Desde março de 2019 o Espaço Socialista e o Movimento de Organização Socialista se fundiram em uma só organização, a Emancipação Socialista. Não deixe de ler o nosso Manifesto!

Jornal 65: Janeiro/Fevereiro de 2014


6 de fevereiro de 2014

 

Versão em PDF
Versão em PDF

 

 

2014: MUITAS LUTAS NO HORIZONTE: QUE VENHAM AS CONQUISTAS!

Há uma lenda no Brasil de que o ano inicia depois do Carnaval. Nesse ano a lenda caiu. As lutas em 2014 começaram muito antes.
As mobilizações do ano passado, com todos os seus problemas e limites, deram origem a uma nova situação política no país. Essa situação está marcada pelo aumento da insatisfação e pela maior disposição de luta de muitos setores. Isso não é à toa.

O orçamento público continua bastante comprometido com o pagamento da dívida, com os projetos de investimento em infraestrutura (para favorecer principalmente as empresas) e com uma enorme quantidade de dinheiro desviado pela corrupção.

Para 2014 – 42,42% de todo o orçamento (1,002 trilhão de reais) já estão reservados para garantir os serviços da dívida pública. Mas, para a Educação temos apenas 3,44% e para a Saúde 3,91%. Para o transporte são 1,03%. Com esses índices podemos reafirmar que o governo não atende as principais reivindicações das jornadas de junho.

As privatizações, que Dilma chama de concessões, estão em cena com a entrega de aeroportos, portos, rodovias e, a maior delas, o Campo de Libra com bilhões de barris. E também busca financiar a dívida pública com a entrega de empresas e bens estatais.
Essa situação aliada ao aumento do custo de vida tem colocado a classe trabalhadora e seus filhos em movimento.

O ano iniciou com a luta por moradia. Já são várias ocupações em áreas urbanas. Na cidade de São Paulo, Zona Sul, a ocupação Nova Palestina, maior da América Latina, tem mais de 8 mil famílias. Além de outras ocupações importantes, como em Osasco (SP) e também em Belo Horizonte.

Mobilizações como a de Atalaia (AL) com ocupação da Câmara e da Prefeitura também chamam à atenção pelo seu caráter radicalizado (ver artigo nesta edição).

São várias as categorias do funcionalismo público que amargaram perdas salariais. O aumento do assédio moral e o descumprimento, por parte de vários governos estaduais, do piso nacional e jornada dos professores indicam a necessidade de uma ofensiva nas lutas que enfrentam diretamente o governo Dilma e os principais governadores. A campanha salarial unificada do funcionalismo federal em março deverá ser uma das principais lutas no primeiro semestre. O funcionalismo nos municípios também se prepara para a luta contra a precarização e retirada de direitos como resultado do corte de gastos com os serviços públicos.

O desemprego chegou para mais de 600 trabalhadores da GM de São José, que fechou um setor da produção. O aumento das importações, a diminuição da geração de empregos e o aumento da precarização nas relações de trabalho são alguns dos indicativos de que as lutas salariais serão mais duras.

Diante disso tudo o governo tem rearticulado o aparato repressivo do Estado com a criação de forças policiais de combate às manifestações, com a orientação do governo Dilma para que as Forças Armadas atuem em conflitos internos e a normatização (padronização), pelo Ministério da Justiça, do uso de Tropa de Choque. O Judiciário afina seu papel e endossa essas ações repressivas, com a concessão de liminares como no caso dos Rolezinhos. Tudo isso indica que os movimentos de luta sofrerão maior repressão.
De um lado tem a preocupação da burguesia e dos governos em garantir a Copa e as Eleições e, de outro lado, está a classe trabalhadora tentando sobreviver e se preparando com os movimentos sociais para garantir direitos. Derrotar patrão e governo é a nossa batalha em 2014!

CONSTRUIR UM PÓLO ANTIGOVERNISTA E ANTICAPITALISTA À ALTURA DO NOVO MOMENTO!

O papel da CUT, das demais centrais sindicais governistas e da maioria dos sindicatos sob direções que negociam para beneficiar empresas tem sido de impedir as lutas para que Dilma continue governando para a burguesia e aplique sem rasuras os projetos da Copa e da reeleição que retiram do trabalhador serviços públicos e direitos em troca de repressão.

Mas, também é nítido o papel das direções não governistas (CSP Conlutas e Intersindical), pois não conseguem responder aos novos desafios. A direção majoritária da CSP CONLUTAS foi incapaz de realizar uma luta à altura contra as demissões na GM São José. Apostou nas negociações com mediação do TRT. Apregoou vitória quando o que estava em pauta era o ritmo das demissões e não o cancelamento. Isso reforça que o problema de uma alternativa política e de direção para o movimento continua central nesse ano.
Esse mesmo problema também se coloca quando vemos todos os partidos de esquerda legalizados (PCB, PSOL, PSTU e PCO) entrar no debate eleitoral pela formação de chapas e pré-candidaturas e não centralmente pela construção de um programa em conjunto com a classe trabalhadora, os movimentos sociais e ativistas das jornadas de junho.

Entendemos que o desafio central dos lutadores é impulsionar todos os tipos de luta e suas formas de organização de base como reuniões preparatórias, comitês, plenárias, frentes de luta, encontros, etc. Outro desafio é unificar os vários movimentos em calendário e ações em comum, com um programa de mudanças que sirva para despertar todos os explorados para um ponto de vista de esquerda, contra a direita e anticapitalista. Para juntar e organizar esses vários movimentos e ações é fundamental a realização de Plenárias Nacionais de Movimentos e Entidades de Luta e Antigovernistas!

– Contra a Copa dos Ricos priorizar Saúde, Educação e transporte públicos e gratuitos!
– Não pagamento da Dívida Pública e investimento num plano de serviços públicos e obras, decididos e controlados pelos trabalhadores!
– Estatização sem Indenização do sistema financeiro, sob controle dos trabalhadores! Fim da remessa de lucros!
– Expropriação dos imóveis da especulação imobiliária e utilização pelos movimentos de moradia para diminuir o déficit habitacional.
– Reforma Agrária com o fim do latifúndio e expropriação do agronegócio, sob controle dos trabalhadores!
– Pelo fim da violência e o assassinato da população negra e da periferia!
– Cotas proporcionais para negros e índios nas universidades, nos concursos públicos e demais empregos. Expansão das Universidades e fim do vestibular!
– Por um governo socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta!

ROLEZINHOS: O QUE ELES EXPRESSAM?

 

Os chamados rolezinhos acontecem já há algum tempo. Jovens, principalmente da periferia, se reúnem para ir ao shopping. Em suas próprias palavras, vão apenas para se divertir e namorar. Alguns até para gastarem quase todo o salário (afinal a juventude em geral está em empregos extremamente precarizados) em roupas de grife e objetos que representam um certo estilo aliado ao “funk ostentação”.

No entanto, a partir de janeiro os rolezinhos começaram a se massificar. Com a reação dos donos de shopping e a repressão da polícia militar, logo o fenômeno ganhou as páginas de jornal, revistas e televisão. Esquerda e direita tentaram entender o fenômeno. E os governos (estaduais, municipais e o federal) demonstraram-se assustados com a possibilidade de que os ventos de junho voltem a soprar em ano de Copa do Mundo e eleições gerais.

