE porque se preocupam em limitar a esfera de influência russa, afinal o país eslavo ainda é a segunda potência militar do mundo, e a rivalidade geopolítica não terminou com o fim da Guerra Fria contra a antiga URSS.

Muito além da “crise de direção”

A população ucraniana apoia a integração à UE, como dissemos, porque tem a ilusão de que vai melhorar de vida, por isso mobilizou-se em massa contra o governo Yanukovich, que na última hora optou por manter os laços com a Rússia. A oposição de massa à Yanukovich, entretanto, não abriu caminho para um projeto político de esquerda, e sim de direita. A direção política dos protestos contra a decisão de Yanukovich coube a grupos neonazistas, que não fazem a menor questão de esconder a sua ideologia.

As bandeiras desses grupos reproduzem as das milícias que combateram ao lado dos nazistas na II Guerra Mundial, contra o Exército Vermelho soviético. Ao tomar o poder através da oposição parlamentar, que formalmente depôs Yanukovich, a ultra direita neonazista teve como suas primeiras medidas derrubar os monumentos que homenageiam os heróis que combateram os nazistas. O discurso desses grupos é de puro ódio contra a Rússia, contra os judeus e contra as minorias.

Em resumo, ainda que as condições objetivas empurrem os trabalhadores para a luta, ou seja, para a esquerda, as condições subjetivas podem levar essas lutas a resultados políticos que se dirigem para a direita, ou seja, que se voltem contra a própria classe. É o que está acontecendo na Ucrânia. As lutas políticas não podem ser explicadas apenas pelo fator objetivo das necessidades materiais, pois o fator subjetivo, a consciência e a organização da classe trabalhadora, tem também um peso decisivo, e não pode ser substituído.

É muito insuficiente a análise rotineira de algumas corrente marxistas que explicam tudo pela ausência de uma “direção revolucionária” na Ucrânia. Uma direção revolucionária e socialista não pode ser improvisada nem transplantada para nenhum país da noite para o dia. Ela precisa ser construída por um longo processo de relação com a classe trabalhadora, de impulso e organização de suas lutas cotidianas e de sua consciência. Sem isso, nenhuma “direção revolucionária” pode cair de para quedas em meio a uma crise social e ser recohecida pelos trabalhadores. Ao contrário, reafirmamos, os trabalhadores ucranianos reconheceram grupos neonazistas como sua liderança. É preciso reconhecer esse fato da realidade como ponto de partida para uma política revolucionária para a situação ucraniana.

 

Da burocracia stalinista ao nacionalismo russo

Para explicar a ausência de um projeto político de esquerda e a influência da ultra direita é preciso mais uma vez recorrer à história. Na época de consolidação do stalinismo, na década de 1930, a política da burocracia para os países que compunham a URSS foi de uma opressão ainda mais feroz do que a do antigo império czarista. Essas regiões foram obrigadas a entregar sua produção para Moscou à base da força dos fuzis, e em nenhum lugar essa política foi mais violenta do que na Ucrânia, segundo mais populoso e mais importante país da União Soviética e um dos mais férteis do mundo. Milhões de camponeses ucranianos foram mortos no processo de coletivização forçada do campo e requisição das safras pela burocracia stalinista.

Reproduzindo a prática do czarismo na época do império russo (a presença russa na Crimeia já tem mais de 200 anos, já que a região é porta de entrada para o mar Negro, e dali para o Mediterrâneo, por isso existe a base naval de Sebastopol), burocratas russos foram deslocados para administrar todas as instituições das repúblicas soviéticas. Essa é a base da existência de minorias russas em todas as ex-repúblicas soviéticas, e também do ódio à Rússia.

Voltando para o momento atual, os setores que se opõem ao golpe na Ucrânia não tem outra referência além de voltar-se para a Rússia. E isso de forma alguma é indício de progresso social! A Rússia é governada por uma oligarquia mafiosa, cuja origem social está no aparato de segurança interna da finada URSS (a antiga KGB). Os ex-burocratas do aparato de segurança saquearam o patrimônio estatal da antiga URSS com métodos gângsteres e hoje governam a Rússia com mão de ferro através de Vladimir Putin, que não tolera nenhum tipo de oposição. O principal crítico do governo Putin é um advogado liberal e democrata, Alexei Navalny, que está em prisão domiciliar. O movimento operário é praticamente inexistente. O que resta do período soviético na consciência das massas é uma vaga venereção de Lênin e de Stalin como “heróis nacionais”, o primeiro por ter derrubado o czarismo e o segundo por ter vencido Hitler. O autoritarismo e o conservadorismo vão a tal ponto que a homossexualidade é proibida e os LGBTs são caçados nas ruas.

