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Na guerra entre polícia e crime organizado, o alvo são os trabalhadores (versão resumida)


27 de novembro de 2012

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Nas últimas semanas de outubro e início de novembro, as manchetes foram tomadas por notícias de uma “onda de violência” na periferia de São Paulo com o assassinato de policiais, de baixa e alta patente, e mortes também de alegados criminosos em supostos confrontos com a polícia. As mortes chegaram a algumas dezenas por semana, e estabeleceu-se o temor de que algo semelhante ao que aconteceu em 2006 (quando confrontos do mesmo tipo numa escala muito maior paralisaram a maior cidade do país na época do dia das mães), inclusive com toque de recolher em alguns bairros da periferia e regiões da Grande São Paulo. O governo federal e o estadual estabeleceram um acordo de cooperação para debelar a onda de violência, incluindo a presença do exército nas ruas e a transferência de líderes da facção PCC para presídios federais em outros estados. No entanto, há quase um mês, as mortes continuam.

A primeira consideração a se fazer é que nenhuma onda de violência e atividade criminosa, nem esta em particular, poderão ser refreadas apenas com recurso a mais policiamento, mais confronto, mais militarização. As razões para o estado de guerra que vigora na periferia de São Paulo e de outras grandes cidades do país são complexas e profundas, e da mesma forma devem ser as soluções. O discurso que resume tudo a falhas específicas na política de segurança pública ou na competência de seus gestores apenas arranham a superfície do problema. Esse discurso simplista sobre assunto tão complexo não é politicamente inocente, pois existe para justificar um projeto determinado, justamente o projeto de colocar mais policiais nas ruas, com maior liberdade para agir.

O reforço do policiamento, e especificamente esse tipo de policiamento ultraviolento, são feitos mediante um processo de convencimento junto à população e aos trabalhadores, no sentido de que a “guerra ao crime” é a única solução para “o problema da violência”. Esse convencimento é permanente, por meio de programas televisivos estilo “mundo cão”, que se popularizaram enormemente na última década, com o método sensacionalista e oportunista de ignorar os problemas sociais profundos e prometer soluções simplistas: mais polícia e mais mortes.

Enquanto militantes que lutam pela superação do capitalismo, devemos ser contra esse discurso e o projeto que ele legitima. A polícia que ganha essa completa liberdade de ação nas ruas será a mesma polícia usada para reprimir movimentos dos trabalhadores, como greves, ocupações, manifestações e ações diretas. Ambos serão tratados com a mesma brutalidade e violência, como foram os moradores do Pinheirinho em São José dos Campos no início deste ano e os estudantes da USP em fins do ano passado. Perante a opinião pública em geral, toda a repressão será legítima, seja aquela disparada contra o crime, seja contra os movimentos sociais em geral. Qualquer movimento por salário, moradia, educação, passa a ser tratado como atividade criminosa, punida com prisão e condenação judicial ou administrativa de diversos tipos. Com essa prática de criminalização e repressão armada, os movimentos são isolados da grande maioria de trabalhadores, que poderia vir a apoiá-los.

A violência estatal, ou mesmo a “militarização”, que o crime organizado instaura nas periferias é uma ferramenta fundamental na manutenção da exploração, intimidando os trabalhadores para que não entrem em luta. A polícia tem como papel fundamental reprimir os trabalhadores e mantê-los sob controle.

É preciso dizer que a luta contra a repressão aos movimentos sociais, contra a violência policial, os abusos de poder, maus tratos, corrupção policial, em defesa dos direitos humanos, constituem um conjunto de lutas parciais que não pode ser isolado da luta política global contra a totalidade do projeto que está em curso no país, o projeto da burguesia e do PT de gestão do capitalismo periférico brasileiro. Não existe possibilidade de vitória na luta contra a violência sem que seja parte da luta geral contra os demais problemas causados pelo capitalismo, e que seja uma luta não apenas contra os efeitos, mas contra as causas desses problemas, o próprio capitalismo, uma luta abertamente anticapitalista e socialista.

Nesse sentido, para que possamos dar conta das múltiplas dimensões do problema social do crime e da violência, apontamos medidas para solucionar as suas próprias causas e seus efeitos:

– emprego, moradia e serviços públicos para todos os trabalhadores;

– educação, cultura e lazer para a juventude em todos os bairros;

– redução de danos para dependentes de drogas, com narcossalas, fornecimento de seringas, etc.

– por tratamento humanizado aos dependentes de drogas, fim da internação compulsória;

– humanização do sistema penal em geral sob o controle do Estado, com a construção de novas unidades e a contratação de pessoal até dar fim à superlotação dos presídios, aos maus tratos e à corrupção dos agentes carcerários;

– combate à corrupção policial e judicial, julgamento de policiais em tribunais civis, expulsão e prisão de todos os corruptos e confisco de seus bens;

– desmilitarização da PM, unificação das polícias em uma única corporação civil, com direito de sindicalização e eleição dos comandantes e sob controle democrático da população dos bairros;

– campanha contra a repressão aos movimentos sociais, pelo direito de greve e de manifestação;

– campanha permanente de esclarecimento dos malefícios causados pelo uso abusivo das drogas em geral.

Boa parte dessas medidas exigirá uma luta contra a lógica do sistema capitalista como um todo, conforme assinalamos acima. Para gerar emprego, moradia e serviços públicos de qualidade para todos, seria preciso, por exemplo, inverter a prioridade do orçamento público, que hoje está comprometido em cerca de 50% com o pagamento de juros da dívida pública aos banqueiros e especuladores. Para obter o não pagamento dos juros, por sua vez, seria preciso enfrentar um dos setores mais poderosos do capitalismo brasileiro e mundial: o mercado financeiro. Seria preciso desenvolver uma luta contra o Estado e suas atuais instituições, no contexto de uma luta que acabaria inevitavelmente se colocando contra o capitalismo e projetando a construção do socialismo. O mesmo se aplica em várias das demais medidas, que devem ser compreendias como parte de um programa anticapitalista e socialista.

Espaço Socialista, Novembro de 2012