Algumas observações são importantes para a reflexão sobre o significado desse processo, suas tendências e suas contradições e, principalmente, se podem se desenvolver para mobilizações que expressem as necessidades reais das periferias brasileiras.

É POLÍTICO, MAS NÃO É (PELO MENOS POR ENQUANTO) UM MOVIMENTO POLÍTICO

Chamaram a atenção os depoimentos de alguns dos jovens que convocam esses passeios. Um discurso contra os políticos e a política com a reivindicação do direito de se divertir. Dizem que não estão protestando. Mas será?

A revolta e o descontentamento com o modo de vida nem sempre aparecem de maneira explícita. Na maioria das vezes aparecem de forma distorcida. Por mais que não se tenha consciência, são a expressão de muitos problemas a que os jovens estão submetidos na sociedade capitalista. Essa é a fisionomia da sociedade capitalista.

Essa ida ao shopping, um espaço construído para os que podem consumir determinados produtos (apenas uma parte da sociedade,) expôs muitas contradições: O preconceito e o racismo com que é tratada a classe trabalhadora, a violência social e policial, a situação social e econômica dessa juventude , a angústia provocada pela falta de perspectiva de vida, a falta de lazer na periferia (sem teatro, sem cinema, sem parques, etc.), nem mesmo os campinhos de futebol resistiram ao aumento da especulação imobiliária.

O sistema reservou para essa juventude, os lugares mais distantes, sem infraestrutura, sem escola e sem hospitais públicos. Só que para irem ao trabalho, em ônibus superlotados precisam atravessar a cidade.

A periferia ficou pequena para as inquietações da juventude. Ir ao shopping foi a forma encontrada de ocupar outros espaços e de ampliar o convívio social. Mas, a sociedade capitalista jogou na cara todas essas diferenças. Barrou o acesso. A democracia burguesa, nesse simples ato ou direito de “ir e vir”, diz: “aqui não é seu lugar”.

Com tudo isso, a burguesia sabe bem o perigo que é a retomada dos movimentos de junho. Os governos rapidamente passaram a visualizar esses passeios como algo normal. Os editoriais dos grandes jornais (porta-vozes da grande burguesia) também passaram a tratá-los dentro da normalidade e a fazer a tradicional diferenciação entre os “rolezeiros” e “vândalos” para evitar confrontos e não despertar uma revolta maior que se perdesse o controle.

Esses passeios poderão se transformar em um movimento político quando a juventude descobrir que os problemas não se explicam por estar na periferia e por usar roupas marca, mas por vivermos numa sociedade excludente e exploradora, que precisa ter a sua disposição mão de obra abundante e desqualificada tecnicamente para explorar ainda mais.

QUAL É A ESSÊNCIA? O QUE ESTÁ POR TRÁS DESSES ROLEZINHOS?

Uma coisa é certa, os rolezinhos não são apenas passeios, expressam o desconforto da juventude com a sua situação econômica e também social. Mas, também é certo que esse elemento de revolta ainda não se desenvolveu a ponto de unir os jovens em um movimento para transformar essa realidade desigual. Ainda aparecem sob a forma de passeio, embora o conteúdo represente uma contestação às contradições desse sistema. Em uma linguagem dialética, forma e conteúdo ainda estão em contradição.

Nós, trabalhadores, sabemos bem como é o cotidiano na periferia. Muitas vezes a vida aparece sem sentido. Busca-se sentido em coisas, roupas, tráfico ou igreja (há muitas delas na periferia). Pode ser em São Paulo ou qualquer outra cidade do país, os problemas são os mesmos.

A periferia tem sido transformada em gueto, que o desenvolvimento do capitalismo no Brasil reserva aos pobres. De um lado tem a pressão do Estado (polícia) e de outro tem o tráfico. Ambos alienam e impõem as mesmas regras que todos os dias sobre os moradores.
As igrejas prometem salvação e felicidade, mas retiram da juventude a crença na solução dos problemas através da luta contra a desigualdade terrena, enquanto isso a cúpula acumula grandes somas de capital.

É difícil prever o desenvolvimento político-social desses rolezinhos. Mas, uma coisa é certa: a burguesia já percebeu a potencialidade contestatória da juventude com essas ações. Por isso, os governos estão fazendo de tudo para neutralizá-los e mantê-los apenas como lazer e diversão.

Outra coisa é se vão conseguir, pois os limites da atual política econômica são muito grandes. Os gastos com a Copa, com a Olimpíada, quase a metade do orçamento federal sugado para o pagamento da dívida (com um dos juros mais altos do planeta), as medidas de apoio às grandes empresas e a corrupção impedem que possam adotar de fato medidas que atendam as necessidades da juventude.

O CARÁTER FASCISTA E REACIONÁRIO DA POLÍCIA E DA JUSTIÇA BURGUESA

Algo que se repetiu nesse processo foi a postura do poder judiciário. Sim, do poder judiciário e não de um ou outro juiz. A postura dos donos dos shoppings foi flagrantemente ilegal, preconceituosa e racista. Chamar a polícia porque o espaço foi “invadido” por jovens da periferia (maioria negros) é, no mínimo, um desrespeito a própria Constituição Federal (burguesa), que diz sobre o direito de “ir e vir”.
Sabemos que as leis visam mesmo é controlar trabalhadores e pobres. A nossa liberdade na legalidade burguesa é só para escolher por quem vamos ser explorado.

A burguesia e o judiciário negaram o acesso e reprimiram a juventude porque eram da periferia. Vários rolezinhos como esses já foram organizados por jovens da classe média e não foram proibidos nem pelos shoppings, nem pela polícia e, muito menos, pelo judiciário.
Mas, em um país onde, historicamente, a pobreza sempre foi tratada como caso de polícia, ser pobre tem sido sinônimo de pessoa perigosa. Ser pobre e ser preto, então, tem sido sinônimo pessoa criminosa. Não é por acaso que a maioria dos mortos pela polícia é da periferia, onde concentra a maioria de negros e brancos pobres.

MAIS UMA VEZ, A CRISE DE ALTERNATIVAS SOCIALISTAS

Não caracterizarmos ainda os rolezinhos como movimento político não nos leva a sermos contra essas ações. O direito de ir e vir é uma bandeira democrática fundamental. O Estado tentar impor limites e mostra o quanto a democracia burguesa é falsa. Há “liberdade” desde que não seja utilizada para questionar o sistema e seus símbolos.

No entanto, consideramos que esse processo apresenta, mais uma vez, com toda a atualidade a necessidade de superarmos a crise da alternativa socialista que marca a situação política nacional e internacional.

O fato dos trabalhadores em geral e a juventude em particular não acreditarem na possibilidade e não lutarem pela construção de um mundo sem exploração e sem propriedade privada, que acabe com toda essa desigualdade, impossibilita a real transformação e o livre desenvolvimento humano.

Por isso é fundamental que a juventude faça a experiência com essas formas de sociabilidade que o capitalismo oferece – que têm em comum o fato de manter todos e todas na mesma miséria intelectual e material – e que se torne consciente da necessidade de outro tipo de sociedade.