É para essa Rússia que se volta a população russa da Criméia, que não aceita o golpe desfechado em Kiev. Não existem grupos revolucionários de esquerda na Ucrânia que possam se opor ao imperialismo e ao neonaizsmo. O partido comunista ucraniano (KPU) é um resto da velha burocracia stalinista, cuja única política é a defesa da integração com a Rússia. Em nenhuma região do mundo a crise de alternativas socialistas é mais dramática do que nos países do antigo bloco soviético. O fim do stalinismo deixou em seu lugar o ódio contra a Rússia nas ex repúblicas da URSS e no bloco soviético, e uma apologia do nacionalismo russo, dentro da própria Rússia.

A falsa reedição da Guerra Fria

Temos que lidar com a crise de alternativa socialista como ela é e não fantasiar que qualquer movimento em que as massas se colocam na rua é automaticamente positivo. A anexação da Ucrânia pela UE é mais uma onda de choque da queda da URSS, o último efeito retardado da queda do regime burocrático, depois de mais de duas décadas do seu desmoronamento. Como um efeito retardado daquele processo, a crise na Ucrânia traz de volta o problema das alternativas societárias, já que a ideologia que moveu o golpe é a defesa do livre mercado capitalista, no qual as massas ucranianas depositam suas esperanças. Em contra partida, a alternativa que se apresenta contra o golpe é o nacionalismo russo, que é mais uma versão do próprio capitalismo. Ou seja, não representa alternativa alguma. Essa alternativa terá que ser reconstruída, na Ucrânia e em qualquer país do mundo, com base na organização e na luta dos trabalhadores.

A contraposição entre a Rússia e o imperialismo europeu e estadunidense por conta da anexação da Crimeia se transformou na principal questão política internacional nas últimas semanas. Alguns analistas falam em “nova Guerra Fria”, relembrando o conflito que opôs URSS e Estados Unidos na segunda metade do século XX, com a Rússia substituindo o papel da URSS. Nada mais falso! A Guerra Fria não opunha apenas duas grande potências, mas duas alternativas sociais. Ainda que a URSS não fosse uma autêntica alternativa socialista, já que estava condenada ao fracasso pelo câncer da degeneração burocrática, a sua existência servia como fundamento da ideia de que era possível substituir o capitalismo. O seu desmoronamento, devido ao fato de que o câncer da degeneração burocrática não foi curado, serviu como fundamento da ideia oposta, que predomina nas últimas décadas, de que não existe alternativa ao capitalismo. Portanto, o confronto entre o imperialismo e a Rússia pela extensão das respectivas esferas de influência, não é um conflito entre alternativas sociais, mas entre forças políticas e econômicas que disputam poder no interior de um mesmo sistema, o capitalismo.

 

Com a consolidação do golpe, a Ucrânia deve ser incorporada pela União Europeia, ou seja, colonizada pelo imperialismo alemão, e as esperanças de melhoria das massas que apoiaram o golpe vão ser amargamente frustradas. O que resta saber é se nesse momento futuro de frustração e revolta vamos ter novos protestos que, aí sim, possam ser dirigidos pela esquerda. Como dissemos, o processo de organização e avanço da consciência dos trabalhadores não pode ser substituído por nenhum outro tipo de força social. É desse processo que depende a formulação de uma alternativa anticapitalista e autenticamente socialista.

Como bandeiras para a construção do movimento dos trabalhadores ucranianos defendemos:

Contra o golpe de Estado! Nenhuma confiança no governo provisório!

Contra o tratado com o FMI e as medidas de austeridade!

Contra os grupos fascistas! Pela autoorganização dos trabalhadores!

Contra a intervenção do imperialismo europeu na Ucrânia!

Contra a ingerência dos EUA!

Nem pro-Rússia, nem pro-União Europeia: todo poder a classe trabalhadora ucraniana!

Pela formação de conselhos e comitês de base independentes, nos locais de trabalho e de moradia! Pelo controle operário da produção e dos preços!

Por um poder socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta!