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Geografia, arte, educação e ideologia – Junho/2002


13 de outubro de 2013

Junho/2002

Este artigo foi publicado originalmente na edição nº 5 do Jornal do Espaço Socialista

Joacir (Professor da rede pública de São Paulo)

Em sua origem, o termo estética vem da palavra grega aisthetiké, que se refere a tudo aquilo que pode ser percebido pelos sentidos. Baseado nessa etimologia, Kant definiu a estética, como a ciência que trata das condições da percepção pelos sentidos.Foi, no entanto, o alemão Alexander Baumgarten (1714 – 1762 ) quem a utilizou pela primeira vez no sentido que ela tem, isto é, como teoria do belo e das suas manifestações através da arte.

Como teoria do belo, a estética pretende alcançar um tipo específico de conhecimento: aquele que é captado pelos sentidos. Por esse motivo, ela difere e se contrapõeà lógica e à matemática. Essas duas disciplinas partem da razão, e não dos sentidos, para estabelecer um conhecimento que é “claro e distinto”, conforme o ideal de saber proposto por Descartes.

A estética, por sua vez, parte da experiência sensorial, da sensação da percepção sensível, para chegar a um resultado que se poderia dizer “confuso” e “obscuro”, que não apresenta a mesma clareza e distinção lógico-racional. Seu principal objeto de investigação é a obra de arte.

Ocupando-se, também, da obra de arte encontramos a filosofia da arte, que procura investigar o desenvolvimento artístico em busca do “sentido” e da razão de ser da história da arte. Conforme assinala Ernst Fisher, “a razão de ser da arte nunca permanece inteiramente a mesma, A função da arte, numa sociedade em que a luta de classes se aguça, difere, em muitos aspectos, da função original da arte. No entanto, a despeito das situações sociais diferentes, há alguma coisa que nos possibilita – nós, que vivemos no século XX – o comovermo-nos com as pinturas pré-históricas das cavernas e com antiqüíssimas canções. Karl Marx descreveu a epopéia como a forma artística típica de uma sociedade ainda não desenvolvida; e, em seguida, acrescentou: Mas a dificuldade não está na idéia de que a arte e a epopéia gregas estejam ligadas a certas formas de desenvolvimento social. A dificuldade está em compreender por que ainda hoje nos proporcionam um prazer artístico e valem, em certos aspectos, como norma e modelo insuperáveis”. Assim, para Karl Marx, na arte historicamente condicionada por um estágio social não desenvolvido, perdurava um momento de humanidade; e nisso Marx reconheceu o poder da arte de se sobrepor ao momento histórico e exercer um fascínio permanente. E ainda segundo Fischer, “ toda arte é condicionada pelo seu tempo e representa a humanidade em consonância com as idéias e aspirações, as necessidades e as esperanças de uma situação histórica particular. Mas, ao mesmo tempo, a arte supera essa limitação e, de dentro do momento histórico, cria também um momento de humanidade que promete constância no desenvolvimento”.

Por diversos ângulos e com diferentes enfoques, as discussões sobre a beleza e o estético tiveram uma presença marcante no pensamento de vários autores, desde a antiguidade grega até os nossos dias. Muitas dessas especulações tomaram o rumo de associar o belo ao bom, entrelaçando os campos filosóficos da estética e da moral. Sócrates e Platão, já diziam que o que é bom é belo, e o que é belo é bom. Assim, se o belo pode também despertar o bom no indivíduo, deve fazer parte de sua educação. Assim, além da educação ética, o escritor e pensador alemão Schiller ( 1759-1805 ) propôs a educação estética como forma de harmonizar e aperfeiçoar o mundo e de o individuo alcançar sua liberdade. Nas suas palavras: Para chegar a uma solução, mesmo em questões políticas, o caminho da estética deve ser buscado, porque é pela beleza que chegamos à liberdade.

A arte é quase tão antiga quanto o homem e representa uma manifestação dos sentimentos individuais do artista, porém ela é antes de mais nada um fenômeno social, o que significa que é praticamente impossível situar uma obra de arte sem estabelecer um vínculo com uma determinada sociedade.

O artista como ser social reflete em sua obra de arte sua maneira de sentir o mundo, o que segundo Lukács significa que: “O artista vive em sociedade e – queira ou não – existe uma influência recíproca entre ele e a sociedade. O artista – queira ou não – se apóia numa determinada concepção do mundo, que ele exprime igualmente em seu estilo”.