NO PAÍS DA IMPUNIDADE, QUEM PUNE NÃO É PUNIDO

“Aqui estou, mais um dia.
Sob o olhar sanguinário do vigia.
Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de
uma HK” (Racionais)

Tal afirmação é tão meia verdade, quanto é meia mentira. A capacidade de o Estado brasileiro punir depende de quais crimes se pratica e de, principalmente, quem os pratica. Os recentes vídeos de detentos decapitados na penitenciária do Maranhão expuseram mais uma ferida nacional e até mesmo a dúvida da capacidade da elite branca garantir a segurança de quem quer gastar durante a Copa da FIFA.

ALGUNS POUCOS NÚMEROS PARA TERMOS IDEIA DA REALIDADE

Pedrinhas no Maranhão é uma pequena amostra da situação dos presídios brasileiros. Superlotação, menores presos com criminosos de maior periculosidade, mulheres em cela com homens, quem já cumpriu pena e continua preso, insalubridade, propagação de doenças, etc.

Está na Constituição que a dignidade da pessoa humana deve ser tratada como princípio. A teoria é linda, mas a realidade é cruel! Segundo o Ministério da Justiça o sistema carcerário possui presos que superam em mais de 40% a sua capacidade. Em 2012 eram quase 550 mil, dos quais 7% são mulheres, 55% têm entre 18 e 29 anos; 5,6% analfabetos; 13% apenas alfabetizados e 46% têm o ensino fundamental incompleto.

O caos nas prisões é generalizado. Se olharmos de perto a noção do inferno aumenta. Se o Massacre do Carandiru chocou o mundo pela morte de 111 condenados, só em 2013 ocorreram 268 homicídios dentro das penitenciárias. Entre 1990 e 2012, a quantidade de encarcerados cresceu 511% enquanto a população brasileira aumentou 31%. São 40% de presos provisórios, não sentenciados e aguardando julgamentos. Muitos quando receberem a sentença já deveriam estar soltos.

A Anistia Internacional já qualificou as prisões brasileiras como “masmorra, com condições de animais. São depósitos de seres humanos em péssimas condições. Há uma situação generalizada de superlotação, de péssimas condições de saúde, de higiene”.
O tamanho do caos é atestado até pelo próprio ministro da justiça que declarou que as prisões no país são medievais e que preferia morrer a cumprir pena de muitos anos nessas cadeias.

Não é problema de um governo ou de um partido. Com PT, PSDB ou PMDB, os absurdos são os mesmos. Maranhão é do PMDB, mas no Pará, em 2007, quando uma adolescente foi presa na mesma cela com mais de 20 homens, estuprada e torturada várias vezes, o governo era Ana Júlia do PT. Nas prisões paulistas, sob o governo do PSDB, são tantos outros casos de barbárie no sistema prisional.

CRIME E POBREZA

Na sociedade capitalista o ter, a aparência visual e o “subir na vida” são sinônimos de vencer. Vencer na vida não importando como, mas essa é a cobrança.

Uma sociedade em que, de um lado, poucas pessoas, vivem daquilo que apropriam do trabalho alheio, no ócio, esbanjando riqueza e criando padrão de consumo. E de outro uma imensa maioria, vivendo da venda de sua força de trabalho que sequer tem o necessário para a sua sobrevivência. Destes, apenas alguns, se endividando e alimentando a especulação financeira, conseguem mostrar que “venceram na vida”, adquirindo bens que se assemelham aos dos burgueses. Mas são exceção.

Outros tantos crimes também podem ser explicados na ideologia burguesa. A educação social a que todos são submetidos diz que é “normal” ter exploração; que a mulher é inferior ao homem; que o branco é superior ao preto; que pessoas do mesmo sexo não podem se amar, etc. Enfim, é essa forma de pensar que leva a que muitos homens achem que podem violentar as mulheres, que acham normal ser racista e assim por diante. É o sentido das palavras e como disse Marx: as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante.

Por isso que o crime contra o patrimônio, de certa forma, é uma resistência à exploração burguesa e aos que vivem à custa do trabalho alheio. Mas, é uma saída individual e incapaz de enfrentar de fato o problema, pois o Estado também já desenvolveu toda uma técnica repressiva para coibir esse tipo de resistência.

Essa concepção de que o crime tem origem social não é para legitimá-lo. Há muito o marxismo já superou a ideia de que o crime possa ser uma forma eficaz de resistência à exploração capitalista. A saída é a organização da classe trabalhadora.

CADEIA DE POBRE E CADEIA DE RICO

Como a sociedade burguesa foi se complexificando o crime também foi. Hoje, grandes empresas e bancos fazem parte de esquemas bilionários de lavagem de dinheiro (oriundo do tráfico de drogas e órgãos humanos), desvio de verbas públicas e tantas outras formas ilegais. Esses crimes não são combatidos porque é um espaço importante de reprodução do capital.

Os raros casos em que políticos e burgueses precisam cumprir pena servem para ilustrar como ser pobre ou rico também faz diferença na cadeia. Os mesmos jornais que estamparam as cenas de barbárie em Pedrinhas no Maranhão, também estamparam os privilégios dos presos do mensalão. Banho de sol exclusivo, cela confortável, direito de trabalhar fora, visitas diárias. Para se ver que a questão é de classe basta comparar os valores envolvidos nos crimes. Os que vivem em piores condições na cadeia estão envolvidos em crimes com valores bem menores dos que praticados pelos mensaleiros.

PAZ ENTRE NÓS, GUERRA AOS SENHORES!

O nosso cotidiano está repleto de políticos e empresários acusados de corrupção (Metrô, fiscais do ISS, etc.) que nunca são presos. E as cadeias estão cheias de gente pobre.

Não bastasse a violência do Estado, o ideal de consumo cada vez mais irresponsável e inalcançável combinado com o trabalho precarizado e mal pago de milhões de brasileiros empurram o povo pobre para guerra contra si mesmo. Em 2012, 50.108 pessoas foram assassinadas, colocando o país como o 7º mais violento do mundo. Muitos dos pobres encarcerados estão envolvidos com crimes relacionados ao patrimônio, sempre seduzidos pela ideologia burguesa, pelo sonho de consumo e ostentação promovido pela elite branca do país.

QUAL A SAÍDA?

Como se vê quem está na cadeia são os pobres e em condições degradantes. Maranhão expôs uma ferida que existe em centenas de outros presídios brasileiros. É fato, em uma sociedade incapaz de respeitar minimamente a dignidade humana provoca-se a doença, mas não tem cura para ela.

Esse sistema prisional não ressocializa ninguém, o único objetivo de ele existir é preservar a propriedade privada. Serve como uma ameaça cotidiana aos que se levantam contra essa sociedade. Não interessa a um Estado burguês o fim do sistema penal e é por isso que ele mesmo alimenta a criminalidade. Enquanto há criminalidade há como justificar a repressão e o encarceramento.

Não tem como o direito burguês e suas leis serem humanistas. Existe para levar ao mundo jurídico – em forma de leis – as relações que garantem a ordem social burguesa e consequentemente a propriedade privada. Através do direito burguês a apropriação do excedente do trabalho (mais valia) pela burguesia ganha forma jurídica.

Somente na luta pela construção de outra sociedade poderemos construir também uma outra moral. Direitos sociais para todos e todas, uma nova forma de sociabilidade e uma vida cheia de sentidos produzirá uma nova humanidade que poderá pôr fim à delinquência comum e iniciará com ela novas formas de convivência, implicando a redução drástica na criminalidade.

BALANÇO PROVISÓRIO DA REVOLTA POPULAR DE ATALAIA(AL)

Escrito pelos: Palmarinos

Os dias 6 e 9 de janeiro de 2014 entraram para história de Atalaia como início da inédita revolta popular. Diversas condições possibilitaram essa revolta e aqui alguns elementos.

SITUAÇÃO ECONÔMICA

 

Atalaia é uma cidade do interior alagoano. Seguindo a tendência no estado, não possui uma autonomia, enquanto município frente às verbas públicas. Ou seja, sua dinâmica econômica está determinada majoritariamente pela arrecadação das verbas federais.

Majoritariamente, mas não única, pois existem outros pólos que dinamizam a sua economia como a produção da agricultura familiar ligada principalmente ao MST, as zonas de comércio existentes na cidade, as rendas das famílias dos/as trabalhadores/as da Usina Uruba (Grupo João Lyra), etc.

Contudo, por diversos fatores que vão desde a “queda progressiva do faturamento e das taxas de lucro”, “marcada pela diminuição da quantidade de cana cortada, de área plantada e de produção de açúcar e álcool,” e a convergência entre uma crise conjuntural e a crise internacional que agrava as exportações de açúcar , o setor sucroalcooleiro instalado na cidade, que sempre apareceu como um dos pólos de grande força na economia de Atalaia passa por um processo de falência que vem se arrastando desde 2012.

Por ser uma cidade com sustentação econômica na estrutura estatal e na indústria sucroalcooleira, Atalaia revela um segredo conhecido por todos seus habitantes: se a Usina entra em crise, a cidade passa por crise; se a prefeitura está em “crise”, a cidade entra em crise. Mas, quando a Usina não está em crise, mesmo assim os trabalhadores sempre saem perdendo.

O importante aqui é observar que diante da grave crise vivida por um dos pólos de sustentação econômica da cidade, o outro, a prefeitura, assume um papel predominante, tornando-se nos últimos anos o pólo de maior importância para a vida econômica da cidade.

MANDOS E DESMANDOS DA CLASSE DOMINANTE

 

2013 será lembrado pela população de Atalaia, não por conquistas para o povo trabalhador e sua juventude, mas pelos mandos e desmandos dos distintos poderes que compõem o Estado. Ficou mais evidente a forma como a classe dominante atalaiense se alimenta: utilizando em proveito pessoal as verbas públicas destinadas aos diversos serviços sociais. Numa cidade de 44 mil habitantes apenas uma ambulância funciona no hospital. Os postos de saúde estão sem médicos e remédios – quando não se encontram fechados e jogados aos ratos. A Educação está ainda mais precária. Há dois anos os 200 dias letivos obrigatórios não são respeitados, prejudicando a formação de milhares de crianças e adolescentes. Os povoados estão abandonados e às escuras. A violência explode em todos os cantos de Atalaia e o sentimento de insegurança e medo toma conta de todos. Os salários dos funcionários (efetivos ou contratados) das diversas categorias (Educação, Saúde, administração, etc.) estão atrasados. Há casos em que chegam a 6 meses de atraso. Aposentados passam fome e chegam a pedir esmolas!

Mas quais são as respostas dadas, pela tão aclamada Justiça, para tantos problemas? Por um lado, a conivência e o silêncio para com as atitudes das autoridades municipais que compõem a prefeitura e a câmara de vereadores da cidade; por outro, a repressão e a perseguição para com os que lutam.

SÓ A LUTA FAZ ACONTECER

 

Atalaia possui um passado que marca a própria luta de classes de nosso país e da América. Ela é fruto do confronto entre o assassino e espoliador Domingos Jorge Velho (bandeirante paulista) e os quilombolas de Palmares. Após o massacre sobre os negros e negras livres do Quilombo, o bandeirante recebeu como prêmio, pela “nobre ação”, as terras que hoje conformam Atalaia.

Por mais que sua bandeira traga a imagem da conciliação, como se sua edificação tivesse ocorrido sobre um acordo entre os negros e os seus algozes – tentativa barata de negar um passado bem vivo – Atalaia guarda em sua memória a história da resistência e da luta por emancipação.

Memória que permanece viva na luta e nos atos dos trabalhadores rurais que sofrem com a violência da aristocracia agrária: em 1995 foi executado Chico do Sindicato (Sindicalista). Em 2000, José Elenilson. E em 2005, foi a vez de Jaelson Melquíades, da Direção Estadual do MST, ser assassinado. Além das inúmeras tentativas de assassinatos contra lideranças Sem Terra.

Situamos a Revolta Popular de janeiro, como desdobramento da situação econômica da cidade. E essa luta não teve nada de espontâneo. Para sua efetivação muito contribuiu a experiência do MST – forjada por duas décadas de luta nesta cidade. Assim como a experiência que o Sindicato dos Educadores de Atalaia (SEATA) veio construindo e adquirindo ao longo de 2013 com bloqueios de estradas, ocupação de espaços públicos, marcha na cidade com bandeiras e diálogo com a população por meio de carro-de-som, etc.

Frente aos mandos e desmandos das elites locais que estão há décadas na prefeitura – cuja política de austeridade e de opressão sobre o povo trabalhador aumentou draconianamente no ano de 2013 – é que surge a possibilidade da conformação de uma unidade entre o campo e a cidade. Uma unidade que vai além da luta reivindicativa de cada movimento ou categoria e que questiona o projeto político-econômico da classe dominante de Atalaia. Uma unidade que tem como consigna que só a luta faz acontecer.

UMA NOVA FORÇA: PARTICIPAR É MAIS QUE VOTAR

 

Em Atalaia as coisas seguem a regra do que acontece em Alagoas, que está entre os campeões de violência, de pobreza, de pior Educação e Saúde, etc. Diante de um cenário caótico enfrentado cotidianamente pelo povo trabalhador e sua juventude, o poder público não aponta para nenhuma solução e suas respostas sempre são em benefícios dos de cima, da classe dominante do estado.

Ora, se a resposta do Estado é a negação constante dos direitos do povo trabalhador, se suas ações evidenciam seu verdadeiro caráter – de órgão de manutenção e de reprodução das desigualdades – então, não nos cabe esperar por milagres!

A partir da unidade entre o MST e o SEATA e outros trabalhadores do funcionalismo público e da juventude atalaiense nasceu o Comitê Popular em Defesa de Atalaia.

Num cenário político marcado pela disputa interna entre os próprios setores da classe dominante da cidade, o Comitê Popular surge como uma força que deixa claro: o povo trabalhador, unido e organizado, e com sua juventude, não deixará que as coisas continuem como vinham sendo realizadas.

Revolta popular, bloqueio de rua combinado com a ocupação da prefeitura e da câmara de vereadores tiveram grande apoio da população.

Por meio de uma metodologia que inova em sua ação, o Comitê foi às ruas, de casa em casa, de bairro em bairro, chamando a população a ir lutar por seus direitos e dizer “basta!” à política (de opressão e de exploração) imposta ao povo pobre e trabalhador. Convidando toda a população a pensar as soluções de forma conjunta e diferente dos dominantes.

Isso deixou claro que participar é mais que votar. Foi realizada uma assembleia popular na câmara municipal da cidade, ocupando e recriando um espaço habitado por vereadores/as que não servem aos interesses do povo trabalhador. O diálogo e a democracia direta foram as ferramentas que deram a tônica na construção dos passos de toda a luta travada.

Os ensinamentos são muitos e muito ainda temos que aprender. Mas algo fica claro para os homens e mulheres que participaram e construíram a revolta popular: a construção de soluções para os problemas estruturais que perpassam nossa vida só poderão ser obra dos próprios trabalhadores e de sua juventude criando e recriando, a partir de cada situação concreta – numa articulação que atravesse o todo de nossa sociedade – uma alternativa de poder: popular e socialista.

SINDICALISMO OSTENTAÇÃO, AUTORITARISMO E DEFESA DO GOVERNO FEDERAL NO CONGRESSO DA CNTE

Núcleos de professores

O 32º Congresso Nacional da CNTE foi marcado por uma atmosfera de espetáculo, acrescida de ampla apologia ao governo Federal e com a participação de representantes do Ministério da Educação.

Já na abertura, houve polêmica, pois os delegados do Sindicato do Amapá (Oposição) foram impedidos de se credenciar, devido a uma dívida de 47 meses com a CNTE. O presidente Roberto Leão (Art-Sind) chegou a ordenar a retirada dos manifestantes pelos seguranças, mas frente às palavras de ordem e pressão, teve que encaminhar os recursos. Em que pese a exposição de companheir@s (explicando que a dívida vinha de lutas e greves, que a direção da CNTE não quis negociá-la, e que a mesma se iniciou na gestão da Art-Sind), o setor majoritário venceu a votação, mantendo a não-participação dos delegados do Amapá. Provavelmente este foi o melhor momento do Congresso em termos de luta e contraposição ao setor governista.

O Congresso privilegiou painéis temáticos em detrimento do debate, houve segregação entre delegad@s, suplentes e convidados na Plenária, com cercos específicos para cada um, controlados por seguranças; pouco espaço para setores minoritários e professores de base; esvaziamento dos Grupos de Trabalho não deliberativos, que eram apenas para discussão…

Com o predomínio do setor governista nos debates e votações, prevaleceu a avaliação positiva das gestões petistas, de que as coisas vão bem no país.

Quaisquer críticas ao governo do PT feitas pela Oposição, eram taxadas pelo setor governista como se fossem uma defesa da direita (PSDB…). Isso se expressou em todo Congresso.

Cabe ressaltar o distanciamento deste fórum nacional (CNTE), da realidade concreta dos professores, dos problemas da Educação Pública e do encaminhamento das lutas dos professores. Foi evidente a ostentação presente na estrutura do Congresso (voos e diárias desperdiçados, hotéis e centro de conferência de luxo), montada com dinheiro dos professores sindicalizados de todo país, e que serve de cooptação dos “delegados” menos politizados e mais oportunistas, afeitos a favorecimentos de toda ordem, cargos e privilégios burocráticos.

Em termos de mobilização e luta, o setor governista se limitou a chamar um Ato Nacional pela aplicação da Lei do Piso, e a já recorrente Greve Nacional da CNTE (17, 18 e 19 de março), demonstrando que no contexto de Copa e Eleições, fará de tudo para conter e minar as lutas e movimentos que tendem a ocorrer este ano.

O setor antigovernista apareceu como contraposição minoritária – como na fala do Zé Maria (PSTU) no 1º Painel Temático, nas falas e resoluções dos setores de Oposição nos Grupos e Plenárias -, que expuseram inúmeros problemas nestes anos de gestão petista. No marco dos movimentos iniciados em junho passado, da Copa e das Eleições, com tendência a novas mobilizações, os setores de Oposição defenderam Greve Nacional por Tempo Indeterminado.

Como dado positivo, vimos a participação de um setor mais jovem e menos fechado com correntes e partidos, e várias palavras de ordem, durante todo Congresso, provenientes dos movimentos de Junho, como em contraposição a Copa, por Saúde e Educação…

ELEIÇÕES: MAIS UMA VEZ, PROBLEMAS NA OPOSIÇÃO

 

Em que pese a crítica ao governismo apontada pelos setores de Oposição, isso não ocorreu isento de problemas. Além da fragmentação das Oposições com resoluções distintas (PSOL/PSTU, POR, PCO), a principal política de intervenção no Congresso, encabeçada pelo PSTU, levando consigo setores do PSOL (Na Escola e Na Luta, TLS, FOS), foi uma resolução conjunta (para a qual setores minoritários não foram consultados) assinada com o setor Cutista denominado CUT Pode Mais. Não bastasse isso, o PSTU/MTS propôs que a CUT Pode Mais não apenas compusesse, mas que encabeçasse (!) a chapa para a direção da CNTE, na figura da delegada Rejane (CEPERS-RS).
Isso gerou insatisfação em vários setores da CSP-Conlutas, como Conspiração Socialista, Construção Socialista, CEDS, MEOB, Independentes, Renovar Pela Luta. Nós do Renovar Pela Luta (corrente formada por Espaço Socialista e independentes) nos colocamos contra essa composição. Setores da CSP-Conlutas, como MEOB e Construção Socialista se colocaram contrários ao encabeçamento, mas a favor da composição de chapa com a CUT Pode Mais. A Conspiração Socialista, Independentes de Luta e CEDS, também contrários ao encabeçamento, não à composição, se abstiveram das reuniões de discussão de chapa. O Renovar Pela Luta declarou abstenção e se retirou da Plenária da CSP, mas foi impedido pelo PSTU de expressar sua posição em Plenária do Bloco de Oposição, sob alegação de que não iria compor chapa.

Essa postura do PSTU, deixou bem claro de que a relação política deste com a CUT Pode Mais vai muito além do que imaginávamos, pois trata-se de uma unidade permanente a qualquer preço, que tem levado esse partido a rebaixar suas práticas, sua política, seu discurso e seu programa.

No interior da CSP-Conlutas, já vínhamos percebendo essas significativas mudanças do PSTU, o que nos levou a construir o Bloco Classista Anticapitalista e Base em oposição ao setor majoritário encabeçado pelo PSTU.

Assim, na eleição para a Executiva Nacional da CNTE, tivemos duas chapas encabeçadas por setores Cutistas, ou seja, CUT versus CUT: 1) Majoritária (Art-Sind, CTB, O Trabalho…); 2) Oposição, encabeçada pela CUT Pode Mais, composta por setores da CSP-Conlutas e do PSOL.

Com isso, a CSP-Conlutas abriu mão de se apresentar como alternativa independente da direção da CNTE, da CUT e do governismo.
O pior é que essa política não atraiu votos da ArtSind/CTB e ainda dividiu a Oposição. 83% dos votos foram para a chapa majoritária, enquanto 17% ficaram distribuídos entre a Chapa da Oposição, nulos e brancos. No critério de proporcionalidade, o mínimo para fazer parte da composição da Executiva Nacional são 20% dos votos.

A política do PSTU, seguida pelo PSOL e MEOB beneficiou o setor Cutista (que saiu nas duas chapas e desmoralizou sua oposição interna e externa) provocando maior fragmentação na esquerda, sobretudo pelo método autoritário do PSTU e outros, de privilegiar acordos por cúpula e impor sua política aos demais setores, de modo intransigente e sem discussão.

NECESSIDADE DE UMA ALTERNATIVA EFETIVAMENTE SOCIALISTA DOS TRABALHADORES

 

Nós, do Espaço Socialista, consideramos que o principal desafio da esquerda atual, no contexto da crise estrutural do capitalismo – que só se mantém hoje às custas do desvio do dinheiro público e precarização da vida dos trabalhadores e da sociedade, respaldada pelos governos inclusive petistas –, consiste em superar qualquer ilusão no governismo e construir uma alternativa independente de governos e patrões, num sentido efetivamente socialista.

Evidente que a não-unidade da esquerda não nos agrada. Mas a construção de uma alternativa de fato se dá prioritariamente na base, mas escolas, nas lutas, no movimento, nos quais estaremos sempre juntos. Portanto, defendemos a unidade da esquerda antigovernista e anticapitalista para além das eleições e congressos.

A composição e encabeçamento de chapa com a CUT Pode Mais, implementada pelo PSTU e consentida por PSOL e outros setores, confunde os trabalhadores, promove ilusões, capitula e se submete a um setor vinculado ao cutismo e portanto ao governismo. Se a CUT Pode Mais pretende se contrapor de fato ao governismo, que seja coerente e rompa com a CUT, integrando o campo antigovernista.

O Congresso evidencia a necessidade de fortalecermos o trabalho de base, nas escolas, nas lutas, no movimento, para construirmos, de modo concreto e viável, uma alternativa real e respaldada pelos professores, trabalhadores, população, na contramão da realidade desestimulante dos fóruns e organizações sindicais e políticas atuais.

A luta pela construção de uma nova concepção de movimento estudantil

POR QUE NOS ORGANIZAMOS?

Compreender onde estamos, o que nos move e para onde vamos são questões importantes para aclarar nossos passos. Precisamos pensar sobre as contradições que se tornam frequentes no cotidiano da universidade e dificultam de diversas maneiras a permanência qualificada do/da estudante no seu local de estudo.

Lidamos com muitos problemas no ambiente universitário: espaço que reproduz o pensamento e a ciência burguesa, formação quase que totalmente voltada para formar força de trabalho para ser explorada e não para o desenvolvimento humano, isto é, a produção social do conhecimento aparece sob controle da burguesia.


Como se não bastassem esses problemas, ainda temos que lidar com a precariedade laboratorial; a ausência de salas, blocos e residências; restaurantes universitários insuficientes para comportar, que exemplificam alguns dos problemas na estrutura física.
Pensar sobre tudo isso é fundamental para buscarmos transformar essa realidade em base a dois elementos: a luta para colocar o conhecimento a serviço da humanidade aliada à luta pela resolução dos problemas imediatos. Assim, as demandas concretas indicam a maneira como conduziremos nossas ações. E em movimento encontramos nossos limites, poderemos apontar nossas perspectivas de luta na resolução das pautas imediatas e, o mais importante, teremos clareza da essência dos problemas, com uma perspectiva crítica e radical (no sentido de ir à raiz).


Logo, ter o entendimento de que a luta da juventude no Movimento Estudantil não pode se limitar às questões individuais e imediatas nos orienta para a luta mais geral, pois a luta por uma Educação pública e gratuita está imbricada aos interesses da luta da classe trabalhadora. É também primordial para pensarmos a construção de uma nova concepção de movimento estudantil.

O MOVIMENTO ESTUDANTIL FRENTE AOS ATAQUES NA EDUCAÇÃO

 

Vejamos que, os ataques à Educação – nosso lócus de atuação no movimento – são constantes e todos vivenciam a precarização, ou seja, os estudantes, professores e técnicos são as maiores vítimas. Estamos inseridos numa sociedade em que se cruzam problemas econômicos, sociais e políticos. O que acontece no interior da universidade é extensão das medidas dos governos.

Os ataques ao ensino superior estão ligados aos reflexos de crises que se intensificam e são inerentes à própria estrutura do capitalismo, que busca formas de adiar seu fracasso definitivo. É nesse aspecto que a burguesia tenta fazer com que a juventude e a classe trabalhadora arquem com as crises.

No Brasil, a resposta para tais crises foi a adoção do neoliberalismo como modelo econômico no início dos anos 90 – que se assinala pela privatização de várias empresas e agora para setores públicos, como saúde e educação, como é o caso do ESERBH.

Isso coloca para nós a necessidade constante de fazermos a ligação entre lutas imediatas, lutas gerais e estratégicas.

A Reforma Universitária e o REUNI, nos 1º e 2º mandatos de Lula, são exemplos do caráter privatista que evidenciam o desmonte do ensino, ou seja, cortes de verbas contínuos, abertura escancarada para iniciativa privada, expansão sem qualificação, etc. o REUNI é parte dessa política mais geral do capital. Essa é só uma das razões que justificam a necessidade da organização dos/das estudantes para combater os projetos privatistas de ensino.

Desde o REUNI esses problemas só agravaram. A maioria das universidades está em condições piores. Trabalho precarizado para os professores e funcionários. Na maioria dos cursos e na maioria das universidades a infraestrutura e a qualidade estão cada vez pior.

SERÁ QUE JÁ TEMOS O “NOVO”?

 

O Movimento Estudantil desenvolveu várias lutas, mas não conseguiu construir uma alternativa. A falência da UNE, que praticamente se transformou em assessoria do Ministério da Educação; a ausência de fato de uma prática diferente por parte da ANEL e das demais correntes de esquerda ainda colocam como tarefa a construção de uma nova concepção de Movimento Estudantil, que está muito além de construir uma nova entidade.

O amadurecimento do Movimento Estudantil por fora da UNE, como as ocupações de reitorias em 2009, trouxe à realidade o debate de reorganização e a possibilidade de se discutir e encaminhar novas lutas. No entanto, o Congresso de 2009, que deveria ser um momento decisivo de avanço na luta, na consolidação e acúmulo sobre a necessidade cotidiana de reorganizar os estudantes criou de forma equivocada a Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre (ANEL), preocupada apenas com a construção de uma nova entidade que fosse articulada pelo PSTU. O fato de o debate não ter sido amadurecido nas universidades tem como resultado a repetição de alguns dos mesmos vícios (como o do aparelhamento da entidade pelo PSTU) da UNE, aparelhada pelo PC do B.

E os problemas não se limitam ao fato de a ANEL não responder às necessidades dos estudantes. Também não tem conseguido atender as pautas dos estudantes desde 2009. Além disso, o aparelhamento faz com que seja o PSTU que decida de fato a política da entidade. Em muitas regionais a anel só existe formalmente. A ANEL foi criada sem aprovação e sem refletir os anseios de base dos estudantes. Podemos dizer, então, que a anel nos representa de fato? Definitivamente, não nos representa. UNE ou ANEL pode nos representar? A questão não é essa.

A UNE já deixou claro que representa o governo. A ANEL está longe de ser o resultado final da reorganização. Portanto, reestruturarmos, nós mesmos, nos Centros e Diretórios Acadêmicos, nas executivas de curso a ação de unidade dessas lutas pode de fato impulsionar e inovar na construção de uma consciência classista entre os estudantes e no movimento.

Construir algo novo é um desafio dos setores que não se encontram nessas entidades e que continuam em movimento. As manifestações de junho em 2013 nos mostraram, mais uma vez, a necessidade da reorganização. A juventude foi às ruas, mas as entidades estudantis nacionais que dizem nos representar não conseguiram, sequer, organizar os estudantes quanto mais unir as nossas lutas.

ELEMENTOS PARA PENSAR O NOVO

 

Na história, o ascenso das lutas dos estudantes se deu expondo à sociedade os problemas cotidianos vivenciados na universidade. Novamente, exercem importante papel as entidades de base que mostram aos estudantes a necessidade de lutar e a gênese da precarização do ensino. Um movimento estudantil que representa os anseios dos estudantes é o estopim para mobilização e para a luta. Por tudo isso é importante:

– A ARTICULAÇÃO ENTRE LUTA IMEDIATA E ESTRATÉGICA: a luta por mais verbas, diretas para reitor, etc. são fundamentais, mas por si só não mudam a universidade. Precisamos criticar a própria universidade em seu caráter de classe. Precisamos que o novo movimento estudantil tenha como estratégia a luta no interior da universidade para inverter a lógica de seu próprio funcionamento, de maneira que passe a produzir conhecimento para a sociedade em geral e não para as corporações. Dessa forma os interesses históricos da classe trabalhadora se farão presentes;

– LUTA CONTRA A BUROCRATIZAÇÃO: a burocratização se expressa de diversas formas no Movimento Estudantil. A principal expressão é no funcionamento superestrutural e na relação vertical das entidades com o movimento. É fundamental que o funcionamento cotidiano das entidades de base tenha como referência a participação dos estudantes na condução das mesmas. Isso não quer dizer deslegitimar os representantes eleitos, pelo contrário, significa que estes devam estar sustentados por um trabalho de base;

– TRABALHO DE BASE: não podemos falar em entidade de base se de fato não for reconhecida pelos estudantes. Isso significa organizar lutas de cursos, lutas específicas, criar instrumentos para que os estudantes se organizem por suas demandas, etc. A partir dessas lutas é possível que as lutas gerais da classe trabalhadora sejam incorporadas pelos estudantes e, não como acontece atualmente, seja coisa imposta, muitas vezes, sem a compreensão do significado;

– O MOVIMENTO ESTUDANTIL TEM LADO E POSIÇÃO POLÍTICA: consciente, o Movimento Estudantil pode tomar posições a favor dos trabalhadores trazendo para a universidade as lutas políticas da classe como a defesa dos serviços públicos, a luta pelas reformas agrária e urbana, o apoio às greves, etc. É a luta pelo desenvolvimento de uma consciência de classe no interior da universidade (requisito para romper com a universidade burguesa).

– CONVENÇÕES DE BASE: Normalmente as chapas que participam de processos eleitorais nos CAs, DCEs, etc. já chegam com um programa completo, construído nas reuniões de correntes. É possível e necessário praticar a democracia de classe organizando convenções de ativistas e de lutadores de esquerda para discutir o programa e a própria composição da chapa. Esta convenção pode ser precedida de reuniões por cursos e debates em salas de aula e fazer com que todo o processo seja construído pela base desde o início.

Esses são alguns elementos para reflexão. Só podemos falar em reorganizar o movimento estudantil se partirmos da base do movimento. Reorganização não é ter novas entidades com nomes diferentes, mas sim uma nova prática.

POR QUE NÃO ESTAMOS NA ANEL

 

Reconhecemos que a ANEL faz parte do processo de negação da forma anterior de atuação do movimento estudantil, mas que não rompeu de fato com uma velha prática de utilização do movimento estudantil. Vide exemplos das mobilizações de junho em que buscava falar em nome do movimento ou se sobrepor sem ao menos participar de reuniões preparatórias.

As lutas travadas por essa entidade têm tido apenas cunho propagandístico de bandeiras do PSTU e pouco críticas para interferir na realidade. Até esse momento, não foi capaz de se apresentar ao movimento estudantil como uma alternativa real às necessidades cotidianas dos estudantes e insiste no rebaixamento dos debates políticos. Também reproduz as velhas práticas de tiragem de delegados sem a discussão programática; de acordos políticos entre “direções” sem consultar a base dos estudantes; de distanciamento do cotidiano das universidades e de condução bastante burocrática nas entidades.

Enfim, a ANEL, não passou na prova de se constituir como o “novo” de fato. Por essas considerações, o Espaço Socialista não constrói a ANEL. Isso não quer dizer que não possamos ter atuação conjunta no movimento, pois acreditamos que as necessidades do movimento estão acima das disputas entre as correntes.

O QUE QUEREMOS

Acreditamos na necessidade de que todo esse debate deva continuar. Fazemos todos os esforços por uma nova prática no Movimento Estudantil. E aquelxs que queiram lutar para que a produção de conhecimento seja pelo desenvolvimento humano e para a transformação social, juntem-se! Juntemo-nos!

A NOVA CONSTITUIÇÃO E AS PERSPECTIVAS PARA A CRISE NO EGITO

 

Nos dias 14 e 15 de janeiro deste ano os egípcios foram às urnas num referendo sobre uma nova Constituição, em que o “sim” venceu, mas apenas 33% da população do país (85 milhões de pessoas no total) foi às urnas.

A baixa participação deve-se a um boicote empreendido pelos opositores do governo interino. Atualmente a presidência é ocupada pelo chefe da Suprema Corte Constitucional do Egito: Adly Mansour, que foi nomeado após a deposição de Mohammed Morsi em Julho de 2013. Porem, o poder, de fato, ainda está nas mãos dos militares.

O baixo comparecimento às urnas e o fato da Constituição ter sido elabora por um comitê de apenas 50 pessoas deixam dúvidas quanto a legitimidade do pleito. Além disso, todo o período de campanha foi marcado pela repressão à campanha do “não”, que foi praticamente impedida pelo exército. Nos dois dias de votação 9 manifestantes foram mortos pelas forças policiais.

A Irmandade Mulçumana, grupo religioso que defende o islamismo como base da prática política e da vida social como um todo, ainda não se conformou com o golpe que destituiu o seu representante, Mohammed Morsi, que fora eleito pelo voto popular. A organização repudia a Constituiçã aprovada e convoca o povo egípcio para uma nova onda de protestos. Segundo a Irmandade é necessário ir às ruas para dar continuidade à “revolução” iniciada a três anos atrás, quando o ditador Hosni Mubarak renunciou sob forte pressão popular. Tal revolução teria sido obstruída pelo golpe que alçou, novamente, os militares ao poder do Estado.

A Constituição votada neste mês desagrada a Irmandade basicamente por que os principais artigos pró-islã propostos pelo governo Morsi foram retirados. Mas, a carta aprovada por 33% da população do Egito também desagrada muitos outros setores da sociedade, por aumentar consideravelmente o poder dos militares, em pontos como: indicação do ministro da defesa por uma junta militar, criação de mecanismos que inviabilizam a fiscalização dos gastos militares e, possibilidade de, em alguns casos, civis serem julgados em cortes militares. Há outros pontos antidemocráticos: o presidente indicará 5% dos ocupantes do poder legislativo, além de uma brecha para que, “em momentos de crise” seja possível, de forma legal, dissolver o congresso. Os grupos que apoiam a Constituição são partidos seculares de viés liberal, parte do empresariado egípcio e, a imprensa privada.

Neste contexto, a nova Constituição representou uma tentativa do governo dos militares de legitimar seu poder, que prosseguirá com a convocação de eleições gerais, ainda para o primeiro semestre. O principal candidato que desponta é justamente Abdul Fatah Al-Sissi, general que comandou o golpe contra Morsi e a repressão aos opositores, sendo responsável, em Agosto de 2013, pela morte de mais de 1.000 pessoas em apenas cinco dias de manifestações! E é justamente este general que está por trás do governo interino e que já manifestou sua intenção de se candidatar.

Toda esta instabilidade política no Egito tem como pano de fundo uma grave crise econômica. O ponto de partida de todo este processo foi a queda de Mubarak do poder depois de trinta anos de uma cruel ditadura. A juventude, trabalhadores, funcionários públicos, e a população em geral saíram às ruas exigindo o fim daquele governo. Naquela conjuntura a situação de miséria, de desemprego e, de fome chegaram a níveis insustentáveis.

Em Janeiro de 2011, estando a economia ainda sob os efeitos da crise de 2008, o preço do trigo dobrou no mercado mundial. A principal alimentação do povo egípcio, um tipo de pão chamado aïcha, à base de trigo, se tornou quase inacessível. A ameaça da fome impulsionou enormes mobilizações contra um governo autoritário que não estava sensível às demandas da população. O Egito toma a frente dos levantes que ficariam conhecidos como “Primavera Árabe”.

Durante os anos em que Mubarak esteve no poder os militares sempre representaram uma elite econômica e política. E com a saída do ditador continuam a ocupar lugar de destaque. Em 2012 organizam uma eleição em que o candidato da Irmandade Mulçumana, Mohammed Morsi sai vencedor.

Mas, a situação econômica do Egito não melhora. Durante o governo Mursi, ocorre uma acentuada desvalorização da moeda, que tem como principal consequência a carestia dos produtos básicos e a diminuição da importação de trigo (o Egito importa mais de 10 milhões de toneladas de trigo ao ano). Um problema antigo no país também continuava sem solução: a escassez crônica de combustíveis.

Os indicadores sociais revelam um país a beira do caos. Quase metade da população egípcia vive abaixo ou bem perto da linha de pobreza (ou seja, com até US$ 2 por dia). Estas pessoas só conseguem sobreviver por causa dos vários bilhões em subsídios gastos pelo governo. São US$ 4 bilhões para os alimentos, especialmente o trigo e US$ 14 bilhões por ano em subsídios aos combustíveis. E mesmo com tudo isso o povo só sobrevive.

A crise mundial de 2008 atingiu praticamente todas as nações do mundo, inclusive os países centrais do capitalismo. Ao chegar na periferia do sistema ela tomou proporções dramáticas. Só recentemente o capital vem apresentando sinais de tímida melhora. Mas, somente entre os países mais desenvolvidos, os periféricos não estão encontrando saída para esta crise iniciada há pelo menos 5 anos! Isto pode ser uma evidência de que a forma social regida pelo capital está chegando ao seu limite. O sistema, como um todo, não está mais conseguindo retomar os níveis de crescimento de anos atrás. O novo ciclo já se inicia, então, de forma desigual e bastante volúvel. Hoje mais do que nunca estamos diante de uma situação em que, segundo Marx, a burguesia só consegue vencer uma crise cíclica preparando crises mais extensas e mais destruidoras e, ao mesmo tempo, diminuindo os meios de evitá-las e vencê-las quando emergirem.

No caso do Egito, o governo Morsi tentou amenizar os efeitos da crise se empenhando em buscar um acordo com o FMI para conseguir um empréstimo que poderia amenizar temporariamente o sofrimento dos egípcios. Como de costume, o órgão internacional exigiu que o presidente adotasse uma política de austeridade intransigente e eliminasse progressivamente os subsídios aos combustíveis e alimentos. O que o FMI estava propondo é que o governo simplesmente eliminasse a possibilidade de sobrevivência de quase metade da população do Egito! Postura absolutamente desumana, própria de uma instituição que serve para proteger os interesses do capital.
Com medo de tomar medidas extremamente impopulares em um período bem próximo às eleições parlamentares, Morsi adiou a implementação da política de austeridade, para não atrapalhar as candidaturas da Irmandade Mulçumana. Desagradou o FMI, não recebeu o empréstimo. Desagradou também a população por falhar em organizar a economia do país e melhorar a vida das pessoas, que então, voltam às ruas. O que, por fim, desagradou os militares e as elites locais. Para descontentamento geral some-se a tudo isso a patente inabilidade política da Irmandade, que no auge de toda conturbação ainda impõe uma Constituição que restringia direitos civis (especialmente das mulheres e dos sindicatos) e que reforçava o caráter religioso do Estado.

Mas, há, ainda, algo fundamental que contribuiu para a deposição de Morsi e é o alicerce do atual poder dos militares no Egito, os interesses do capital internacional. O capitalismo tem necessidade de estabilidade, sobretudo em uma região em que estão alguns dos maiores produtores de petróleo do mundo. Há um enorme receio de que o fornecimento de petróleo seja afetado pelas instabilidades regionais e isso venha colocar em risco a lenta e sofrível reabilitação da economia capitalista.

O Egito não é um grande produtor, mas o temor é que possa ocorrer uma interrupção do fornecimento de 3 milhões de barris de petróleo, que passam diariamente pelo oleoduto Suez-Mediterrâneo e pelo próprio canal de Suez.

Mas, diante de uma revolta popular, que tudo indica vai continuar, uma vez que não parece ser mais possível à economia egípcia superar o momento de crise dentro dos marcos do capital, e em face de uma violenta oposição por parte da Irmandade Mulçumana, e, ainda, na falta de um movimento socialista que pudesse dar direção aos protestos e propor reformas radicais na estrutura socioeconômica, hoje a única força que parece dar a estabilidade que o capitalismo precisa para o Egito é a ditadura militar. Assim, nossa avaliação é que infelizmente o país está caminhando novamente para uma ditadura militar tão opressora quanto àquela erigida por Hosni Mubarak nos anos 1980.