Mesmo possuindo uma subjetividade específica deixada pelo artista, esta sempre será percebida e apropriada pelas pessoas. Sendo assim, a obra de arte será um elemento social de comunicação da mensagem artística.

Neste sentido Lukács afirmará que “uma arte que seja por definição sem eco, incompreensível para os outros – uma arte que tenha um caráter de puro monólogo – só seria possível num asilo de loucos(…) A necessidade de repercussão, tanto do ponto de vista da forma, quanto do conteúdo, é a característica inseparável, o traço essencial de toda obra de arte autêntica em todos os tempos”.

Assim, dentro de um processo dialético e como fenômeno social, a arte possui relações com a sociedade, modificando-se historicamente.

Pela criação estética, a obra de arte tende a se universalizar, a permanecer viva através dos tempos, anunciando uma mensagem artística que, independentemente de seu conteúdo ideológico, expressa profunda sensibilidade. Por isso, elaé capaz de atrair uma grande diversidade de homens, culturas e sociedades. Neste sentido escreve Ernst Fischer: “Se fosse da natureza do homem o não ser ele mais do que um indivíduo, tal desejo seria absurdo e incompreensível, porque então como indivíduo ele já seria um todo pleno, já seria tudo o que era capaz de ser. O desejo do homem de se desenvolver e completar indica que ele é mais do que um indivíduo. Sente que só pode atingir a plenitude se se apoderar das experiências alheias que potencialmente lhe concernem, que poderiam ser dele. E o que um homem sente como potencialmente seu inclui tudo aquilo de que a humanidade, como um todo, é capaz. A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo como o todo; reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e idéias”.

Tendo como princípio a impossibilidade da neutralidade axiológica, a arte também não é isenta e como definido anteriormente, ela é também um produto histórico e social que pode também retratar as idéias próprias de certos grupos sociais e políticos, possuindo portanto, um caráter ideológico.

Por influência de Karl Marx, a palavra ideologia tornou-se largamente utilizada na filosofia e nas ciências humanas, designando os sistemas de idéias que elaboram uma “compreensão da realidade” para ocultar ou dissimular o domínio de um grupo social sobre o outro.

Nesse sentido, a ideologia tem funções como a de preservar a dominação de classes apresentando uma explicação apaziguadora para as diferenças sociais. Seu objetivo é evitar um conflito aberto entre opressores e oprimidos.

A ideologia é, portanto, uma forma de consciência da realidade, mas uma consciência parcial, alienada, ilusória e enganadora que se baseia na criação de conceitos e preconceitos como instrumentos de dominação.

Conforme aponta a Professora Marilena Chauí, “a ideologia só pode manter-se pela ocultação de sua gênese, isto é, a divisão social das classes, pois sendo missão das ideologias dissimular a existência dessa divisão, uma ideologia que revelasse sua própria origem se autodestruiria.”
Neste sentido, a arte pode, também ocultar antes que revelar e, assim, o ato da educação pode ser o ato da alienação.

Podemos afirmar que este processo de ocultação e de alienação sofrido pela arte acentua-se a partir da segunda metade do século XIX quando as regras do mercado capitalista e a ideologia da indústria cultural transformaram as obras de arte em mercadorias, como tudo o que existe no capitalismo, ou como assinala a Professora Marilena Chauí: “…a indústria cultural separa os bens culturais pelo seu suposto valor de mercado: Há obras “caras” e “raras”, destinadas aos privilegiados que podem pagar por elas, formando uma elite cultural; e há obras “baratas” e “comuns”, destinadas à massa. Assim, em vez de garantir o mesmo direito de todos à totalidade da produção cultural, a indústria cultural introduz a divisão social entre elite “culta” e massa “inculta”…

Observamos assim, nas artes, o fortalecimento da divisão social existente na sociedade entre os que “têm cultura” e os que “não têm cultura” bem como a apropriação desta produção cultural pelas elites.

Assim, a ideologia pode ser considerada como um processo que tenta justificar a dominação de classe como algo natural (ter ou não ter) . Portanto, a racionalização ideológica constrói uma visão de mundo para explicar a realidade utilizando dados parciais e ocultando os reais interesses das classes dominantes.